Uma oportunidade perdida
Pedro Azevedo
Ryan Gauld fez um hat-trick no Sábado pelo Farense, depois de ter bisado na semana anterior. Daniel Bragança e Rafael Barbosa marcaram pelo Estoril. Pedro Marques leva 8 golos nos últimos 4 jogos pelo Den Bosch. Matheus Pereira é líder das assistências no Championship, Mama Baldé é o melhor marcador do Dijon na Ligue 1, Domingos Duarte fez parte do 11 Revelação da La Liga para o jornal A Marca, Palhinha tem sido destaque no Braga e já venceu uma Taça da Liga, Leonardo Ruiz é um dos melhores marcadores da Segunda Liga. Para não falar do turco Demiral, contratado pela Juventus e titular nos últimos 7 jogos da equipa de Turim antes de uma lesão o ter deixado inactivo, período durante o qual remeteu para o banco uma contratação de 70 milhões de euros (De Ligt).
A ideia da falta de qualidade da Formação não é provada pelos inúmeros factos. Qual então a razão que justificou esta opinião de Frederico Varandas? Preconceito? Motivos políticos? O que é certo é que a política desportiva assentou neste pressuposto e isso não só provocou o êxodo de vários jovens promissores que poderiam ter melhorado o rendimento desportivo da equipa e constituirem-se futuramente como importantes mais-valias para o clube como motivou uma ida ao mercado que se saldou por 15 jogadores contratados, cerca de 50 milhões de euros investidos, custos salariais desnecessários e incomportáveis para a realidade da SAD, aumento dos custos de financiamento devido à antecipação das receitas da NOS e subida da rúbrica de Fornecedores no Balanço para 56.7 milhões de euros, dos quais 50.7 milhões a pagar no curto-prazo (corrente, até 1 ano). O impacto total desta desastrosa política desportiva ainda está por fazer. Mas olhando para o R&C do 1º semestre de 2019/20 uma coisa é clara e inequívoca: durante o 2º trimestre da corrente época, o Sporting perdeu mais de 18 milhões de euros, facto absolutamente relevante atendendo a que este trimestre é o único que não é influenciado pelas janelas de transferências e reflecte verdadeiramente a realidade operacional da SAD.
Aquando dos terríveis acontecimentos de Alcochete o Sporting tinha 9/10 jogadores de qualidade acima da média. Frederico Varandas herdou 6. Com o tempo foi vendendo quase todos, de Nani a Bruno Fernandes, passando por Raphinha e Dost. Sobram Mathieu e Acuña. Simultaneamente investindo em quantidade, à medida em que ia alienando a qualidade com o pretexto nalguns casos de contenção da despesa. Desperdiçando muito do potencial existente na Academia, subordinando-a à importanção de jogadores de classe média/baixa. Uma crise como a motivada por Alcochete teria sempre de ser encarada como uma ameaça à sustentabilidade do clube. Mas seria também uma oportunidade. Uma oportunidade de saneamento financeiro do clube, potenciando e optimizando os recursos disponíveis na nossa Formação através de uma abordagem transversal ao futebol. Infelizmente, tudo isto foi ingloriamente perdido em nome de uma política desportiva autista que promete vir a transformar o exercício de 2020/21 numa assustadora realidade do ponto de vista económico e financeiro. É impossível rever-me nisto, é impossível não temer o futuro perante isto.
P.S. Agora, posteriormente às minhas críticas sobre os elevados custos do plantel face à sua qualidade e política desportiva em geral, um jornal visto como próximo da actual entourage leonina fala em maior critério na construção do plantel. É curioso e tomo a devida nota, até dado o actual estado das finanças leoninas e a sua debilíssima situação económica (vidé o deterioramento do Activo) que aqui apontei há pouco tempo atrás num artigo a que chamei "A realidade inconveniente". Após terem sido vendidos os anéis e não lapidados os diamantes da Formação. Por isso, candidamente, a Direcção leonina pretende agora que aceitemos os erros cometidos neste ano e meio como um estágio. Transmitindo que vai "emendar a mão", assim pedindo créditos para mais uma "volta". Quando há 6 meses atrás acusava os críticos da sua política desportiva de ignorantes em matéria de futebol e/ou desonestos intelectualmente enquanto destes zombava com o termo "contratações cirúrgicas". Mas alguém no seu perfeito juízo considera ter Frederico Varandas e seus pares condições para planear mais uma época desportiva? Os mandatos são para cumprir? Sim, em teoria. Na prática não, quando o bem maior, leia-se a perenidade da instituição, se sobrepuser. É que uma coisa é a solidariedade com os sócios e suas decisões e a democracia interna do clube, outra, bem diferente, é ser cúmplice e pelo silêncio caucionar um caminho que inevitavelmente conduzirá o Sporting ao abismo (se é que, numa versão não tão optimista, não nos encontramos já à beira do mesmo).