Tudo ao molho e fé em Deus
L’ Eça de Queiroz
Pedro Azevedo
Esta deslocação leonina à Capital do Móvel fez-me pensar em divãs e, mais especificamente, no divã de um psicanalista, tanta é a autofagia que ocorre no nosso clube após uma derrota. Sim, de uma derrota, uma única entenda-se, se tratou, pelo menos no que concerne às competições domésticas. Ainda assim, logo os fantasmas do passado vieram ao de cima e não faltaram profetas da desgraça a ensombrar o já de si difícil caminho que temos pela frente. Ora, na minha opinião, tal não faz sentido. Desde logo porque temos o Rúben Amorim entre nós, uma espécie de anjo da guarda que nos protege nas horas mais complicadas. E como o faz? Diagnosticando correctamente os problemas, propondo soluções ao grupo de trabalho e comunicando claramente com os adeptos. Isso dá-me confiança de que as coisas voltarão a entrar nos eixos. Não fará por exemplo do Esgaio um Beckenbauer, mas torná-lo-á mais competente, focado, solidário e consciente das suas melhores qualidades e limitações. Também enviará pistas ao Matheus Nunes sobre aquilo que lhe falta desenvolver para se tornar um jogador ímpar a nível europeu, nomeadamente uma maior desenvoltura no momento do remate à baliza que acompanhe o progresso já registado em termos do timing dos passes de ruptura. Adicionalmente, fará com que todos os jogadores sejam mais intensos nos momentos sem bola e assim contribuam para esbater o habitual défice de 2 contra 3 com que nos deparamos no miolo do terreno.
Matutei sobre isto antes do jogo com o Leça, mas a análise posterior à partida reforçou a minha convicção sobre o impacto do Rúben Amorim no Mundo Sporting. Com ele podemos regular a hipertensão e dormir descansados, descartando os Xanaxs e os Lexotans de outros tempos. O que nos leva a substituir os proverbiais cinismo e apreensão antes de um jogo pela confiança total na equipa. Terá sido por isso, devido à enorme confiança, que a derrota nos Açores foi para todos surpreendente. Mais até do que a derrota, diria a atitude de deixar correr o marfim que acabou por a todos deixar de trombas. Porém, tratou-se de um mal menor, mau mesmo era quando uma derrota era vista como uma fatalidade, e a desesperança minava-nos a visão sobre o futuro.
Outra coisa que me dá confiança é sentir que o destino joga por nós. Quer dizer, eu já na época passada havia sentido o mesmo. Dúvidas? Ora bem, o Porro estava para alinhar de início, mas quis a Divina Providência que este jogo servisse à redenção do Esgaio. E lá vieram duas assistências, uma mais que a outra que isto de pôr a bola nos pés de um tipo e reclamar os louros de uma assistência é como alguém cortar o cordão umbilical a um bebé e reivindicar o mérito de essa pessoa ao longo da sua vida adulta se ter mostrado independente. Outro exemplo foi o do Matheus Nunes. Tanto aqui reclamara para ele chutar que ao primeiro remate meteu a bola lá dentro! E ainda houve o Tabata, ele também a mostrar ser mais útil como interior do que como ala de pé trocado (o que em nada condisse com o adiantamento do "pinheiro" Coates para ponta de lança, o qual ficou à espera de Godot, que é como quem diz a aguardar sem esperança por cruzamentos que favorecessem mais quem atacava do que quem defendia). Já para não falar do Ugarte, o uruguaio que eu, sem saber se o jogador acabado de regressar de uma infecção por Covid estava em perfeitas condições, imaginei poder ter sido útil entrar contra o Santa Clara. Pois, o Ugarte é um miúdo que me enche as medidas, intenso e tecnicista, patrão e operário em partes iguais, que não perde uma oportunidade de morder os calcanhares ao Palhinha, situação da qual o Sporting só pode vir a beneficiar no futuro, desportiva e financeiramente.
Contra o Leça, equipa que já havia aviado o Arouca e o Gil, o Sporting carimbou a passagem às meias-finais. Não fizemos mais do que a nossa obrigação, é evidente, jogando contra uma equipa do 4º escalão nacional, mas a atitude dos nossos jogadores prevaleceu sobre o resultado final e merece uma referência. Mostrando que a lição foi aprendida e apreendida entre todos. E tornando o futuro novamente mais previsível. Quer dizer, previsível de uma forma positiva que envolve unicórnios e estrelinhas e trevos de quatro folhas e corações verdes, et caetera e tal, e não como antigamente, um tempo de fado e de desventura que não augurava nada de bom. Mesmo que não se tenha tudo aquilo de que se gosta (também não há dinheiro para tal). Até porque, como dizia o Eça, quando não se tem aquilo de que se gosta é necessário gostar do que se tem. Viva o Esgaio!
Tenor "Tudo ao molho...": Bruno Tabata