Tudo ao molho e fé em Deus
Pote de ouro na casa de Matheus
Pedro Azevedo
Em nenhuma outra modalidade é tão possível o David bater o pé ao Golias como no mundo do ludopédio. Por isso, o futebol possui um sortilégio inigualável entre os diversos desportos. Muitas vezes a equidade provém da falta de eficácia do mais forte, outras vezes do engenho e da organização do mais fraco que permite que o todo valha muito mais que o somatório das partes. Na maioria dos casos porém esse equilíbrio é fruto das conjugação destes factores. Isto em condições de pressão e temperatura constantes do sistema, claro. Infelizmente, nas últimas décadas, em demasiadas ocasiões quando o Sporting joga, ou o termostato se avaria ou temos bar (e var?) aberto. Concomitantemente, o sistema desregula-se. E sempre que falha um sensor, nunca falta um censor.
Hoje à tarde, nos Açores, o Sporting podia e devia ter resolvido a contenda na primeira parte. Com Palhinha imperial no centro do campo, Matheus é como um elástico à sua volta que se vai esticando ou apertando consoante as necessidades da equipa. Durante o primeiro tempo esticou-se tanto que isso provocou suficientes desequilíbrios para matarmos o jogo. Faltou eficácia, que é como quem diz faltou um "Matador", um ponta de lança. Quem não tem cão, caça com gato, e Pote (a passe de Jovane) desfez a igualdade com um remate certeiro de pé esquerdo executado de ângulo difícil. Dir-se-ia que o pior já tinha passado, mas isso é coisa que nunca passa pela cabeça de um Sportinguista. Anos e anos de improbabilidades que se reverteram contra nós fazem com que em cada Sportinguista haja um ser muito desconfiado e cínico. Não se infira daí que temos medo de ser felizes. Nada disso. Aquilo que efectivamente tememos é voltarmos a ser apanhados desprevenidos. É que depois não haveria coração que aguentasse o Coates ensarilhar-se com a bola e abrir uma improvável autoestrada numa pequena ilha. Assim, lá fomos nós para o intervalo com mais uma daquelas vitórias morais do nosso passado recente.
No recomeço, o Sporting não voltou tão desenvolto. A relva, em péssimo estado, fofa e cada vez mais solta, também não ajudava. Mas fundamentalmente deixámos de controlar o meio-campo tão bem como no primeiro tempo. Para tal muito contribuiu o elástico ter-se partido. Esgaçado, tanto pelo uso (vai-vem constante) como pelo atrito (entradas a matar dos insulares), Matheus não conseguiu contribuir como anteriormente e a equipa ressentiu-se. O jogo tornou-se muito menos fluído e nem mesmo a entrada de João Mário o abanou suficientemente. Ainda assim tivémos duas soberanas ocasiões de golo, ambas ingloriamente desperdiçadas por Sporar (substituiu Jovane). Na primeira, o esloveno cabeceou sozinho e não acertou na baliza; na segunda a bola parece que o perpassou como se ele fora um holograma dos balcãs, efeito sobrenatural já avistado em duas ou três situações com idêntico protagonista em Alvalade. Porro e João Mário, respectivamente, fizeram as assistências com mel. Até que Pote, correspondendo a um passe longo de Feddal, beneficiou de um momento de apanhados em que o guarda-redes contrário se retirou a si próprio e a um defesa do lance e, novamente de pé esquerdo, marcou.
Vitória justíssima do Sporting, ainda que tanta caridade cristã, embora neste caso com a atenuante de ser com (o) Santa Clara, não seja recomendável no futuro a não ser que também se pretenda fazer um voto de pobreza.
Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Gonçalves ("Pote")