Tudo ao molho e fé em Deus
A alegria do povo
Pedro Azevedo
De Mané Garrincha se dizia ser a "Alegria do Povo". Com o estádio cheio e contra adversários difíceis, Garrincha jogava como se estivesse numa peladinha entre amigos. Nunca acusava a pressão, nem tão pouco temia o circunstancial opositor de um determinado dia. Todos para ele eram "Joões", fossem eles do Flamengo, Fluminense, Vasco, ou da Checoslováquia ou Suécia. Movia-se por puro instinto, e só isso. Todos conheciam a sua finta, mas ninguém o conseguia deter.
Penso em Garrincha quando olho para Pedro Gonçalves. Troco apenas o instinto e a arte da revienga de um pela inteligência e assertividade no remate do outro. Quanto ao semi-alheamento comum a ambos, o do Mané tinha mais a ver com a falta de noção enquanto o do Pedro parece propositado e visar melhor enganar o adversário. Partilham porém o facto de ambos serem "cool as a cucumber", imperturbáveis de uma forma quase arrogante, absolutamente confiantes e seguros do seu papel desequilibrador no campo.
Durante meia-hora não se viu o nosso Pote de Ouro no relvado. Mas da primeira vez que se deu por ele foi golo. De uma forma prática, sem adornos desnecessários, a um só toque, sabendo encontrar o espaço ideal para melhor ferir o adversário. Como se de um duende, um leprechaun se tratasse, escondendo-se entre a vegetação (relva) para aparecer de repente, traquino e astuto. Com esse golo, Pedro Gonçalves incendiou um José Alvalade até aí inquieto, possuído pelas dúvidas. É que a forte pressão alemã a meio-campo conseguiu durante muito tempo ofuscar a entrada pressionante dos leões e chegou a temer-se o pior. Mas Coates e Inácio estiveram imperiais na defesa, Matheus e Palhinha correram muito para esbater a inferioridade numérica a meio-campo e o Sporting conseguiu aguentar-se no jogo. Até que apareceu o Pote, uma e outra vez. Da segunda vez a concluir uma brilhante jogada colectiva: Matheus Nunes avançou pela direita, Paulinho amorteceu e deixou para Matheus Reis, este visou a zona de penálti onde Matheus Nunes segurou de costas como um ponta de lança, Sarabia tocou suavemente para a entrada da área e Pote rematou colocado e com uma violência dir-se-ia impossível para um golpe desferido com a parte de dentro do seu pé direito. O Sporting ia para o intervalo com a vantagem ideal que lhe permitia a qualificação imediata para a fase seguinte da Champions. Faltavam, porém, 45 minutos para carimbar essa passagem.
Entrámos bem no segundo tempo e uma combinação entre Pote e Sarabia poderia ter dado o terceiro golo não fora o cansaço já evidente do espanhol. Mas acabariam por ser os alemães a cometer o hara-kiri quando Emre Can se fez expulsar por agressão a Porro. Em noite de Pedros, a importância de Porro não se ficaria por aqui, surgindo a recarregar com êxito um penálti desperdiçado por Pote e ganho por Paulinho. Com o 3-0 e mais um homem no terreno veio uma descompressão que se poderia ter revelado fatal. O jovem Nazinho foi lançado às feras em jogo internacional, os alemães reduziram, a inexperiência nestas andanças veio ao de cima e durante alguns minutos os leões deixaram de trocar a bola com critério, pelo que a ansiedade tomou conta de todos, espectadores incluídos, até ao silvo final do árbitro. Seguiu-se a festa, bem merecida.
O Sporting cometeu o feito de se apurar para os oitavos-de-final da Champions, algo que não acontecia desde 2008/09 com Paulo Bento, e o grande arquitecto de tudo isto é o Rúben Amorim. Depois de um início titubeante, quem diria que à quinta jornada já estaríamos apurados? Na vida estanos sempre a aprender, e o Amorim aprende muito depressa. Sagaz, inteligente e de comunicação assertiva, corajoso no lançamento de jovens e providencial na preparação do futuro, Rúben Amorim está na sua cadeira de sonho. Ou melhor, na nossa, porque enquanto ele por cá andar estaremos sempre bem sentados. Sonhando, e dormindo descansados.
Tenor "Tudo ao molho...": Pote