Um conto de futebol
Pedro Azevedo
Justino e Saturnino nunca até aí se haviam conhecido. O primeiro era um homem apaixonado, cego por uma paixão que quando em excesso sufoca o alvo da sua afeição, tira perspectiva e clarividência, se torna insana. Nesse não-respirar, perdera a noção do suficiente, só via as suas cores. E gabava-se disso como se de um troféu se tratasse, ou para ele o amor não se medisse em quantidade mais do que em qualidade. Saturnino era o oposto: frio, calculista, sibilino, pérfido, mas indubitavelmente inteligente, com ele todas as manhãs eram promissoras e envelheciam mal por sua exclusiva opção. Verdadeiramente até não gostava de futebol, mas via nele uma forma de se manter à tona de água, de alimentar a trica que lhe estava no sangue, o dito e o desdito supersónico, a incoerência, a vaidade. Um dia a vida lembrou-se de os juntar. Alguém avisou que desse casamento só poderia resultar um conjunto vazio, mas ninguém ligou. E com a omissão e cumplicidade dos restantes, da união vazio se fez, até que juntos mataram o futebol. Diz-se por aí que o Justino nunca recuperou, não conseguiu substituir o objecto da sua opressora paixão, anda a comprimidos. Mas o Saturnino adaptou-se bem. Agora só liga a tauromaquia. Parece que por lá, qual cabo forcado, pode dar finalmente nome aos bois. Em campo aberto. E pegar de caras...