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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

Castigo Máximo

18
Dez22

Tudo ao molho e fé em Deus

Um guião escrito no Céu


Pedro Azevedo

... E, lá em cima, no Céu, Maradona sorri...

 

Pode uma equipa ser tão superior táctica, técnica, física e mentalmente sobre outra e ainda assim isso no final não ser suficiente? Pode, se do outro lado estiver um Mbappé, e já agora um treinador (Deschamps) capaz de reconhecer o erro em que incorreu desde o início de jogo e adicionar um médio à sua equipa para reequilibrar as forças a meio-campo. Só assim se explica a razão pela qual a Argentina, depois de dar um amasso à França durante 70 minutos, foi para prolongamento e, mais tarde, para penáltis contra uma selecção que lhe foi notoriamente inferior a maior parte do tempo. Com um meio-campo todo-o-terreno onde MacAllister predominou com um jogo sobrenatural e Enzo e De Paul mostraram uma energia muito tipica dos gaúchos, os argentinos desde o início engoliram o meio-campo macio dos gauleses. Com a bola rapidamente recuperada, Messi depois fazia fillet mignon dos restantes franceses, avançando em combinações ou servindo um Di Maria com o diabo no corpo na esquerda. Um primeiro golo surgiu, produto da inépcia defensiva de Dembele, e logo um segundo apareceu após concretização da melhor jogada colectiva da competição. O intervalo chegou sem que a França fizesse um remate à baliza de Emiliano Martinez, que por essa altura estava ainda a aquecer os motores para o que viria a seguir, uma situação provocada também pela ingenuidade de Deschamps, que subestimou a capacidade competitiva argentina ao apresentar uma equipa que do meio-campo para a frente só tinha verdadeiramente um homem (Tchouameni) competente nas tarefas defensivas e com poder de choque para ganhar uma bola dividida. 

 

A toada do jogo manteve-se inalterada até aos 70 minutos, altura em que aconteceram dois factos relevantes: Mbappé fez o primeiro remate da França e Deschamps lançou Camavinga no jogo, sacrificando um defesa, e trocou Griezmann por um extremo (Coman), alterando o seu 4-3-3 para um 3-3-4 com 2 médios de combate e dois alas bem abertos. Contendo finalmente as investidas argentinas, a França pôde finalmente fazer chegar jogo à sua arma Mbappé, pelo que não demorou muito até que este causasse estragos ao adversário, primeiro através de uma penalidade a castigar uma má abordagem de Otamandi, depois num tiro acrobático a que Martinez não conseguiu chegar. O jogo foi empatado para prolongamento.

 

Scaloni demorou demasiado, mas quando mexeu na equipa o impacto foi imediato. Com Paredes fresco em campo, a substituir um De Paul muito castigado por entradas desleais dos franceses, a Argentina voltou a impôr-se na partida. A acabar o primeiro tempo, Lautaro, que entrara para o lugar de um batalhador Álvarez que marcara um golo à Mario Kempes nas meias-finais, desperdiçou ingloriamente duas boas oportunidades de voltar a pôr os argentinos na liderança do marcador. Até que, já no reatamento, Messi surgiu na ressaca de um terceiro golo perdido por Lautaro e... marcou. As semelhanças com a final ganha pela Argentina contra a Alemanha no México 86 vieram-me logo à memória, com o marcha do marcador e a tónica da partida a evoluírem exactamente da mesma forma. Só que haveria ainda um último twist no jogo: após uma mão argentina na sua área, Mbappé completou um hat-trick, o oitavo golo (um mais do que Messi) do avançado na competição. O jogo estava frenético e, no último minuto, Kolo Muani (enorme defesa de Martinez) e Lautaro (pela quarta vez!!!) perderam o golo da vitória, pelo que o jogo foi para decisão da marca da grande penalidade. 

 

Os craques apressaram-se em marcar a primeira, Mbappé para começo das hostilidades, Messi logo de seguida, mas depois Emiliano Martinez defendeu o remate de Coman e fechou a baliza a Tchouameni enquanto os argentinos (Dybala e Paredes) não falharam, cabendo a Montiel a honra de acabar com o sofrimento dos sul-americanos. 

 

Um grande jogo de futebol em que o guião parece ter sido escrito no Céu, privilégio exclusivo de uma estrelinha (d10s) tocada por Deus que mantém a mesma influência junto do "Barbas" (Maradona dixit) que já tinha quando connosco, simples mortais, conviveu no Planeta Terra. A final esteve para ser uma cópia da de 1986? Sim, mas uma mãozinha de Deus na luva de Emiliano Martinez deu-lhe o pico de gallo que faltava ao sabor a México.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Mac Allister. (Messi e Mbappé merecem o empate técnico, pelo que me decidi por um jogador que fez um jogo tremendo, não desprezando a exibição também surreal de Di Maria.)

 

P.S. Parabéns especiais ao nosso ex-jogador Marcos Acuña.

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15
Dez22

Final do Mundial


Pedro Azevedo

Já é finalmente conhecido o par finalista do Mundial de 2022. Assim, no próximo Domingo, pelas 15:00, tendo como palco o Lusail Iconic Stadium, Argentina e França perfilar-se-ão num duelo que muito promete, tanto individual como colectivamente. Desde logo, aguarda-se com expectativa o confronto entre o novo e o velho, Mbappé e Messi, curiosamente colegas num PSG detido pelo estado do Qatar. Nesse sentido, assistiremos já a um render da guarda geracional ou ainda voltaremos a degustar um Malbec vintage? A resposta virá dentro de dias... Também será uma confrontação de estilos entre o tango porteño argentino e o rap dos banlieues franceses, a ginga e o hip-hop em enfrentamento, ambos com origem na colónia de emigrantes de cada país, miscigenações sempre presentes na cultura de cada um e, por conseguinte, igualmente nas suas respectivas selecções, com o futebol como veículo de ascensão social e combate à desesperança como pano de fundo. Alea jacta est - os dados estão lançados. Alguém arrisca uma aposta? Faites vos jeux, rien ne vas plus! A full, como dizem no país das pampas. (Uma coisa é certa, a final do campeonato do mundo será disputada sob a influência do "M".)

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15
Dez22

Leituras que valem a pena (e o lápis, a caneta e o teclado)

André Pipa


Pedro Azevedo

"OUTRA VEZ CURTO"
 
"Marrocos em festa: Portugal tornou-se a primeira selecção a ser eliminada nos quartos de final de um Mundial por uma selecção africana, que não teve culpa de aproveitar um lance marcado por erros do guarda-redes Diogo Costa e do central Rúben Dias.
O balanço final não é famoso. Em cinco jogos (três vitórias e duas derrotas) contei apenas uma exibição empolgante (6-1 à Suíça).
O resto esteve dentro do padrão habitual da «era Santos». Respeito quase doentio pelos adversários que, na óptica do engenheiro, são sempre «fortíssimos», uma obsessão pelos «equilibrios» e uma incapacidade desesperante de pensar e agir como grande.
Para mim, o desempenho português situou-se entre o razoável, o regular, o esforçado, o mediano e o medíocre, com os rasgos de qualidade individual de alguns jogadores a maquilharem a falta de uma ideia de jogo claramente afirmativa - um mal que vem de longe.
Infelizmente, o esplendoroso 6-1 à Suíça foi um epifenómeno sem antecedentes nem continuidade. O nosso normal é isto que vimos hoje. A derrota com Marrocos junta-se às que sofremos em 2021 (Bélgica) e em 2018 (Uruguai). Saídas pela porta pequena. E nem podemos dizer que enfrentámos adversários de primeira linha no Qatar…
O fracasso de Portugal não é caso único neste Mundial dos «equilibrios» (olá Brasil, olá Alemanha, olá Espanha…), mas com o mal dos outros podemos nós bem. Em termos individuais gostei muito de Bruno Fernandes (claramente o novo líder) e do fantástico Pepe, numa selecção com algumas «estrelas» mais jovens que não conseguem pesar e fazer a diferença quando é mesmo preciso. E os anos vão passando…
A «era Santos» acabou, mesmo que o engenheiro continue no cargo.
E é isto."
 
- In Facebook

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11
Dez22

Tudo ao molho e fé em Deus

O (Fema)caos, um anagrama do vazio


Pedro Azevedo

A Selecção foi para casa e estou curioso para ler a imprensa especializada porque a culpa só pode ser do Ronaldo, que ontem esteve apagadíssimo durante os primeiros 51 minutos, nem tocou na bola. Parece impossível, não é? Faltou também intensidade ao Palhinha, o melhor recuperador de bolas da Premier League, que não ganhou uma única contra Marrocos. Incrível! Já para não falar do Matheus Nunes e das suas célebres transições, ontem circunscritas ao espaço compreendido entre o balneário e o banco de suplentes. Malandro! E depois houve um ausente omnipresente na cabeça do Engenheiro, o Moutinho. Só isso explica o que foi pedido a Bernardo neste campeonato do mundo. E não fosse Bernardo falhar, ainda avançou o verdadeiro clone do jogador dos Wolves, o Vitinha. Tudo na tentativa, gorada, de jogar pinball com os marroquinos, de meter a bola entre-linhas, algo infrutífero quando estas se apresentavam coladas com gesso (e ligaduras e adesivos, à medida que os já de si depauperados marroquinos caídos em combate iam sendo substituídos). Antes havíamos tentado a circulação em "U", o que também não tinha resultado, pelo que acabámos o jogo numa homenagem a esta rubrica, em "Tudo ao molho e fé em Deus". O jogo directo é que não passou do papel. Quer dizer, no papel, a entrada a titular do Rúben Neves unicamente visaria pôr a bola atrás das linhas marroquinas e suscitar segundas bolas, mas o ponta de lança esteve sempre desacompanhado, nunca houve alguém por perto que desse consistência a esse plano. E quando o houve, uns parcos 10 minutos, não só o Neves já não estava em campo (lá teve de recuar o Bruno para lançar a bola para a molhada, ele que depois, por não ser omnipresente, faltou com o seu bom remate nas imediações da área marroquina) como logo o Engenheiro se empenhou em matar a solução, fazendo sair o Ramos e voltando ao jogo miudinho que nunca preocupou os homens de barba rija vindos do Magrebe. Assim sendo, Portugal foi quase sempre uma equipa sem arte, com jogadores incapazes de desequilibrar no 1x1, com a honrosa excepção de João Félix. A esperança ainda renasceu quando Ronaldo começou a servir apoios, jogando muito mais para a equipa do que para si próprio, o que deve ter escandalizado os maledicentes e os seus inúmeros médicos legistas espalhadas pela imprensa. Só que faltou um atrelado, alguém por perto que aproveitasse uma segunda bola. Por curiosidade, o jogador com mais características para tirar rendimento dessa situação, o Pedro Gonçalves, ficara em Lisboa, pelo que não houve Pote de Ouro no final do arco-íris. 

 

Confusos? Tudo isto encontra explicação na Teoria do Caos tão do agrado do CEO da Femacosa. Esta trata de sistemas altamente complexos, difíceis de entender por um homem médio que não o Engenheiro, cuja dinâmica acaba por suscitar uma instabilidade que se denomina como "sensibilidade às condições iniciais", que os torna não previsíveis ao longo do tempo. Assim, ao alterar permanentemente o Onze titular, o Engenheiro vai introduzindo o caos determinístico, tornando impossível prever o que se passará a seguir. As correcções que de seguida efectiva no modelo não permitem regressar às condições iniciais, até porque já houve ocorrências intermédias que não podem ser apagadas, pelo que a dado momento o sistema afigura-se aleatório à vista desarmada, dada a sua profunda instabilidade. É o "Efeito Borboleta", como explica Lorenz, e as suas consequências, que em termos de Selecção podem resumir-se ao bater de asa de Ronaldo no Qatar vir a influenciar uma revolução no corpo técnico da Federação em Lisboa. Tão certo como a morte e... os impostos.

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Félix

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11
Dez22

Crónica do Marrocos-Portugal


Pedro Azevedo

Portugal foi eliminado do Mundial do Qatar. Perdemos, mas podíamos ter empatado ou até mesmo ganho, o que decorre da forma como sistematicamente especulamos com o jogo quando defrontamos equipas teoricamente inferiores a nós, expondo-nos assim aos detalhes ou à Santinha. Só que, na ocasião, os detalhes não estiveram connosco e a Santinha, compreensivelmente, teve de se haver com outros males do mundo que não lhe permitiram atenuar os nervosos esgares de pescoço do Engenheiro, razão pela qual já estamos a fazer as malas. Aliás, contrariando o adágio popular que nos diz que as coisas boas vêm aos pares, os detalhes desfavoráveis para nós surgiram em dúo: por duas vezes remates indefensáveis de Bruno falharam o alvo por um fio de cabelo, Bono teve uma parelha de defesas a roubar o golo a Félix e a dupla Ramos e Pepe não teve cabeça para meter a bola nas redes de Marrocos. Já para não falar do momento do jogo, em que Rúben Dias se encolheu a ver En Nesyri saltar e Diogo Costa acertou com os punhos na atmosfera. Caricato, no mínimo.

 

Portugal desperdiçou ingloriamente uma parte da partida a jogar xadrez, algo particularmente imprudente tendo a amostra do que havia acontecido a Espanha. Além disso a escolha do médio defensivo a quem coube o início da construção foi desastrosa. Não é que Rúben Neves não seja um bom jogador, simplesmente a disposição sem bola dos magrebinos pedia um outro tipo de abre-latas. Por exemplo, alguém que saísse em posse com facilidade da pressão e criasse superioridade numérica no miolo (Matheus Nunes), ou que tivesse a qualidade de meter um passe rasteiro e vertical entre-linhas (William), ou que se constituisse como um tampão aos contra-golpes adversários e assim libertasse a criatividade dos restantes colegas do meio-campo (Palhinha). Sem nenhum jogador nessa posição crucial com as características adaptadas ao jogo de Marrocos, Portugal limitou-se a circular a bola pela frente dos africanos. Uma circulação em "U", sem risco nem capacidade de entrar dentro da equipa marroquina, a que se somou negativamente a quase ausência de movimentos 1x1, o não ir para cima do seu adversário directo, uma falta de criatividade da qual só Félix esteve isento. Mas, lá está, quando se escolhe um médio que não tem nenhuma das qualidades supracitadas e nem sequer tem liberdade para aplicar a sua melhor arma (remate), o resultado é ter de recuar Bernardo ou Bruno para posições onde ficam demasiadamente longe da baliza adversária, que é como quem diz afastados do objectivo do jogo (o golo). Como também não faz sentido meter Ronaldo no relvado, a equipa melhorar e depois fazer sair o outro avançado, não potenciando assim as segundas bolas que o choque do 5 vezes Bola de Ouro com os defesas propiciaram. Aliás, nunca houve a aproximação devida do resto da equipa ao seu ponta de lança. Porque a maioria dos jogadores trazia a cartilha errada. Vidé os inúmeros cruzamentos da direita que apanharam Rafael Leão aberto na esquerda, quando deveria ir ao encontro da bola na área, ou as bolas que CR7 amorteceu em zona perigosa e às quais não acolheu ninguém, exceptuando João Félix numa ocasião.

 

Portugal não tem uma identidade, não assume a sua teórica superioridade nos jogos. Os jogadores são bons, habituados a jogar em grandes equipas e grandes palcos, embora me pareça que a selecção final para este certame descurou características como velocidade (Guedes), irreverência e combatividade (Vitinha, do Braga) ou qualidade no ar (Beto) que nos poderiam ter sido úteis. Então qual é o problema? A meu ver o comandante, que faz fracas as fortes gentes, cozinhando uma equipa com medo da própria sombra, o que obriga jogadores que podiam ser decisivos a desgastarem-se fora das suas posições naturais, onde não molestam os adversários. As peças são ordenadas e desordenadas de uma forma algo caótica, o que por vezes surpreende a oposição como no tal Euro que permitiu a Fernando Santos elevar-se a Grande Mestre. Mas o Engenheiro não é um Alekhine, Karpov, Fischer ou Kasparov, longe disso, embora por vezes lhe saia um Éder da cartola. Simplesmente, a ideia com que se fica é que as apostas são tão aleatórias e as convicções tão ténues que em qualquer outra ocasião o próprio ilusionista mata o número do coelho. Com tudo a ficar entregue ao improviso do momento, se a fantasia não sai dos pés dos jogadores, mais se nota a desorganização latente. 

 

Antes do jogo muito se falou de vingar Alcácer-Quibir, como se uma hipotética vitória em 90 minutos de futebol compensasse 60 anos de perda de soberania. Não compensaria. Ainda assim, perdemos. Agora só nos resta esperar pelo dia de nevoeiro em que regressará El Rei... D. Ronaldo. Acreditem ou não, ainda vai ser necessário alimentar o mito. (Será sempre mais autêntico do que alimentar o mito de que sem Cristiano a Selecção fará melhor nos próximos anos. Querem apostar? Eu creio que ainda iremos chorar baba e ranho a sua aposentadoria.)

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07
Dez22

Tudo ao molho e fé em Deus

Entre o eterno e os adversários que não são internos


Pedro Azevedo

Com a vitória de ontem, Portugal atingiu os quartos de final do campeonato do mundo, patamar unicamente alcançado pelos lusos em duas ocasiões (1966 e 2006) na história da competição. Eu vi o jogo ontem e fiquei com a sensação de que tínhamos ganho à Suiça. Mas hoje, ao analisar os comentários que proliferam pela blogosfera, parece que ganhámos contra o Ronaldo (Uma injustiça face à dimensão universal de um craque com uma ética de trabalho irrepreensível, a quem exigimos que seja perfeito.) Ou contra uns projectados aziados lesa-pátria, que isto de uns opinion-makers dizerem uma coisa e o seu contrário é uma arte só comparável à provocação gratuita destinada a criar uma agitação popular que se insiste em confundir com o sucesso. Pensando bem, é esta falta de unidade que nos caracteriza como nação. Por isso, quando Portugal vence em qualquer actividade é sempre contra outros... portugueses. Para essa singular forma de se ser português, ontem o Gonçalo Ramos ganhou ao Cristiano, olvidando-se que bateu essencialmente o Messi, o Gakpo, o Mbappé, o Kane, o Neymar, o Havertz, o Morata, o Mitrovic e todos os outros brilhantes e celebrados avançados que ainda não conseguiram fazer 3 golos num só jogo deste Mundial. Assim sendo, tenhamos noção das coisas: Portugal ganhou à Suiça, ponto. E Gonçalo Ramos tornou-se o mais jovem jogador desde Pelé a fazer um hat-trick em jogos a eliminar. Tudo motivos para festejar, colectiva e individualmente, o desempenho da nossa Selecção. Que é de todos nós, embora aqui e ali haja divergências entre os portugueses sobre a melhor forma de atingirmos o sucesso, o que é natural. (Já se sabe que para corrigir o que não é natural só há o Restaurador Olex, o resto são disfarces.)

 

Eu afirmei aqui que o Ronaldo ainda era melhor do que o Ramos e os factos da noite passada pareceram desmentir-me. Óptimo, digo eu. Porque muito mais importante do que as minhas razões é a razão colectiva. E Portugal ganhou, as pessoas estão felizes e mais felizes ainda ficarão se sobrepuserem Portugal ao jogador A ou B, ou ao treinador C ou D. Como o futebol é o momento, ontem o Ramos justificou plenamente a titularidade. Se já é melhor do que o Ronaldo é outra questão, até porque não há estatísticamente uma amostra com grau de significância relevante baseada numa única observação e as 118 observações anteriores de Ronaldo não devem ser desprezadas. Certo, certo é que no dia de ontem o Ronaldo dificilmente teria feito melhor do que o Ramos. Poderá uma Argentina dizer o mesmo sem Messi, um Brasil sem Neymar ou uma França sem Mbappé? Pois, feliz de quem substitui pontualmente um 5 vezes Bola de Ouro com aparente vantagem, o resto é conversa autofágica.  

 

Falando do jogo, que é o que essencialmente nos traz aqui, Portugal teve uma largura e profundidade até aí não vistas neste Mundial. Para tal muito contribuíram as prestações de Dalot e de Guerreiro, que assim permitiram a criação de espaço em zonas interiores tão bem aproveitado pelo João Félix, para mim o melhor em campo. [Eu sei, o Homem do Jogo foi o Gonçalo Ramos, com três golos e uma assistência (bom, na verdade duas), mas o Melhor em Campo é outra coisa.] Um destaque também muito especial para o Pepe. O Pepe é aquele jogador que qualquer amante de um clube gostaria de ter do seu lado e odiaria ter do lado oposto. A sua garra, concentração e atleticidade contagiam qualquer um, assim como o seu profissionalismo. Por isso, chega aos 39 anos aparentando estar fresco como uma alface, desafiando a perenidade das coisas e afirmando a sua eternidade na linha do que Ronaldo vinha fazendo até recentemente, o que lhe vem permitindo esconder o momento de forma menos exuberante do colega do lado que é 14 anos mais novo (Rúben Dias), pelo que surpreendente é que esta constatação ainda seja uma surpresa para alguém. Ontem marcou mais um golo pela Selecção, ajudando a consolidar a nossa grande vitória, tornando-se o jogador menos novo a marcar em jogos de mata-mata na história dos mundiais de futebol. (O mais velho a marcar em fases finais ainda é o Roger Milla, 42 anos, com a cortesia do escorpião Higuita.)

 

Como remate final, porque eu também tenho a tentação de marcar um golo, gostaria de dizer o seguinte: há por aí muito boa gente que vê o futebol como uma ciência. Pior, muitos até elevam-no a ciência exacta. Ora, o futebol não é matemática, certamente desafia qualquer silogismo aristotélico (por Portugal ter ganho por 5 à Suiça e o Brasil só lhes ter ganho pela diferença mínima, tal não significa que vençamos os canarinhos por 4 golos de diferença) e tem muitos novos amanhãs que permanentemente desafiam o presente e o estabelecido. Por isso é tão fascinante, e como tal suscita tanta curiosidade. Desde logo porque, sendo de aprendizagem simples, a sua complexidade traduz-se em que quanto mais se julga saber, mais se percebe nada se entender. E é bom assim, que pertença àquelas coisas que aparentemente estão ali à mão mas são inatingíveis. Como, aliás, a lua ou o sol. Talvez por isso gere tantos aluados e gente que parece ter apanhado sol a mais na moleirinha. É dos astros. [Dos astros, de quem se julga astro e de quem veste a pele de lobo e não é (Prof.) Astromar.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Félix

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06
Dez22

Telé 2.0


Pedro Azevedo

Do futebol se diz ser a coisa mais importante entre as coisas verdadeiramente não importantes da(s) nossa(s) vida(s), uma frase pelo menos tão batida quanto cada um dos escassos relvados disponibilizados pela organização deste campeonato do mundo. Todavia, de 4 em 4 anos, o futebol aparenta mesmo ser a coisa mais importante de todas as coisas verdadeiramente importantes. Fruto da mega encenação que a FIFA constrói para o evento, cria-se a percepção de que a pátria se decide à volta do jogo da bola, com os generais de ocasião, um corrupio de políticos, a acompanharem de perto cada nova "batalha", como se do desfecho da nação se tratasse. 

 

De todas as selecções presentes em competição a que mais me agradou até ao momento foi o Brasil. Nesse sentido, Tite apresenta-se como o Telé versão 2.0, uma evolução que não desprezando o futebol sambado o compatibiliza com a preocupação de ter o esférico rapidamente recuperado. Ontem, ao olhar para este Brasil, tive a ilusão de estar novamente a ver o Zico, o Sócrates, o Falcão e o Éder, em suma, a brilhante gesta de 82. Os novos craques chamam-se agora Vinícius, Neymar, Richarlison ou Raphinha, e recuperam-nos a ideia de que é possível ganhar e jogar bonito, agradar simultaneamente ao cérebro e ao coração. Por isso este Brasil faz bem ao futebol, não escondendo que o desastre canarinho de 82 conduziu na minha opinião o ludopédio no caminho oposto, para anos de trevas. Evidentemente, um dos segredos deste novo Brasil parece residir nos equilíbrios que se estabelecem quando a equipa não está em posse. Aqui, para além da importância do polvo Casimiro, Tite conseguiu uma solidariedade defensiva entre todos, que faz com que Vinícius, Richarlison e Raphinha rapidamente recuperem posições e briguem pela bola. O próprio Neymar desce e ocupa um espaço, ainda que com um atitude mais passiva que os demais. Não há assim lugar para um Ganso (Paulo Henrique, ex-colega de Neymar no Santos e actual craque do Fluminense), mas obviamente não se despreza a oportunidade de ter um Pombo (Richarlison). Mas é com bola que a equipa delicia: a classe com que Vinícius colocou a bola no primeiro golo ou assistiu para o quarto, o virtuosismo de Neymar a congelar o guarda-redes coreano no segundo ou o momento zoomarine de Richarlison no terceiro foram inolvidáveis. E depois há 2 centrais brasileiros que mais parecem jogadores da posição "10", com uma visão de jogo e um timing de passe insuperáveis para os seus pares de outras selecções. De forma que há muito tempo não me divertia tanto com um jogo de futebol. 

 

Não sei se o Brasil ganhará a "guerra", mas admito que a sua vitória contribuiria para um melhor futebol, um jogo que efectivamente entusiasmasse as pessoas, com menos especulação e mais fantasia, menos negócio e mais espectáculo. Porque o futebol também pode fazer sonhar. E o que o Escrete ontem fez, naquele seu jeito de exportar o futebol da rua para o mundo inteiro, deixou-me a sonhar com as palavras proferidas por Júlio César ao passar o Rubicão: Alea jacta est. Os dados foram lançados e já sabemos que a bola lhes obedece como a ninguém, veremos se o Senado do futebol mundial estará de acordo com esta nova ordem que o tomou de surpresa. Veni, vidi, vici? (Se não puder ganhar Portugal, eu assinarei por baixo.)

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03
Dez22

Tudo ao molho e fé em Deus

À-vontade e à-vontadinha


Pedro Azevedo

Os jogos da Selecção não se esgotam nos 90 minutos. Na verdade, o jogo em si é apenas um pretexto. O verdadeiro jogo passa-se antes, na antevisão, um terreno fértil para o inuendo ou insinuação, e, principalmente, depois, durante a conferência de imprensa, onde o prato forte é a profanação que é feita ao cadáver após cada nova derrota. Nesse sentido, o dia de ontem não fugiu à regra. Para variar, no pós-jogo, e enquanto o presidente-comentador-tudólogo Prof. Marcelo não dava as suas notas ao melhor estilo do Dr. Rogério Alves, a relação entre Ronaldo e os seus treinadores, na circunstância o próprio do Engº Fernando Santos, tomou o centro como tema de falatório. E houve revelações chocantes. Assim, na ausência de um "bellboy", ficámos a saber que houve um c#!#$&o de um coreano que, fo%#-se, foi o culpado de o Ronaldo ter saído antes do tempo. Tal suscitou a curiosidade de Castigo Máximo, que logo se pôs em campo na pista coreana, contando para isso com a sua vastíssima equipa de investigação. Apurando factos históricos que comprometem outros cidadãos provenientes desse país da Ásia Oriental, que doravante iremos transcrever: assim, durante a XVII Conferência Ibero-americana, o Juan Carlos não dirigiu o célebre "por qué no te callas?" a Hugo Chávez, não senhor. Foi a um empregado de limpeza vindo expressamente de Seul que insistia em segredar-lhe ao ouvido a intenção de higienizar o cinzeiro onde o rei acabara de depositar a cinza de um "puro". E, durante a campanha eleitoral para as presidenciais brasileiras, as acusações de Bolsonaro a Lula sobre má-conduta foram afinal referentes a um cefalópede mal-cozinhado que deu à luz 12 filhotes na boca de uma sul-coreana de 63 anos (para quem tiver dúvidas, faça o favor de confrontar com uma Super Interessante não tão interessante ou bizarra quanto as conferências do CEO da Femacosa). São uns maganos, estes coreanos!!!

 

A derrota com a Coreia não foi diferente de outras derrotas com outras coreias ao longo dos anos. Historicamente, a nossa vocação é mais para o heroísmo, metermo-nos numas cascas de noz e assim pretender abraçar o mundo. Contra todas as probabilidades, como quando o Torres imitou o Martin Luther King e decidiu viver o sonho, mesmo se esse sonho tenha depois virado um chili-pesadelo. Porque quando tudo está a nosso favor é preciso desconfiar, havendo sempre uma Albânia ou uma Malta capazes de nos porem em sentido. Em suma, nós queremos mesmo é Adamastores, se o desafio fica aquém somos uns distratores. Nesse sentido, a milenar instituição militar resume bem o nosso dilema: uma coisa é à-vontade, outra coisa é à-vontadinha. E nós, simplesmente, não conseguimos estar à-vontade sem resvalarmos para o à-vontadinha. Talvez por isso tenhamos vivido tantos anos apertadinhos, em ditadura...

 

A minha grande dúvida é se a Suiça será um Adamastor suficiente para moralizar esta rapaziada, para eles a levarem a sério. Se o for, a vitória é certa, se não temo o pior, podendo até todas as nossas aspirações reduzirem-se a Esferovite (ou Seferovic, ou lá o que é). Terça-feira logo o saberemos, agarrados ao desfibrilador verde-rubro à venda na Cidade do Futebol e a viver o sonho. O sonho que comanda a vida, tal como na Pedra Filosofal do José Freire. Então, deixem-me sonhar que o Bernardo, o Ronaldo, o Leão, o Matheus e companhia comecem a jogar à bola. E que daí resulte um fondue indigesto para os helvéticos. Ou então não, que o nosso caos organizado - a desconstrução pode ser a construção de algo novo - parece que confunde ainda mais os adversários que a nobre lusa arte de bem jogar o futebol. Como já se viu no Euro-2016.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Diogo Dalot

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29
Nov22

Tudo ao molho e fé em Deus

The hair of God


Pedro Azevedo

Em 86, no México, Argentina e Inglaterra defrontavam-se nos quartos de final do Mundial. O palco era o Estádio Azteca e cerca de 115 000 almas dispunham-se nas bancadas sob um sol inclemente. Para apimentar ainda mais o ambiente, o jogo tinha um carácter extra-desportivo motivado pelas cicatrizes ainda abertas da Guerra das Malvinas, que havia oposto os 2 países uns anos antes. No fim, no campo, ganhou a Argentina, naquilo que poderia ser considerado a "revancha del Tango". Para isso muito contribuiu Diego Armando Maradona, o génio da lâmpada, que marcou um golo épico e outro ignóbil, cada um inesquecível à sua maneira, ambos porém produto da improvisação, expressividade, ginga, truque e carga dramática que caracterizam o tango. No fim, quando questionado pela imprensa inglesa sobre a legalidade do seu primeiro golo, El Pibe apelidou-o de "The hand of God", a mão de Deus. Quanto ao segundo, o "Golo do Século", Lineker afirmou ter sido a única vez na vida em que se sentiu compelido a aplaudir num relvado um golo do adversário.  

 

Pensei na "mão de Deus" ontem enquanto aplaudia o primeiro golo de Portugal contra o Uruguai. Não que tivesse havido algo de ignóbil no lance, aliás perfeitamente limpo, mas porque envolveu um outro deus do futebol mundial, o nosso Cristiano Ronaldo, que foi absolutamente decisivo no êxito da iniciativa conduzida por Bruno Fernandes. Logo se levantou a questão de Ronaldo ter ou não tocado na bola e as imagens televisivas pareceram concluir que não. Mas tendo o salto de Ronaldo sido fundamental para a inacção do guarda-redes uruguaio, que ficou na dúvida entre seguir a trajectória da bola ou precaver-se face a um hipotético desvio do avançado português, bem que o golo poderia ficar na história como "The hair of God", como se um fio de cabelo divino tivesse acrescido à cabeleira de Ronaldo e assim impelido a bola para as redes. ("Se no è vero, è ben trovato".)

 

O jogo para nós foi de uma forma geral sofrido, ou não fosse Portugal a equipa e Fernando Santos o seu treinador. Algumas debilidades em termos de intensidade defensiva do nosso meio-campo ficaram expressas num arranque de Bentancur no primeiro tempo ou na reacção uruguaia ao golo inaugural luso. Também ficou evidente que o nosso seleccionador atrasou demasiadamente as últimas substituições, especialmente as entradas de Palhinha e de Matheus Nunes (que classe!), submetendo a equipa desnecessariamente a uma forte pressão dos sul-americanos que o poste, a malha lateral e Diogo Costa impediram que se materializasse em golos. Antes assim, mas que não havia necessidade de sofrer tanto, lá isso também é verdade. Até porque um dia, nada se alterando, a história poderá acabar mal, que os deuses do futebol não estarão sempre connosco, como aliás já se provou em competições que sucederam à vitória no Euro-2016. (A maior vítima do caos organizado que caracteriza o nosso jogo desposicional, bem como da macieza dos médios, é o Bernardo Silva, que é obrigado a transpirar tanto que depois lhe falta oxigénio para inspirar... a equipa.) 

 

Com apenas 2 jogos disputados, Portugal já está nos oitavos de final do Mundial. E com grande possibilidade de terminar em primeiro lugar no seu grupo, evitando assim o Brasil, que com igual probabilidade deve finalizar no topo da sua poule. Para quem tem na Texas Instruments ou na Casio uns parceiros de uma vida, não deixa de ser reconfortante...

 

Viva Portugal!!! (A revolta do Fado.)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Bruno Fernandes. Menção honrosa para Diogo Costa. Ronaldo esteve no golo e deu apoios no ataque, Pepe regressou a bom nível, Nuno Mendes foi o único a acelerar o jogo no primeiro tempo, Cancelo preocupou-se essencialmente em defender bem e teve um corte providencial e Bernardo lutou em todo o campo pela equipa.

 

PS: O Ruben Neves passou o jogo todo com mialgias a nível do rabo de cavalo...

 

PS2: A minha equipa para a Coreia: Diogo Costa (Rui Patrício); Dalot, Pepe, Rúben Dias e Cancelo; Palhinha, Matheus Nunes e Vitinha; João Mário, Ronaldo (André Silva) e Rafael Leão. Descansam o Bruno, o Bernardo e o Guerreiro (não temos outro). Os outros que jogaram com o Uruguai também, mas não são os melhores. 

ronaldo3DR.jpg

28
Nov22

Breve antevisão


Pedro Azevedo

Muito cuidado com a velocidade de Fede Valverde e Darwin Nuñez. E fé inabalável em Ronaldo, claro. Quanto ao Onze, o meu seria: Diogo Costa; Dalot. Pepe, Ruben Dias e Nuno Mendes (se estiver em condições); Palhinha, Matheus Nunes e Bruno Fernandes; Bernardo Silva. Ronaldo e Rafael Leão. O Onze de Fernando Santos ainda não foi divulgado, mas seja ele qual for o que interessa é a vitória. Vamos, Portugal!!!

25
Nov22

Tudo ao molho e fé em Deus

Doha a quem doer


Pedro Azevedo

A FPF delegou numa empresa privada, a Femacosa, a gestão da sua principal equipa de futebol. O gerente dessa empresa é o simpático Engenheiro Santos (santinho!), que em dia de treino ou de jogo adquire a personalidade do seu maléfico altar-ego, o senhor Femacosa, à boa maneira de uma novela gótica com elementos de ficção científica e de terror. (Sendo a Selecção Nacional a "Equipa de todos nós", na expressão feliz de Ricardo Ornellas, doravante tratemos carinhosamente a empresa que a gere por "Femacosa Nostra".)

 

Ontem, a Femacosa Nostra foi a jogo. Os jogos da Femacosa Nostra são como os melões: tanto dá para empatar ou perder com as Ilhas Salomão como dá para empatar ou ganhar à França. Tudo na verdade obedece a uma aleatoriedade capaz de desafiar a epistemologia das coisas. Com a Femacosa Nostra ganha-se como se perde ou se empata: não desse o árbitro um penálti ou não escorregasse o Williams na hora de surpreender o Diogo Costa e estaríamos agora a lamentar um empate ou uma derrota num jogo em que tivemos tudo para golear. Mas não goleámos. Primeiro, porque demos uma parte do jogo de avanço, renunciando a provocar desequilíbrios que na mente do gerente da Femacosa Nostra nos desequilibrassem a nós. (A Louis Vuitton deveria deixar-se de Ronaldos e Messis e convidar o Engenheiro Santos para defrontar o senhor Femacosa no tabuleiro do xadrez.) Segundo, porque finalmente por cima do jogo, o senhor Femacosa decidiu aliviar a pressão no meio campo e fazer entrar um passeante, o William de Carvalho, permitindo-lhe assim fazer a digestão do almoço no relvado de Doha. Terceiro, porque ter Bernardo Silva e obrigá-lo a vir buscar a bola junto dos centrais desafia qualquer lógica de Jogo Posicional e desgasta desnecessariamente uma unidade que deveria ser resguardada para fazer a diferença na frente (e não atrás). Quarto, porque aos evidentes erros de casting do plantel, para uma competição com estas condicionantes de temperatura e humidade, seguiu-se as já habituais inações e atrasos nas decisões que viram Matheus não sair do banco ou Rafael Leão entrar já tarde no jogo, dois jogadores com aquilo que qualquer Selecção presente neste Mundial necessita para ter sucesso: explosão com bola. No entretanto, o Otávio e o Ruben Neves nunca pegaram no jogo, os laterais não arriscaram no 1x1 e os extremos fugiram das alas e assim afunilaram o nosso jogo. Defensivamente, os erros somaram-se, como é bom exemplo o primeiro golo ganês: a bola passou, primeiro, pela frente de Ruben Dias sem que este a interceptasse e, depois, por entre as pernas de Danilo. 

Foi já com Leão aberto na esquerda e Félix na direita que Bruno Fernandes encontrou espaço para si próprio no miolo do campo para endereçar dois passes açucarados para golo, com os africanos centrados na marcação a Ronaldo. Ronaldo que ganhou um penálti, viu um golo aparentemente limpo ser anulado pela precipitação do árbitro e ainda teve duas oportunidades negadas pela excelente acção do guarda-redes do Gana. Numa delas, sprintou em 30 metros, deixando um defesa colado aos blocos. Pelo meio, elevou-se e falou aos pássaros como só ele sabe. Nada mau para um ancião (dizem eles)... Ronaldo que deu sempre a sensação de ser o inimigo público número 1 para os géneses. Uma vez mais emocionou-se e emocionou o seu povo, pelo menos aquele povo que valoriza o mérito e não se revê na inveja e na perfídia. "Once Ronaldo, always Ronaldo" - os seus críticos ainda vão ter de "levar com ele" mais algum tempo. Entretanto, lá bateu mais um recorde, com golos em 5 fases finais de mundiais de futebol. Despedido por um clube à venda e injustiçado por uma narrativa de não haver quem o compre, Ronaldo simbolicamente ergueu-se sobre um Messi que o olhou embevecido. Não surpreendeu, porque os grandes sabem reconhecer-se entre eles. Força Femacosa, força Federação, uma entidade de utilidade pública. (Se fosse púbica, contratava-se o John Holmes e o problema estaria resolvido sem hesitações.)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Ronaldo 

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24
Nov22

A ver o Mundial (II)

Kaput!!


Pedro Azevedo

A revolta da bola quadrada prossegue em bom estilo no Mundial do Qatar e ontem a vítima foi a Alemanha. Mais do que derrotados, os germânicos foram derretidos pelas constantes acelerações nipónicas. Muito mérito para Moriyasu, o treinador japonês, que, primeiro, fez entrar mais um central de forma a adiantar os laterais e, depois, lançou o irrequieto Asano (olho para este jogador e vejo a falta que potencialmente Vitinha, o do Braga, pode vir a fazer à nossa Selecção) para dinamitar os panzers alemães. A reviravolta foi concluída em lance onde foi evidente que o cansaço físico dos teutónicos teve consequência a nivel da rapidez de raciocínio, produzindo-se assim um erro básico que custaria a derrota aos alemães.

 

Surpreendente, ou talvez não (fez uma óptima campanha de qualificação), foi a prestação do Canadá face à Bélgica. Com um impressionante primeiro tempo, período em que os belgas raramente conseguiram passar o seu meio campo, os canadianos tiveram inúmeras oportunidades de sentenciar o jogo. Todavia, em termos de finalização foi um Canada Dry, o que associado a uma única desatenção defensiva (por parte do nosso bem conhecido Steven Vitória, que em tudo o mais foi irrepreensível) lhes viria a ser fatal. Registe-se, porém, a estatística de 21 tentativas de golo contra apenas 9 dos belgas, números que em condições normais teriam sido mais do que suficientes para garantir a vitória canadiana. Além do mais, os norte-americanos não tiveram sorte com o árbitro, zambiano por sinal, ficando duas grandes penalidades por marcar a seu favor. Para lá dos já bem conhecidos Alphonse Davis (Bayern, falhou em penalty), Jonathan David (Lille) e Eustáquio, nos canadianos igualmente destacou-se o ala Buchanan, uma dor de cabeça constante para os belgas. Estes acabaram salvos pelo desacerto na decisão por parte do Canadá e por mais uma grande exibição de Courtois, um polvo na baliza. 

 

Marrocos esteve também em bom plano, merecendo amplamente o empate contra a vice-campeã mundial Croácia. A falta de um ponta de lança um pouco melhor do que El Nesyri terá custado a vitória aos magrebinos, apesar das boas intenções de Ziyech de assistir para golo. Com dois laterais muito rápidos e empreendedores (Hakimi e Mazraoui), um médio de inesgotável energia e elevado sentido posicional (Amrabat) e outro de enorme qualidade técnica (a revelação Amallah), os marroquinos deixaram água na boca. Nos croatas, Modric destacou-se como quase sempre.

 

O Espanha-Costa Rica não teve história. Os centro-americanos são provavelmente a equipa mais fraca da competição, pelo que não surpreendeu que a Espanha não tivesse encontrado oposição. Todavia, tenho a expectativa de os ver contra o Japão, uma equipa capaz de produzir as acelerações que poderão desorganizar o jogo cerebral dos "nuestros hermanos". 

 

Revelação: Marrocos, Japão, Canadá

 

Confirmação: Espanha

 

Desilusão: Alemanha, Bélgica

 

A rever: Croácia

 

Mais fraco: Costa Rica

 

Desequilibradores: Asano (Japão), Buchanan (Canadá)

 

Homens-golo: Ferran Torres, Batshuayi 

 

Revelação jogador: Amellah (Marrocos)

 

Jogo a seguir hoje: Portugal-Gana

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23
Nov22

A ver o Mundial (primeiras impressões)

O triunfo da bola quadrada


Pedro Azevedo

Os primeiros dias do Qatar 2022 confirmaram o que eu havia antecipado aqui. Uma bola que passe a 1 cm do pé é uma bola perdida, e de um modo geral notam-se grandes dificuldades individuais na marcação e em receber no espaço. Adicionalmente, do ponto de vista colectivo, não se vê uma pressão efectiva no campo todo, pelo menos nada que minimamente se compare com o que estamos habituados nos principais campeonatos europeus. A equipa mais agressiva até agora foi a americana, mas rebentou no segundo tempo. A nível de jogadores, comprova-se que este Mundial favorece quem tem explosão com bola, pelo que Saka, Sterling, Rashford, Dembélé e Mbappé deram fortemente nas vistas. Nesse sentido, preocupa-me que Portugal, do meio campo para a frente, tenha apenas Matheus Nunes e Rafael Leão como jogadores capazes de quebrar linhas em velocidade de progressão. Sendo certo que a lesão de Jota foi uma infelicidade que se abateu sobre a nossa Selecção, já pouco compreensível foi não levar Gonçalo Guedes (substituto natural do auto-excluído Rafa) e Renato Sanches. A meu ver temos um lote indiscutível de grandes jogadores, porém muitos funcionam a diesel. Só que estamos no golfo, as condições de temperatura e de humidade são muitos especiais e, por isso, temo que este seja o Mundial dos motores de combustão, a gasolina. Assim sendo, não estou muito confiante na nossa prestação, mas oxalá esteja redondamente enganado. 

 

A grande surpresa até agora da competição foi a derrota da Argentina (estava há 36 jogos invicta) aos pés da Arábia Saudita, uma grande contrariedade para Messi no seu último Mundial e uma alegria esfusiante para uns sauditas que logo decretaram feriado nacional. O triunfo da bola quadrada, como diria o saudoso Carlos Pinhão. De destacar o grande golo de Al Dawsari, o melhor do certame até agora. Corajosos, os pupilos do aventureiro Renard, uma espécie de Corto Maltese do futebol mundial, mantiveram sempre as linhas muito juntas, reduzindo assim os espaços aos sul-americanos, ainda que para tal tivessem tido que correr o risco de dispor o bloco defensivo praticamente em cima do traço divisório do meio campo. Em bom plano esteve igualmente a Tunísia, que impôs um empate a uma das selecções que mais entusiasmara até aqui (qualificação para o Mundial e último Europeu), a Dinamarca, mostrando uma bela organização de jogo, frescura física e jogadores capazes de fazer a diferença, como Msakni (*), Jebali e Sliti, este último uma descoberta do português Rui Almeida quando treinou o parisiense Red Star. Na linha aliás do que já havia mostrado o Senegal, a quem apenas terá faltado Mané para dar sequência ao bom caudal de jogo dos africanos. 

 

Hoje ficou também a saber-se que Cristiano Ronaldo e o Manchester United terminaram a sua ligação. Ainda a propósito de CR7, e já que a competição se desenrola em terra onde o petróleo é rei, pode ser que aquele que alguns (não eu) já dão como fóssil venha a fazer uma gracinha. A sua explosão, ainda que já somente em espaços curtos, está lá, pelo que resta-nos aguardar. A ver vamos. (Continuo a pensar que este será o Mundial dos jogadores, aquele em que as acções individuais decisivas terão uma preponderância maior do que aquilo a que estamos habituados.)

 

Revelação: Arábia Saudita, Tunísia 

 

Confirmação: Inglaterra, França

 

Desilusão: Argentina 

 

Interessante: EUA, Dinamarca, México 

 

A rever: Equador, Senegal, Países Baixos, Polónia, Gales

 

Mais fracos: Qatar, Irão, Austrália 

 

Desequilibradores: Mbappé, Saka

 

Homens-golo: Taremi, Giroud

 

Jogo do dia: Marrocos-Croácia

 

(*) Como curiosidade, Msakni partilha o segundo lugar na lista de goleadores do campeonato do Qatar com o ex-portista Brahimi (5 golos). O melhor marcador é... Gelson Dala (8 golos em 7 jogos). 

 

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