Tudo ao molho e fé em Deus
No Reino dos Visigodos
Pedro Azevedo
Os grandes jogos de futebol lusos são também importantes lições de história, um pretexto para melhor se ficar a conhecer a evolução das comunidades humanas no território que hoje se denomina Portugal. Assim, enquanto a influência romana em Portugal pode ser observada pelo latim que se gasta após os jogos, o legado das invasões bárbaras é continuamente renovado a cada clássico no Dragão. Nesse particular, o líder visigodo, Pinto da Costa (e o engenheiro "visigordo" que é seu lugar-tenente), mostra o quão teme os "mouros", especialmente os que vêm de Lisboa, recorrendo por isso frequentemente a ancestrais tácticas de guerrilha que tanto podem envolver a utilização de reagentes anti-sépticos como de agentes da (des)ordem. Tudo em vão, porque, se a história nos ensina algo, ainda vai acabar a andar à nora... (Já a influência castelhana neste território ficou registada com os olés com que cada Sportinguista em casa mentalmente acompanhou a genial jogada do nosso segundo golo.)
Continuando a percorrer a história de Portugal, estes jogos trazem sempre à liça as memórias intemporais dos bárbaros Fernando Couto, Paulinho Santos, Jorge Costa ou Secretário, todos eles anos a fio a gozarem (com a alegada excepção do Secretário) connosco. Era um tempo em que os homens voavam sob a influência dos pitons dos visigodos portistas. Voavam, e por voar acabavam expulsos como o beato Ouattara ou o santo Juskowiak, ambos mártires da Areosa. Mas estava tudo bem, com mais ou menos quinhentinhos, fruta ou chocolate, que de apitos ainda não se conhecia o dourado. A coisa julgava-se já ultrapassada, mas eis senão quando regressou em força na última sexta-feira. Porém, se é verdade que a história frequentemente se repete, não deixa também de ser verídico que sempre adquire cambiantes diferentes. Assim, tanto foi possível observarem-se reminiscências de um outro tempo, do tipo do Matheus Nunes voar após cada nova entrada insuficientemente admoestada pelas costas, como nuances modernaças em que quem voa é o prevaricador - no caso um (A)ladino iraniano que para o efeito deve ter um daqueles tapetes persas das mil e uma noites - e "quem se lixa é o mexilhão" (o importado e importante Coates). Tudo sob o olhar inegavelmente assustado de um Pinheiro, mansinho para os portistas e bravo para os Sportinguistas, provavelmente desejoso de sair dali sem que lhe dessem na pinha. (Ainda assim, a vantagem de ser Pinheiro é que se cria raizes, outros como o Pratas até corriam na hora em que os visigodos levantavam o sobrolho na sua direcção.)
No final roubaram-nos: subjectivamente, dois pontos; objectivamente, uma carteira e um telemóvel. Não sei como há quem defenda isto (para além obviamente do Baía, que tem de fazer pela vida e afinal até era guarda-redes), mas há tradições que são difíceis de erradicar. Todavia, que me desculpe o PAN: tourada por tourada, eu prefiro a de Barrancos, que é nossa e não produto da cultura latino-americana. (E quem lidera toma o touro pelos cornos.)
Tenor "Tudo ao molho...": Matheus Nunes
P.S. Ah, e os dois golos que ainda assim conseguimos marcar no Dragão foram tirados a papel químico: variação súbita do centro de jogo (da direita para a esquerda e o seu contrário), bola para o meio e golo. À semelhança de tentos obtidos de igual forma na época passada. Isto também é laboratório.