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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

Castigo Máximo

24
Mai21

4 momentos que marcaram a época


Pedro Azevedo

Dezanove de Janeiro, o cenário é o Municipal de Leiria. Disputa-se a meia-final da Taça da Liga. Um golo trapalhão de (who else?) Marega havia adiantado o Porto no marcador. Faltam 2 minutos para se atingir o tempo regulamentar e a perspectiva é de que o Sporting obtenha o terceiro resultado negativo consecutivo, após eliminação aos pés do Maritimo para a Taça de Portugal e empate caseiro com o Rio Ave. Há, porém, um homem que não se conforma, não se resigna. Eterno patinho feio na visão de uns quantos, Jovane volta a mostrar que é afinal um belo cisne. Tudo começa quando, à entrada da área, imagina e executa um pontapé em arco que faz a bola passar por onze jogadores do Porto até anichar-se no ângulo inferior direito da baliza à guarda de Diogo Costa. Pouco tempo depois, como cisne que é, conclui de bico, na sequência de um passe de Coates que encontra Pedro Gonçalves entre-linhas para receber à vontade, progredir com a bola e desmarcá-lo no momento exacto. O Sporting ganha renovada confiança e acaba por vencer a Taça da Liga. 

 

Um de Fevereiro, o Sporting recebe o Benfica na penúltima jornada da primeira volta do campeonato. Após grande polémica, Palhinha está disponível para o jogo, mas Rúben Amorim adverte com antecedência que Matheus Nunes treinou do lado dos titulares durante toda a semana e merece ir a jogo. Dito e feito, o brasileiro fará dupla no miolo com João Mário. O Sporting dá a sensação de ser sempre mais perigoso, mas o jogo já parece estar fechado quando a bola vai e vem, da esquerda para a direita e desta para o centro, até que Matheus Nunes lhe enfia uma cabeçada que viria a ser o início da tregédia grega de Vlachodimos. A jogada de Amorim sai-lhe na perfeição: não só prova estar atento à meritocracia como vence um pretendente ao título, vitória caseira que o Sporting já há algum tempo perseguia contra o rival. 

 

Vinte e sete de Fevereiro, o Sporting desloca-se ao Dragão. Apesar dos 10 pontos de avanço, os observadores ainda veem este jogo como um teste à candidatura ao título do leão. E do Dragão sai a certeza de que há que contar com o Sporting: nulo no marcador, com a melhor oportunidade a sair dos pés de Matheus Nunes - uma brilhante arrancada desde o meio-campo que merecia uma melhor conclusão.

 

Vinte e cinco de Abril. O cenário é a Pedreira de Braga. O Sporting vinha titubeantemente perdendo gás. Para piorar o cenário, Gonçalo Inácio vê o segundo amarelo aos 18 minutos e é expulso. Mas em Dia da Liberdade o Sporting solta-se do fado do costume e com uma exibição que apela à resiliência sustém os braguistas. Até que Matheus Nunes aproveita um livre marcado por Porro, isola-se na meia direita e marca ao outro Matheus, de Braga. Um golo semelhante ao que valeu a Taça da Liga (obtido por Porro). O Evangelho segundo Matheus narra a vitória iminente na Liga. Coates faz um jogo enorme, constitui-se como um autêntico muro contra as aspirações do Braga e demonstra ser um grande capitão. De repente, todos pressentem que o título já não fugirá ao leão. 

 

Todos os jogadores foram importantes pela sua regularidade, com particular ênfase para Pote, Coates e Palhinha, mas estes foram os momentos (e os jogadores) que na minha opinião foram decisivos num contexto em que a história poderia ter sido narrada de forma diferente.

20
Mai21

Tudo ao molho e fé em Deus

A última ceia


Pedro Azevedo

"That's all folks!", este conto de Cinderela terminou para nós. Para o ano haverá mais, assim o esperamos. Na verdade, não queríamos que esta época de sonho acabasse. Talvez por isso, prolongou-se até quase à meia-noite, não indo mais além apenas por receio que a carruagem se transformasse numa abóbora. Para o fim ficou a ceia, um bom caldo verde onde se afundaram uns chouriços madeirenses. Ainda deu para haver um Pote de Ouro no finalzinho do arco-iris, com o nosso Harry Pote a mostrar toda a sua Art Deco naquele seu jeito de quem faz um passe (de magia) à baliza, no processo batendo o Esferovite na disputa pelo melhor marcador do campeonato. 

 

O jogo começou tão tarde que o Jovane entrou em campo à hora do costume, mais um motivo para dar razão a quem acha que o cabo-verdiano é melhor quando entra tarde. Sendo ele geralmente letal entre as 21H45 e as 21H55 (jogos que se iniciam às 20H00), ou entre as 23H00 e as 23H10 (apito de saída às 21H15), não surpreendeu que tivesse começado por assistir o Pote nesse primeiro intervalo de tempo. Por fim, utilizou o último espaço temporal para, num passe à Neymar, fazer a assistência decisiva para a Bola de Prata. Tudo está bem quando acaba bem, e o Jovane acabará sempre por entrar a altas horas. Dizem que está provado ser melhor assim...

 

Pode ser que um jogo que acabou tão tarde tenha sido uma parábola da carreira de João Pereira. Uma pena que a sua despedida tenha ocorrido sem público. Não há duas sem três e à terceira (passagem por Alvalade) foi de vez, o João finalmente arrumou as botas. Obrigado pela raça e empenho. Seguir-se-à uma carreira como treinador e uma forte candidatura a destronar Rúben Amorim como alvo predilecto do Conselho de Disciplina. A coisa promete.

 

Agora vamos para a "silly season" a sonhar com a próxima época. A Olá já anunciou que criará um Perna de Pau à Sporting para nos dessedentar no Verão. Um Perna de Pau à Sporting? Acho a coisa um bocadinho provocativa, até porque neste Sporting 2020/21 não houve pernas de pau, só craques. Por isso, deixo uma sugestão: que tal reeditar o Super Max(i)? Se o Adán se puser a jeito...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pote

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17
Mai21

Tudo ao molho e fé em Deus

O genial Amorim


Pedro Azevedo

O Rúben Amorim é um génio. Como ser superiormente inteligente que é, sabia que o jogo era mais importante para Jesus do que para o Benfica. Se Jesus ganhasse, teria outra margem para fazer os contestatários "acarditarem", entusiasmar-se e arrasar na próxima época da mesma forma que arrasou nesta. Se perdesse, essa margem ser-lhe-ia provavelmente retirada e Vieira poderia ser tentado a pensar que um treinador que inspirasse apenas jogar o essencial fosse mais útil que um que inspirasse jogar o triplo, assim a modos como consequência da reflexão de William Blake quando se interrogava "como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?". Por conseguinte, a derrota do Benfica neste jogo poderia ser perigosa para o Sporting no longo-prazo, enquanto a vitória do rival não teria consequências no curto-prazo porque o título já estava no estômago do leão. Vai daí, o Amorim subtraiu o Palhinha do jogo. Em sequência, durante a primeira parte, o Cebolinha usou e abusou do calcanhar, o Seferovic assemelhou-se a um ponta de lança e o Pizzi até fez lembrar o Bruno Fernandes. Tudo simples, tudo fácil, como se estivessem a jogar contra bidons. Rapidamente, o Benfica marcou 1, 2, 3 golos. Em contrapartida, o Sporting ficou a fazer guarda de honra à nota artística do Jesus. Apenas um jogador ousou destoar do tom geral, o Pote. É que o homem não sabe brincar em serviço e, em cima do intervalo, reduziu a desvantagem leonina no marcador. 

 

Ao intervalo o Amorim pareceu ter-se assustado: é que uma coisa é dar moral ao Jesus, outra é oferecer a hipótese ao Benfica de devolver os célebres 7-1 de 86. Querendo conter o prejuízo, decidiu então fazer entrar o Palhinha. O Matheus Nunes é que não se apercebeu que o "chip" tinha mudado. Então, ala que se faz tarde, ofereceu logo um brinde. Com o tempo a presença do Palhinha fez-se notar. Onde antes havia auto-estradas, os benfiquistas começaram a encontrar becos sem saída, sinais de sentido proibido e tabuletas de aviso de piso escorregadio. Tanto que, durante 30 minutos, só deu Sporting. Dois golos, uma bola no poste, os leões fizeram acreditar que iam dar a volta ao jogo. O Pote continuava desenfreado e agora havia também o Jovane para moer o juízo ao Lucas Veríssimo, um vexame para quem chegou agora à Canarinha. A televisão mostrava-nos o Helton Leite a falar sozinho, o Benfica abanava por todos os lados. Com os descontos, faltavam ainda uns 15 minutos, mas o Sporting acabou aí. Amenizada a derrota para níveis não-apocalípticos, o Rúben pareceu conformado. É certo que o Coates ainda foi lá à frente fingir que tinha custado 16 milhões por 70% do passe mais os ordenados do Sporar, mas foram serviços mínimos porque o resultado era, afinal, o ideal.

 

Além de assegurar Jesus no Benfica para 2021/22, o Rúben Amorim preencheu um outro objectivo. Subliminarmente, o nosso treinador enviou a seguinte mensagem que pôde ser lida da Lua: "NÃO VENDAM O PALHINHA". E assim o título do próximo ano pareceu mais perto. Tanto que, se os benfiquistas este ano apanharam com o Cabo Delgado(*), para o ano levarão com o Cabo das Tormentas. Um génio, o Amorim!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Gonçalves ("Pote") 

 

(*) O meu aplauso para a referência a Cabo Delgado nas camisolas, região de Moçambique alvo de ataques armados do grupo jihadista Estado Islâmico que já provocaram mais de 2.500 mortos e 700.000 deslocados. Para ser justo, inclúo neste aplauso o meu colega bloguista José Pimentel Teixeira, que há muito tempo vem estando na linha da frente do alerta na blogosfera sobre esta tragédia que o mundo não pode mais ignorar.

 

P.S. O problema do Benfica de Jesus não foi a Covid, mas sim, quanto muito, o co-video (vulgo VAR), coadjuvante do árbitro e da verdade desportiva, que veio eliminar alguns dos erros mais flagrantes que aconteciam em campo. De resto, o Benfica foi sempre uma equipa sem intensidade no meio campo, e essa foi a principal pecha que se traduziu no resultado final no campeonato. 

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12
Mai21

Tudo ao molho e fé em Deus

Ser grande e estar campeão


Pedro Azevedo

Por vezes a vida não nos faz justiça, aquilo que estamos não se enquadra com o que somos. Porém, é exactamente nesses momentos que vemos quem está ao nosso lado, não nos deixa cair ou nos ajuda a levantar, nos ama incondicionalmente. Então, descobrimos e redescobrimos forças onde outros julgavam ver fraquezas, mostramos a nossa raça, ultrapassamos os obstáculos, superamo-nos. Esta foi a história do Sporting (e dos Sportinguistas) dos últimos 19 anos, uma lenda de resistência, de resiliência de uma tribo leonina que de tanto amar o clube por vezes quase o sufocou, mas nunca o abandonou.

 

Martin Luther King disse um dia que a verdadeira medida do Homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto, mas sim em como se mantém em tempos desafiantes. Se isto é válido para o Homem, também o é para as instituições. E o Sporting, ao longos destes anos, soube no essencial manter a sua matriz de integridade e mostrar uma cultura desportiva assente em valores de respeito pelas competições e concorrentes, tudo alicerçado no esforço, dedicação e devoção que constituem o seu lema. Atingindo agora a tão ansiada glória, o que finalmente lhe fez justiça. Voltando a mostrar, a quem é de modas e não respeita o passado - o que também é uma forma de não se respeitar a si próprio, ou não ter identidade - , que é um grande clube. 

 

Em "Alice's Adventures in Wonderland" há uma frase que me ficou na cabeça em gaiato: "a única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível". Foi isso que Rúben Amorim trouxe para o Sporting, pegando no slogan "impossible is nothing" da Adidas e fraccionando a gigantesca tarefa que tinha pela frente em pequenos segmentos, jogo a jogo. Emocionalmente muitíssimo inteligente, Amorim percebeu que a melhor maneira de lidar com um problema grande é dividi-lo por partes, partindo um pedregulho em um conjunto de pedras de menor dimensão que pudessem ser trabalhadas. Tal só foi porém possível pela sua correcta perspectiva das coisas: se eu tiver um pedregulho à minha frente, provavelmente não conseguirei ver mais nada. Todavia, se recuar dez passos, já irei ver qualquer coisa à volta. E se me afastar mais, então esse pedregulho será apenas uma pedrinha e eu obterei uma visão perfeita sobre tudo o que está em seu redor. Foi aliás essa visão que permitiu abrir as portas a Alcochete na equipa principal do Sporting, vendo soluções onde treinadores mais reconhecidos outrora viram mais problemas e transformando ameaças em oportunidades. 

 

Tal como um golo de bico de Jovane havia sido decisivo na conquista da Taça da Liga, a canela da perna direita de Paulinho põs um ponto final na discussão do título de campeão nacional: dois momentos paradigmáticos de um Sporting de processos práticos e mais focado nos conteúdos que levava para o campo do que na forma. Privilegiando muitas vezes o ataque rápido e a transição, reagrupando-se sempre celeramente aquando da perda de bola. Uma equipa solidária, mais de transpiração do que de inspiração, mas muitíssimo difícil de bater devido à extrema solidariedade entre todos os seus jogadores e ao sistema táctico engendrado e trabalhado por Amorim. Mais do que jogar bonito, o Sporting procurou jogar bem, estar equilibrado no campo, não se desunir. A verdade é que, consciente ou inconscientemente, tal alegoricamente acabou por passar para os adeptos. Também estes se foram unindo por detrás das vitórias, reduzindo-se assim quase a pó o maniqueísmo que ameaçava o clube, como se um compromisso à volta da possibilidade de conquista de algo grandioso se tivesse sobreposto às diferenças. Assim sempre deveria ser. 

 

Sobre o jogo pouco haverá a dizer: domínio total do Sporting com sucessivas oportunidades de golo desperdiçadas. Nesse particular destacar-se-ia Paulinho, que tanto tentou de pé esquerdo, direito e com a cabeça e acabou por encontrar na canela o condimento ideal para deixar a sua marca na partida. Os nossos corações reagiram em consonância, a cada novo falhanço acelerando até ao limite dos limites, o chamado ataque rápido. Em resumo, as coisas poderiam ter sido mais fáceis, mas não saberiam igual. Nem pareceria bem, no jogo do título, estar agora a facilitar a vida aos adeptos e poupá-los às taquicardias que marcaram a nossa epopeia. 

 

A festa foi bonita e correu mundo mesmo em tempo de pandemia. Agora é preciso evitar que este título venha a ser um caso isolado. Existe uma base, é preciso mantê-la no sentido de se criar uma nova era. É que o Sporting está de volta, mas queremos que tenha vindo definitivamente para ficar. Para nunca mais estar diferente daquilo que é: enorme.

 

P.S. Parabéns a Rúben Amorim, jogadores e, naturalmente, a Frederico Varandas e Hugo Viana. Varandas fez uma jogada muito arriscada, mas ganhou. Merece por isso crédito. E finalmente estamos a ver a Formação integrada no plantel principal, o que é uma forma de também ganhar o nosso futuro, a nossa sustentabilidade, sendo esse provavelmente o triunfo maior. 

 

"Tudo ao molho...": Nuno Santos

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10
Mai21

Pensamento de sofá


Pedro Azevedo

Pela festa em si, que merece ser organizada com família e amigos de uma forma condigna com a longa espera que vem testando a resistência dos Sportinguistas, eu preferiria ser campeão amanhã, mas se tal acontecer já hoje também está bem, até porque seria uma forma de definitivamente matar esta ansiedade que nos corrói. Uma coisa é certa: o importante é sermos campeões. De preferência já esta semana. a fim de não deixarmos para o fim aquilo que podemos sentenciar agora (relembro a má experiência vivenciada no final da época passada). 

06
Mai21

Tudo ao molho e fé em Deus

Sem espinhas


Pedro Azevedo

O nosso internacionalmente reconhecido artista Julião Sarmento, com quem uma vez coincidi numas férias caribenhas em Cuba e que  fisicamente parecia o produto da fusão entre o Eric Clapton e o Ray Manzarek, disse um dia que lhe interessava muito mais o desequilíbrio do que as coisas estáveis porque estas últimas não levavam a lado nenhum a não ser a uma pasmaceira de café com leite. Enquanto adepto de bancada, eu também vejo as coisas assim. Tal como a pintura, escultura, fotografia e instalação, ou o desenho e filme para o Julião Sarmento tinham de estar à beira do precipício, também eu gosto de sentir a vertigem e de ver em campo os jogadores que não têm medo de arriscar e ir no 1x1. Todavia, o futebol já não é um espectáculo, mas sim uma indústria, um negócio onde estão muitos milhões em jogo. Com isso, a estética foi substituída pela eficácia e os treinadores são os tiranos que transportam o relvado para laboratórios onde engendram burocracias tamanhas capazes de matar o romantismo do jogo. No elenco actual de técnicos poucas são as excepções, e quando as há geralmente acabam vitimas do pragmatismo dos seus adversários. Deveremos conformarmo-nos com isso? No futebol, quem paga não é tido nem achado e o próprio adepto hoje quer é ganhar e pouco gosta do jogo, o que talvez explique o exacerbar de fanatismo e de violência à volta do futebol. Estaremos no caminho certo? Duvido, mas é o que temos. Nesse aspecto, o nosso Rúben não é melhor nem pior que os seus pares, e é por isso que estaremos condenados a ver o Jovane jogar uns poucos minutos. E a ficarmos desiludidos de cada vez que não marca ou não assiste, como se não estivesse a cumprir o seu papel de Walther de 9 mm que secretamente vem do banco com a bala na câmara pronta para disparar para a baliza. 

 

Paradoxalmente, a fobia aos desequilíbrios que caracteriza os treinadores contemporâneos não encontra depois razão quando temos de aturar com o João Mário 70 minutos em campo. O Palhinha que o diga, obrigado que esteve a ser ominipresente, jogando por dois e esfolando-se e estafando-se para equilibrar a contenda a meio-campo e assim evitar as incursões rioavistas. Não admira assim que tenha tido um período anterior de menor  fulgor, felizmente ultrapassado ontem com uma exibição de grandíssimo nível. Tirando estas embirrações, eu vejo o Rúben Amorim como superlativo. Para começar, a nossa eficácia defensiva é uma coisa espantosa, facto a que não é alheio a inspiradora ideia dos 3 centrais. Se é certo que o Sporting vai ficar a dever uma significativa parte do sucesso desta época a Coates, também não é menos verdade que "El Capitán" beneficiou enormemente do dispositivo que Amorim congeminou e onde se sente como peixe na água, sistema esse que lhe permitiu encobrir algumas deficiências e exponenciar as suas maiores qualidades. Depois, o regresso de Palhinha e a contratação de Pedro Gonçalves fizeram toda a diferença. Enquanto um funciona como uma espécie de gigante Adamastor, o outro é pura inteligência em movimento, sempre à procura de descer e receber entre-linhas e daí partir para interacções elucubradas em equações diferenciais que lhe permitem perceber e dar fluidez às dinâmicas no relvado. Como se já não bastassem estes tiros certeiros, ainda há a cereja no topo do bolo, a aposta na Formação. Gonçalo Inácio, Nuno Mendes, Matheus Nunes, Tiago Tomás, entre outros menos utilizados, todos foram tendo as suas oportunidades de uma forma continuada. É certo que eu embirro com a menor utilização do Matheus. Então o homem dá dois nós cegos sucessivos ao sabido do Coentrão, em duas ou três passadas já está na área adversária, tem técnica de filigrana associada a grande dinâmica e passa a maior parte do tempo a ver os jogos do banco? Não me conformo, não. Mas depois reconheço que o Amorim é que lhe pegou, com o Silas estava sempre a uma porta que nunca se abria. E deu confiança, posicionamento e escola a quem há menos de 3 anos era pasteleiro e gozava os bons ares da bela Ericeira. A tal ponto que eu agora o critico, como se o Amorim fosse o Dr Frankenstein e estivesse a ser vítima da sua própria excelsa e frenética criação. No fundo, são nervos. É que nós, Sportinguistas, sofremos tanto que o Marquês mais parece de Sade. E isto nunca mais acaba...

 

Caro Leitor, o Paulinho ontem marcou. E esteve na origem do primeiro golo. Eu bem que havia dito que o Paulinho iria marcar golos impossíveis e falhar muitos outros aparentemente fáceis. Confesso que o homem aparece aos meus olhos cada vez mais como um Postiga: é bom de mais para ponta de lança, a sua verdadeira vocação é de médio de ataque ou de "mezzapunta", aquele nove e meio do futebol italiano. Entretanto, vamos dormir esta noite com 9 pontos de avanço sobre o Porto. Porém, não estou com muita fé que o Porto não ganhe na Luz. Se estiver enganado, óptimo, mas talvez não fosse má ideia suspender o foguetório e mantermo-nos, nós e os jogadores, concentrados para o jogo com o Boavista. Nesse jogo vai ser preciso construir uma Ellis Island e não deixar ponte de comunicação entre o veloz e fisicamente potente, porém trapalhão, avançado axadrezado e as suas fontes de abastecimento preferenciais (Angel Gomez e Paulinho). O Benfica e Porto que o digam, incautos que foram na sua marcação. E, já agora, o Porro que no seu flanco ponha (Ricardo) Mangas curtas, que daí também geralmente surgem incursões terminadas com remates do próprio ou centros a propósito. 

 

E é tudo, que de Vila do Conde, terra piscatória, viemos com uma vitória sem espinhas. Tanto que o Adán manteve os calções imaculados. No fim, o Amorim deu mais um show de comunicação. É verdade, o homem não só é o nosso "coach" como podia fazer "coaching" a gestores públicos e privados. Uma máquina. Até me vieram umas lágrimas aos olhos, e garanto-vos que não foi das alergias da Primavera. Entretanto, já estamos na Champions. O resto? Está quase, mas é preciso continuar a não tirar os olhos da bola. É que para os nossos adversários isto tem sido um 31...

 

P.S. R.I.P. Julião Sarmento, interposto permanente de pessoas e de ideias como cada Homem deveria ser, sem ilhas. A Tate, o MoMA e o Gugenheim também não o esquecerão. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha, o melhor em campo. Mas o Homem do Jogo foi o Paulinho, que esteve nos dois golos. Menção honrosa para o Pote, um matemático do futebol. Destaque ainda para a titularidade de João Pereira, que jogou como se estivesse no Onze desde sempre. 

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02
Mai21

Tudo ao molho e fé em Deus

Poder de síntese


Pedro Azevedo

O Jovane ontem jogou vinte e oito minutos. Tanto tempo em campo na vida do Jovane Cabral é objectivamente um luxo asiático, um motivo de abertura de telejornal e de parangonas de tablóide, pelo menos a avaliar pelos 13 jogos anteriores a contar para a Liga em que jogou menos tempo que isso ou não foi sequer utilizado (no 14º, contra o Benfica, pisou a relva durante 29 minutos). Aliás, se analisarmos as estatísticas, só por seis vezes o cabo-verdiano foi utilizado mais tempo do que ontem, cinco delas como titular, sendo que nunca fez um jogo completo a contar para este campeonato. Porém, no somatório de todas as competições, o Jovane é o nosso segundo melhor marcador, só superado pelo Pedro Gonçalves. Tal deve-se ao seu poder de síntese. Metam o Jovane na barra do Gambrinus e em 28 minutos, sob a supervisão arbitral do excelente senhor Brito, ele terá tempo de despachar uns croquetes, desfazer a empada de perdiz e ter a digestão completa em menos de meia-hora. No campo é igual. Para isso contribuem diversos factores. Em primeiro lugar, ele é claro na linguagem que emprega, não se perde a meio do caminho ou corre o risco de entediar, confundir ou desagradar quem o está a ver. Em segundo, é objectivo, vai vertiginosamente direito ao assunto e traduz em golos e assistências a razão da sua existência. Em terceiro, omite informações desnecessárias: o Jovane não anda por atalhos e não se ilude com rococós efémeros e nada eficazes. Em quarto, não tem medo de ser mal-interpretado. Ele vai sempre contra o adversário que se interpuser face à baliza, e ganhando ou perdendo a bola fá-lo-á uma e outra vez. Finalmente, ele desenvolveu uma capacidade tal de ir lapidando a sua linguagem que 12 minutos contra o Porto para a Taça da Liga são mais do que suficientes para deixar uma marca indelével da sua passagem pelo relvado. 

 

Até à entrada do Jovane em campo, o Sporting caracterizou-se pela capacidade do Bragança de encontrar o Pote entre-linhas, seguida por assistência para o Paulinho se esmerar na arte de perdoar em frente do golo, especialidade onde a sua cotação não poderia estar mais em alta. Tudo o resto foram inuendos sem objectividade nenhuma, formas incipientes encontradas para disfarçar a nossa verdadeira prioridade no jogo. Até que entrou o Jovane. A partir daí um vendavel se soltou, uma onda se alevantou, um átomo a mais se animou (obrigado, José Régio). Assim, logo de entrada isolou o Porro na direita, mas o Paulinho trocou os pés na hora de dar o melhor seguimento à jogada. Não satisfeito, aproveitou uma boa simulação do nosso ponta de lança e deixou o Porro na cara do golo. Depois, pegou na bola no meio-campo e arrancou tão potentemente para a baliza que fez expulsar o pobre do Alhassan, única forma de evitar a jogada de 2x1 que se perspectivava. Mas a "pièce de résistance" ainda estava para vir: primeiro trocando as voltas a um defesa e colocando com precisão a bola na cabeça de Feddal para o golo inaugural, depois sprintando e ganhando a frente a um defesa nacionalista até se isolar e ser por este, já grogue (bebida típica de Cabo Verde), derrubado dentro da área. Na conversão da penalidade não fez por menos: bola na gaveta, no ângulo, indefensável. Tudo natural, porque para o Jovane foi só mais um dia no escritório. No próximo jogo lá voltará ao banco, de onde assistirá, sem um queixume ou dor de alma, à exibição dos seus colegas. Se a coisa estiver a dar para o torto, quem sabe poderá jogar 1, 2 ou 3 minutos. Ganhando nós, lá estará como sempre a festejar efusivamente com a restante equipa no relvado. Em síntese, o Jovane é impagável, não tem preço, deve ficar connosco para sempre. Porque, se é verdade que o seu tempo mede-se em fracções irrisórias, essas parcelas ínfimas são as melhores das nossas vidas de leões. 

 

A 4 jornadas do fim, o Sporting lidera com 6 pontos de avanço. Com apenas 12 pontos em disputa, escusado será dizer que ganhar em Vila do Conde será muito importante. Conseguindo-o, assistiremos de cadeirão ao Clássico, algo que seria invulgarmente tranquilo para um Sportinguista. No entretanto, continuemos a testar a máquina. Sem dispositivo para cortar nas rotações, ontem a verificação começou mais cedo, com o futsal, modalidade que deveria ser acompanhada por um desfibrilador ou só vista em diferido e em slow-motion. Temo porém que tenha de ser encontrada uma solução mais efectiva no futuro. Proponho assim que o hino da Maria José Valério e o "Mundo sabe que..." passem a vir acompanhados de uma pequena palestra do Prof. Fernando Pádua, assim a modo de instruções de bordo para os solavancos que a turbulência poderá provocar na máquina. Tocaria nos nossos corações...

 

P.S. Ah, e por falar em linguagem, aquele manuelmachadês que consistiu em comunicar contra tudo o que mexesse de verde-e-branco foi uma afirmação semântica digna de figurar no Dicionário Canelas do futebol português. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Jovane Cabral. Pote foi outro dos destaques. Porro parece ter melhorado face a desempenhos anteriores. Max teve uma intervenção decisiva.

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26
Abr21

Tudo ao molho e fé em Deus

A normalidade de ter Coates


Pedro Azevedo

Antes do jogo, o senhor Pinto da Costa declarou que em condições normais o FC Porto será campeão. De normalidade percebe o senhor Pinto da Costa. Por exemplo, a distribuição normal dos eventos narrados no Apito Dourado tinha um desvio-padrão muito pequeno. Em consonância, a maioria das observações estava muito próxima da média do que era alegadamente comum acontecer na relação entre o FC Porto e diferentes agentes desportivos, o que convenhamos oferecia muita segurança a quem tinha de fazer "previsões". Tal fez-me lembrar um livro. Em "Repeated games with incomplete information", Aumann e Maschler abordam a teoria dos jogos. Quando as pessoas interagem, elas habitualmente já o fizeram no passado e esperam continuar a fazê-lo no futuro. É este elemento de continuidade que é estudado na teoria dos jogos repetidos, a qual prevê, por exemplo, cooperação, secretismo, castigo ou vingança. E depois há o aspecto da informação, que revela que sinais vitais podem ser implicitamente revelados pela acção de um jogador, sinais esses que o jogador pode pretender mascarar a fim de induzir o oponente ao engano. Foi o caso de Lord Rothschild, que, tendo tido antecipado conhecimento do resultado da Batalha de Waterloo, enviou um seu agente para a Bolsa de Londres com instruções para vender discretamente títulos accionistas. Simultaneamente, contratou diversos indivíduos que geralmente não trabalhavam para si com o objectivo de comprarem títulos o mais que pudessem. Como Rothschild havia antecipado, o seu habitual agente foi reconhecido. Vendo-o a vender, os restantes operadores associaram-se, julgando a sua acção traduzir que a batalha havia sido perdida pelos ingleses. Acabaram por facilitar a vida a Rothschild, que nesse dia conseguiu comprar acções no mercado a preços muito baixos que mais tarde, quando foi do conhecimento geral o sucesso de Wellington, se convertiriam em importantes mais-valias. Tudo isto para dizer que talvez não fizesse mal a Pinto da Costa esconder o jogo, ou, pelo menos, o seu entendimento da "normalidade" do mesmo.

 

Nos modelos de risco, os analistas estimam a máxima perda com níveis de significância que alternam entre 95% ou 99%, considerando-se os 5% ou 1% como eventos com grau de probabilidade muito reduzida e assim desprezíveis, o que leva a acontecimentos como o 11 de Setembro ou a crise de subprime tenderem a ser subestimados, acabando as previsões desses analistas por falhar. Ora, o futebol é um jogo. Como tal, tem uma componente de aleatoriedade. Os adeptos Sportinguistas que acompanharam o desenrolar do nosso jogo em Braga já rezavam por um empate, mas no fim o Sporting ganhou. Costuma dizer-se que é futebol. Num mundo ideal isso nunca seria considerado uma anormalidade, apenas um jogo. Anormal seria por exemplo a corrupção, promiscuidade, tráfico de influências ou falta de ética, ou até mesmo o condicionamento sobre as equipas de arbitragem (supunhamos umas invasões à Maia, ou assim...) eventualmente influenciarem as ocorrências de um jogo ou de um campeonato ou até marcarem golos, mas sobre isso o Nostradamus da Cedofeita não faz previsões, embora prevenido já tivesse ido até à baliza, perdão, Galiza.  

 

Começado o jogo, o Braga cedo descobriu a localização do cofre. Com Galeno, Gaitan e Sequeira permanentemente em superioridade numérica sobre Porro e Inácio, não surpreendeu que o central leonino se visse em apuros. Duas faltas, dois cartões, o Sporting via-se rapidamente a jogar só com 10. Mas uma coisa é ver o cofre, outra é descobrir a sua combinação. Até ao intervalo o Coates e o Adán certificaram-se que tal não aconteceria. Durante o descanso, o Rúben Amorim compreendeu que teria de pôr alguém mais naquele flanco. Com menos 1, convinha ser um jogador versátil, enérgico e também com chegada à área adversária. Vai daí, pensou no Matheus Nunes. Em boa hora o fez, pois numa jogada semelhante à que deu a nossa vitória na final da Taça da Liga, o brasileiro marcaria o golo da vitória. O restante segundo tempo foi uma história de sacrifício e de superação, um épico que certamente faria furor se representado no mundo da Sétima Arte. Como grande protagonista o Coates. O nosso Ministro da Defesa devolveu tudo, foi um muro intransponível. Coadjuvando-o, o Secretário de Estado Adán. Também ajudou ao sucesso o facto de em campo ter estado o Galeno, um artista com o traço impressionista de um Manet e a definição final de um maneta (no caso, perneta).  No fim, o Amorim disse que foi normal. E teve razão. Oscar Wilde teve um grande sucesso com a peça "A importância de se chamar Ernesto", também designada por "A importância de ser honesto", uma sátira sobre a moral vitoriana. Homem reconhecidamente culto, Pinto da Costa certamente conhecerá a obra de Wilde. E saberá também que a normalidade no Sporting está associada à importância de (o capitão) se chamar Coates. Sim, Coates, o que nunca alimentou dúvidas ou angústias pós-Alcochete aos adeptos e sempre alinhou os seus interesses pessoais com o Sporting, aquele que mais do que ninguém merece o título de campeão nacional.

 

Ganhámos um jogo que facilmente poderia ter caído para o outro lado. Mas é importante também compreender que houve jogos que empatámos e deveríamos ter ganho. É o futebol e os seus sortilégios, tudo normal. O que não vinha infelizmente sendo normal no Sporting era a solidariedade e resiliência dos jogadores em campo. E essa será a melhor contribuição de Rúben Amorim para o Sporting versão 2020/21. Podem contestar-se as substituições - ontem só gostei de Matheus e de Neto - , as alterações no modelo de jogo, a parca utilização de Jovane, dispensa de Pedro Marques, etc, mas a verdade é esta: em 47 anos que levo de ver futebol nunca vi uma equipa tão unida em campo. Se é normal, não sei. Mas espero que doravante seja o novo-normal. Força, Sporting!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Sebastián Coates

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22
Abr21

Tudo ao molho e fé em Deus

Virgem aos 28


Pedro Azevedo

Na antecâmara do jogo, todo machão, o marialva Petit revelou querer tirar-nos a virgindade. Poderá até ser natural, num cavalheiro tão esbelto, tão formosamente abençoado pela natureza, esse tipo de auto-confiança. Todavia, inusitado, vindo de um benfiquista assumido, terá sido o reconhecimento de que o objecto da sua cobiça permanecia religiosamente sem mácula na alma e corpo, algo que todos nós, Sportinguistas, reconhecemos desde o berço. A verdade é que no fim, acabados de completar 28 (jogos), permanecemos virgens, pelo que o problema não foi o hímen. Não, esse manteve-se inviolado. Já o iman da nossa triste fatalidade não parou de exercer atração entre os dois polos do campo, tantas foram as asneiras que os nossos próprios jogadores cometeram. [O deus do futebol deve ter revelado em sonhos ao Petit que em Alvalade o iman seria seu, mas este ("lost in translation") terá compreendido hímen e daí aquela tirada à manganão.] Foi assim quando João Mário falhou um penálti, assim foi quando Adán se pôs a inventar junto à sua baliza ou Matheus Reis se esqueceu do avançado e só se preocupou com a bola. 

 

Nada contudo acontece por acaso. Por exemplo, o João Mário é um agnóstico do golo, creio (!?) que por experiência própria o rapaz até duvide que o golo exista. Logo, pô-lo a marcar os nossos penáltis talvez seja uma grande penalidade para a equipa em si. Concomitantemente, o Matheus Reis é essencialmente um lateral esquerdo. Foi assim que construiu a sua ainda breve carreira no Rio Ave, clube onde apenas realizou 3 jogos como central num sistema de 3. Assim, tê-lo a titular como central, com Neto disponível no banco, será sempre um risco, o qual visará uma maior produção atacante mas terá como senão uma menor consistência defensiva (mesmo sendo mais lento e a B Sad tendo avançados rápidos, o Neto compensa no posicionamento neste sistema de 3). Para não falar que desde o início da temporada Adán vem revelado fragilidade a jogar com os pés. Por um acaso ou outro, tal ainda não se tinha revelado mortífero. Infelizmente, aconteceu ontem. Também não foi por coincidência que o Jovane entrou e minorizou o prejuízo. O que não se entende é a razão pela qual só entra quando tudo está aparentemente perdido e é preciso ir encontrar no fundo do baú uma última solução de recurso. Ainda assim, o Jovane ameaça tornar-se o jogador mais importante da época. Primeiro evitando um terceiro resultado negativo consecutivo e impedindo a eliminação de uma Taça da Liga que nos viria a encher de confiança e motivação para o resto da temporada. Segundo, ao ter negado a nossa primeira derrota no campeonato, mantendo o factor psicológico da invencibilidade do nosso lado a poucos dias de uma previsivelmente difícil deslocação a Braga. E vamos ver se, como génio da lâmpada que é para Amorim, não nos concederá ainda um terceiro desejo. 

 

Poder-se-á dizer que Rúben Amorim acertou em todas as substituições. É um facto, Nuno Santos (cruzamento para o 1º golo), Tabata (dinâmica), Bragança (circulação de bola rápida), Jovane (penálti e golo) e Matheus Nunes (assistência no lance da penalidade) entraram muito bem. Porém, tal também revela que o onze base foi mal escolhido. Por exemplo, João Mário esteve 67 minutos entediante e exasperantemente a jogar a passo para trás e para o lado, Matheus Reis nunca compensou ofensivamente aquilo que retirou defensivamente e faltaram-nos sempre o dinamismo do Nuno Santos para desorientar marcações apertadas ou a relação com o golo de Jovane. Já em desespero, regressámos ao 3-2-5 (WM) primeiramente testado contra o Gil Vicente em Alvalade. Com Tabata como extremo direito e Nuno Santos no polo oposto, Jovane posicionou-se como o ponta de lança que recuava nas costas de Paulinho e Coates, este último o verdadeiro avançado centro do Sporting versão 20/21. Lá atrás, Matheus Nunes testava (mais) uma posição nova, a de central pela direita. Ao seu lado Gonçalo Inácio (centro) e Nuno Mendes (esquerda). No meio do terreno, Bragança e Pote. E foi assim que aconteceu... evitarmos a derrota. 

 

A fórmula de sucesso está mais do que encontrada e quem a patenteou foi o alquimista Amorim. Os consumidores, após algum cepticismo inicial, receberam-na em euforia. Tal como a Coca-Cola, primeiro estranhou-se, depois entranhou-se. Não fará como tal sentido andarmos a experimentar novas fórmulas quando a competição se encaminha para o fim. Isto é o que eu penso. Temo porém que tantos pensares distintos existentes na cabeça do Amorim nos possam conduzir por um caminho diferente. É a desvantagem das múltiplas opções, umas tornadas realidade por mérito exclusivo de Rúben, outras encontradas no último mercado. O povo, na sua infinita sabedoria, costuma dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. Como virgens não têm vícios, que joguem os melhores e que melhor funcionam em equipa. Vamos, Sporting!!! (Eu continuo a acreditar, afinal antes desta jornada tínhamos 6,12 e 14 pontos de avanço sobre a concorrência. Se não acreditarmos em nós, como poderão eles (a concorrência) acreditar? Repito; serenidade e confiança. E acrescento: convicção.)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Nuno Mendes

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17
Abr21

Tudo ao molho e fé em Deus

Voando sobre um ninho de cucos


Pedro Azevedo

O edifício em que vive o futebol português é um autêntico manicómio. Não surpreende por isso que, face aos casos detectados e outros que estão sobre suspeita de match-fixing, ninguém se indigne por a Liga escolher como patrocinador principal um site de apostas. Ou que dois treinadores se envolvam numa rixa feia durante 10 minutos e a respectiva suspensão seja levada para as calendas gregas, como por exemplo (suponhamos) a véspera de um certo jogo na Luz ou o defeso (já se sabe, é muito duro estar de castigo na praia no Verão). Não, olhando para a imprensa, os problemas do futebol português são o Sporting e o Rúben Amorim. Assim, não admira que ultimamente joguemos como se estivéssemos dentro de uma camisa de forças. É que o Sporting, nos intervalos em que o deixam, voa sobre um ninho de cucos. Cucos, pardais, milhafres, mitológicos reptéis com asas, papoilas saltitantes que são o ópio do mundo da bola. A droga é dura e cria elevada dependência, há que ganhar custe o que custar. Pode, por exemplo, custar 15 dias a quem ousar se atravessar no caminho, ou pode não custar nada a bem da salvaguarda do ecossistema em que vivemos há para aí uns 40 anos. 

 

Ontem fomos a Faro. Do outro lado estava uma das equipas que melhor joga e menos pontos tem. Um jogo entre leões, do reino animal de Portugal e do Algarve, uma partida que curiosamente não ficou marcada pelos poderosos ataques mas sim pelas felinas defesas. De Adán e de Beto. Há também quem diga que o senhor Macron defendeu bem, mas esses são os mesmos que não atribuíram credibilidade ao (primeiro) penalty sobre o Jovane no jogo pretérito. Mais que perfeito ainda assim para se criar uma narrativa. Estou agora à espera do que se dirá quando o Carvalhal tiver de jogar contra um clube que equipar de Lacatoni. Será que lhe irá pesar a camisola? É estranho e pouco plausível o que se diz, nomeadamente quando antecipadamente se sabe que vamos mudar para a Nike. (O Hugo Miguel revela óbvias dificuldades físicas no acompanhamento dos lances, mas mantém durante o jogo um critério técnico e disciplinar uniforme que muito raramente se pode observar nos seus colegas de profissão.)

 

O Sporting apresentou-se nervoso, a falhar muitos passes. O sistema, o nosso que não o dos outros que é perene, voltou a mudar. Regressámos ao 3-5-2, expondo a indefinição entre o ataque rápido e transições que tão bons resultados nos trouxeram e a recém atracção amorinesca pelo ataque posicional. Talvez por isso sempre tenha transparecido que a equipa se quedava a meio-caminho de qualquer coisa. A meio-caminho de ter um goleador, que desce tanto que raramente se encontra na zona de golo ou revela instinto predador, ou a meio-caminho de controlar um jogo que de facto não raras vezes lhe fugiu das mãos. Valeu-nos este Adán que não come da árvore do conhecimento do bem e do mal, ele que busca a sabedoria somente a partir da experiência adquirida entre os postes e nos bancos das equipas por onde passou. E deu-nos jeito, mais uma vez, um Pote de Ouro, que esta coisa de saber enquadrar um remate não é para qualquer um. Ontem, pus-me a olhar para a sua movimentação no momento do golo: inicialmente, lá estava ele, naquele emaranhado de jogadores que atacou a primeira bola, porém, ao ver que o esférico o sobrevoara, logo recuou para o espaço livre, assim como quem dá uma linha de passe ao Paulinho ou espera um ressalto entre a densa floresta algarvia. Acabou por prevalecer a segunda hipótese, o décimo sétimo golo do Pedro Gonçalves neste campeonato. Será por acaso? Acaso somente me parece a sua ainda não inclusão na selecção principal de Portugal. Um jogador tão versátil, tão capaz de fazer várias posições em campo, tão ao jeito das metamorfoses tácticas em caos organizado do agrado do Engenheiro, com tanto golo, deverá ser sempre um elemento a contar na Equipa de Todos Nós. 

 

Faltam-nos sete finais. Haverá certamente por aí ainda alguns Pedro Henrique ou Gauld para nos darem água pela barba. Precisamos de serenidade, convicções e confiança. E de golos. Amorim e a equipa precisam de voltar a divertirem-se com o jogo, soltarem-se mais, focarem-se no que até agora foi feito de muito positivo e eliminarem da sua acção e pensamento a ansiedade e tudo o que é medíocre e pobre no futebol português, o que também é fonte de "diversão" para muita gente que por aí anda mas não é para nós. No momento em que querem fazer do Amorim o Jack Nicholson do "Voando sobre um ninho de cucos", libertemo-nos da camisa de forças e mostremos a todos que neste futebol somos o ente sano. Força, Sporting!!!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Adán

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11
Abr21

Cabeça fria e confiança


Pedro Azevedo

É preciso nesta fase evitarmos o "oito-oitentismo" que nos caracteriza e não entrarmos em pânico ou convulsão. Não é também altura para dúvidas, nossas (adeptos) ou da equipa técnica e jogadores. Estamos em primeiro lugar e ninguém nos entregou isso de mão beijada, foi seguramente conquistado com muito trabalho e mérito. Cerremos por isso os dentes, reforcemos ainda mais o espírito entre todos e tudo aquilo que dependa exclusivamente de nós. A ser assim, no final o título será nosso. Eu acredito!

06
Abr21

Tudo ao molho e fé em Deus

Regresso às aulas


Pedro Azevedo

Com o regresso às aulas voltaram também as lições de educação visual, trabalhos manuais e ciências. Nesse sentido, a régua, o esquadro e o microscópio foram muito utilizados pela sala do VAR, assim como a tesoura pela turma moreirense. A aplicação desta última sem a requerida cartolina (amarela, ou vermelha?) justificaria uma falta de material à classe arbitral, infração que já se sabe não constituir objecto de análise por parte do conselho disciplinar do colégio federativo. Restará assim a "jarra", se a associação de estudantes do apito não quiser passar uma borracha sobre o assunto.  

 

O Sporting também voltou ao campeonato. Não se pode dizer que o regresso tenha sido auspicioso, pois empatou. Para melhor tentar explicar aquilo que vi (não é axiomático) vou deixar a sátira de lado e concentrar-me na análise que me parece curial fazer nesta circunstância. Assim, mais preocupante que o resultado é a indefinição que se nota quanto ao melhor sistema de jogo a aplicar quando nos aproximamos do último quarto da competição. O sacrifício de um dos interiores (Nuno Santos ou Jovane) teve consequências na falta de apoio observado por Matheus Reis na altura de fechar o espaço a Walterson aquando do golo do Moreirense. Por outro lado, o transporte de bola em segurança de João Mário parece-me claramente sobrevalorizado num clube que quer ganhar todos os jogos, na medida em que retira imprevisibilidade à equipa e não proporciona os desequilíbrios que quem lute por títulos tem de provocar no adversário. A equipa parece estar a viver uma pequena crise de indentidade, dispersa entre o ataque rápido e transição que deram tantos dividendos no passado e os fundamentos do jogo de ataque posicional. A introdução de Bragança traz qualidade de passe e fluidez de jogo, mas se queremos um terceiro médio que contraste com estas características então Matheus Nunes, um dinamitador de linhas, seria uma melhor solução do que João Mário, amortecendo os efeitos da passagem abrupta do 3-4-3 para o 3-5-2. Por outro lado, os poucos minutos de jogo de Jovane são um mistério. O jogador foi progressivamente apagando-se nas preferências de Amorim depois de ter sido instrumental na imposição do jovem técnico em Alvalade no final da época passada. Esta temporada voltou a ter um papel importante quando reapareceu a tempo de evitar o terceiro resultado negativo consecutivo da equipa, ajudando assim a ganhar a Taça da Liga e a criar a confiança necessária que alavancou o nosso desempenho no campeonato. A sua escassa utilização desde esse momento não deixa de surpreender, ainda mais pelo facto de o jogador continuar a mostrar-se influente mesmo jogando muito pouco tempo. Ontem nem sequer foi a jogo, optando Amorim por manter um Paulinho claramente desgastado e ainda a acusar alguma falta de ritmo resultante da lesão que o impediu de realizar uma série de jogos. Ao contrário daquilo que vem sendo habitual, desta vez Amorim não conseguiu esconder os pontos fracos individuais dos jogadores. Assim, Porro mostrou-se desatento ao avanço de Abdu Conté nas suas costas e Feddal foi imprudente na abordagem ao lance fatal, procurando improvisar com o calcanhar sem ter o virtuosismo para tal requerido de um outro magrebino que imortalizou tal gesto técnico no Porto e na Europa, tudo situações que habitualmente não se revelam quando o Sporting está no relvado e que por falta de estrelinha desta vez vieram a redundar em golo no único remate enquadrado da equipa de Moreira de Cónegos. No plano positivo, Paulinho marcou finalmente um golo e mostrou bons pormenores que lhe podiam ter rendido um outro e uma assistência. No entanto, precisa de melhorar o timing de ataque à bola na área, aspecto em que ficou aquém após primorosa assistência de Porro que poderia ter resolvido o encontro. Bragança esteve em excelente plano, rodando a bola com rapidez, incorporando-se no ataque com critério e proporcionando uma excelente assistência para golo a Paulinho. Evidentemente, a avaliação é contínua e a equipa tem créditos acumulados que permitem antecipar uma óptima nota final, mas será importante voltar a estabilizar uma ideia de jogo clara e dar oportunidades a jogadores que façam efectivamente a diferença. A equipa parece viciada nos equilíbrios, mas é importante que haja também quem desequilibre. Igualmente, a manutenção de um elevado ritmo de jogo que não permita aos adversários reentrarem nas partidas parece-me chave para um final de época sem sobressaltos. Nesse sentido, noto que à semelhança do jogo com o Rio Ave estivemos longe de esgotar as 5 substituições possíveis. Mas há que aprender a lição e andar para a frente. Acreditemos, porque Amorim e a equipa merecem-nos esse capital de confiança. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Daniel Bragança

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21
Mar21

Tudo ao molho e fé em Deus

Cinderella Man


Pedro Azevedo

Imaginem um clube com sorte madrasta, durante anos tratado como o enteado pobre do futebol português. Desprezado pelos dois filhos do sistema, que nunca perdiam uma oportunidade de dele troçarem, viu-se obrigado a desde cedo trabalhar na regeneração do nosso futebol. Um trabalho na sombra, anos e anos a fio convertido em retalhos por acção directa dos filhos do sistema e assim condenado a nunca emergir no baile de gala de encerramento da época desportiva, um motivo de redobrado sofrimento para todos os que dele gostavam.

 

O sofrimento como marca de existência e uma resiliência a dar razão a Schopenhauer quando classificava o sofrimento como positivo porque não inebriante ou ilusório como a felicidade e portanto revelador da condição humana. "Sofro, logo existo", como paradigma do ser Sportinguista. Até que um dia surgiu uma fada que tudo encantou. De uma abóbora fez uma carruagem dourada, seis ratinhos foram transformados em majestosos cavalos, um rato maior tornou-se cocheiro. Uns sapatinhos feitos à medida de campeão apareceram como que por encantamento, calçando-o para o baile. Logo todos os que gostavam dele se interrogaram se seria real. Poderão anos e anos de sofrimento terminarem com um passe de magia? O nosso receio, o que nos inquieta à noite, é que a carruagem se volte a transformar em abóbora.

 

Vem esta alegoria a propósito do papel de Rúben Amorim na afirmação deste novo Sporting. Amorim é o nosso "Cinderella Man", capaz de mostrar que é de ouro que se fazem os produtos da nossa Academia. Com ele, a nossa existência passou a ser um transcender de liberdade, aquilo que Jaspers ensina que abre caminhos. Como a caminho entre Alcochete e Alvalade, aberto por Amorim quando colheu 6 dos semeados por Aurélio Pereira e seus seguidores e os exibiu na grande montra de ontem. Com outros dois a preencherem a segunda parte. À semelhança de outros jogos em que fomos reganhando a nossa identidade. Dando assim um sentido às coisas. E logo quando tudo parecia perdido, o que dá à emergencia de Amorim um toque de transcendental, como na parábola de Kierkegaard onde um homem determinado a pôr fim ao seu sofrimento e prestes a atirar-se ao Tamisa (o Tejo, para o efeito) é salvo por uma picada de um mosquito que lhe interrompe o movimento. Abençoada picada, certamente. E encantado mosquito.

 

E que bonito é observar os nossos produtos de Alcochete. Com simplicidade, tudo se poderia reduzir à iluste Casa de Bragança, senhorial na arte da posse, douta em conhecimentos aprofundados de geometria e impenetrável às vagas de ataque do "inimigo", onde coexistem o tiki-taka do João e do Daniel, o GPS do Inácio, o rochedo Palhinha, o colosso Tomás - dois fins de semana consecutivos a mandar centrais para o estaleiro com caîbras aos 60 minutos de jogo - e a serpente Mendes, mas também o belo cisne Cabral e o bebé Essugo. Não sei como esta bela aventura irá terminar, mas volto a Kierkegaard para recuperar os seus 3 estádios da existência humana: tendo nós sempre desprezado o estético, em que o prazer momentâneo do belo e de um desejo imediatista (a "facilidade") é garantia de felicidade, encontrámos nas leis da moral e da conduta universais um patamar melhor para a nossa existência. Porque a ética é universal, ao contrário do ser que é único e individual. E assim, arregimentados por um valor comum, contra ventos e marés procuramos a nossa verdade comum. O que nos leva ao último estádio, o do compromisso com a nossa fé. De ser Sportinguista, de ser (Ser?) Sporting.  

 

P.S. Espero que o senhor José Pereira da Inspecção do Trabalho não nos multe por fraude na atribuição de contrato de trabalho ao jovem Dário.  

 

Tenor "tudo ao molho...": João Palhinha. Gonçalo Inácio, Daniel Bragança, Tiago Tomás, Pote e Jovane mostraram pormenores distintivos. E estreou-se o jovem Dário Essugo, 16 aninhos acabados de perfazer, com dedicatória para todos os papás de meninos que querem jogar futebol ao mais alto nível e tudo. Uma palavra final para a estupenda arbitragem de Tiago Martins, um árbitro não poucas vezes traído pela vaidade mas que ontem deixou o palco para os músicos e permitiu que sobressaísse a qualidade das partituras. Grande trabalho!

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14
Mar21

Tudo ao molho e fé em Deus

“Inimigo” invisível


Pedro Azevedo

Uma pessoa olha para as primeiras imagens emitidas directamente do Regimento de Milícias de Tondela e começa logo a interrogar-se sobre a forma como se deve combater um "inimigo" que não se vê. É que aparentemente estavam só 11 jogadores do Sporting em cima do terreno do jogo, mas os tondelenses haviam vestido camuflado, preparado uma emboscada e agora camaleonicamente confundiam-se com a vegetação enquanto aguardavam o início das hostilidades. Não os víamos, mas sentíamos que eles estavam lá, ou anos e anos de sistema do futebol português não nos tivessem já suficientemente desenvolvido a intuição (e a visão noturna). O mote estava traçado, a estratégia deles passava por extrema mobilidade oculta, íamos ter uma luta de guerrilha. Instintivamente pensei que o tempo da camisola, calções, botas e caneleiras já era e o jogador do futuro equiparia com capacete binocular de infravermelhos e assim. Veio-me logo à cabeça o Platoon e imaginei o filho do Martin Sheen a fumar umas cenas e a pensar no White Rabbit que seria preciso tirar da cartola para ganhar o jogo. (Mais tarde na carreira o rapaz dedicar-se-ia mesmo a da cartola tirar coelhinhas... da Playboy.)

 

Rapidamente se percebeu que os Beir'altacongs queriam-nos meter a encher chouriços, atar e pôr no fumeiro. As nossas movimentações eram constantemente vigiadas, o que nos colocava num espartilho. E não tínhamos quem conseguisse saltar as trincheiras que os tondelenses haviam montado com snipers como linha de defesa ao longo do terreno. Entretanto, desperdiçámos ingloriamente 45 minutos a tentá-lo com as mesmíssimas soluções ("I'm sitting on the dock of the bay, watching the tide roll away, ooh I'm just sitting on the dock of the bay, wasting time..."). Do meio campo para a frente os únicos homens com poder de choque eram Palhinha e TT, mas estes não são propriamente criativos, pelo que pensei que as entradas ao intervalo de Jovane e de Matheus Nunes poderiam complementar essas outras duas unidades, juntando mais força física a velocidade, imprevisibilidade e capacidade de ultrapassar linhas. Mas não, voltámos exactamente com o mesmo onze. E a primeira alteração também não foi de ruptura com o andamento do jogo, visando mais posse de bola e passe à distância quando este jogo específico estava a pedir essencialmente capacidade de penetração e dinamite. Obviamente, não resultou. Por essa altura já eu andava a ouvir o Adagio e com tendência para passar ao original do Albinoni , aquele que o Morrison escolheu para o seu "An American Prayer". O jogo continuou exactamente no mesmo enervante rame-rame até que Tabata e Jovane finalmente o conseguiram agitar. Nomeadamente o cabo-verdiano, que se posicionou mais perto de TT e obrigou os beirões a dispersarem atenções. E de uma bola recuperada por Jovane à entrada da área viria a resultar o envolvimento que permitiria a Pote assistir TT para o golo da vitória. 

 

O Sporting cumpriu com o essencial dos 3 pontos. No entanto, independentemente da inquestionável valia dos nossos jogadores, hoje não foi nada claro que tivéssemos escolhido o onze mais adaptado às circunstâncias que fomos encontrar em Tondela (não é com "Bolshoi" que se ataca "Hanói"). Mas ganhámos, e isso nunca defrauda ninguém, logo em princípio não deverá ser alvo de processo por parte da Comissão de Inquisidores, perdão, de Instrutores da Liga. Em princípio. R-E-S-P-E-C-T!

 

Tenor "Tudo ao molho...": TT. Uma palavra de apreço para a forma como defendemos. Noutros tempos, um falhanço como o de Feddal geraria logo o pânico e seria um golo certo. Hoje em dia não. E porquê? Porque os restantes jogadores sabem exactamente como colectivamente se posicionar e que linhas de passe encurtar. E isso é muito trabalho de treinador e da sua equipa técnica, sem desprimor pela forma como os jogadores apreenderam rapidamente os conceitos, que isto de atrás não deixar ninguém entregue à sua sorte tem muito que se lhe diga. Assim, podemos não impressionar ofensivamente, mas esta equipa continua a ser muito difícil de bater. E isso é meio-caminho andado para o sucesso.  

P.S. Retalhos da vida do futebol português: o João Pereira no Sporting nem precisa de jogar para apanhar vermelhos. Quando estava do outro lado da Segunda Circular, o Hugo Viana é que nem precisava de lhe tocar para ver um vermelho. Ah, e o pisão no pé do Tiago Tomás? Lá por o homem ser TT não quer dizer que valha tudo, não é? 

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06
Mar21

Tudo ao molho e fé em Deus

Stent a stent até à artéria do Marquês


Pedro Azevedo

Caro Leitor, já não sei se isto é jogo a jogo ou stent a stent, se devemos primeiro desobstruir o caminho do título ou antes dar prioridade ao fluxo de circulação sanguínea nas artérias, o que sei é que o Miguel Cal deve andar a roer-se de inveja porque finalmente temos uma Experiência Sporting capaz de apelar ao coração de cada Sportinguista. Senão vejamos: o adepto está em casa a ver o jogo e a ouvir o Vidigal, coisas que cumulativamente obrigam logo um homem a activar o desfibrilador até levar um número de descargas em joules suficiente para acordar a colónia inteira de moradores do Panteão Nacional. Subitamente, recebe uma mensagem da Loja Verde on-line para não perder e encomendar desde já a a promoção pague-2-leve-3 da nova colecção de stents verde-e-brancos. Dizem-nos haver em aço inoxidável, crómio e até cobalto, às risquinhas horizontais, tipo Stromp ou alternativo. E a malta compra, claro, ou não se tratasse de uma compra por impulso... cardíaco. Um sucesso de vendas garantido. Depois, é só marcar a operação e aplicá-los. A Clínica CUF do estádio estenderá a sua experiência (e artérias).

 

Devo porém dizer que no final do dia não sei se sofreremos mais nós ou os nossos concorrentes directos. É que não deve ser nada fácil para quem está de fora levar constantemente com golos depois da hora do Sporting. Eu estou a imaginá-los, cada vez mais confiantes que desta vez é que é, vão encurtar a distância, tudo daqui para a frente será diferente, e de repente, PUMBA, golo do Sporting. E depois é vê-los a destruir ardósias e ábacos e máquinas de calcular, a rasgar as cartas da Maya ou amaldiçoar as feiticeirias do Nhaga... Não se faz, isto é elevar a crueldade humana até ao expoente máximo na escala de Rúben!

 

O jogo? Foi um bocado como as Escondidas. Começou o Santa Clara a apalpar terreno e logo veio com uns inuendos, umas aproximações. Tudo mais para o frio, embora por vezes aquecesse até ficar morno. Na resposta, deixámo-nos de mariquices, fomos por ali fora sem perguntar nada a ninguém e, quando o Pote já estava a ferver, descobrimos o esconderijo. Entretanto, o Crysan anti-caspa teve o azar de não ser também anti-queda e abandonou o terreno, pelo que até ao intervalo a promoção do Turismo dos Açores ficou entregue ao Luis Vidigal. A disposição das equipas na etapa complementar fez-me temer o pior, ou seja, adormecer. Porém, tal gradualmente foi passando a um estado de alerta à medida que o Sporting ia transformando o futebol em flippers: a bola era mandada para a frente como se impulsionada por uma mola e depois batia em inúmeros martelinhos, voltava para a frente e para trás, parecendo que o nosso objectivo era fazer jackpot no meio. Só que numa dessas idas e vindas ressaltou mal no pino do Feddal e lá perdemos uma vida. Com Santa Clara a renunciar ao voto de pobreza franciscana a que o jogo tinha estado sujeito, foi tempo de no Sporting se tocar a rebate. Importante reforço de Inverno, o nosso novo ponta de lança uruguaio entrou mais uma vez lá para a frente. E logo ganhou 3 bolas de cabeça, algo até aí impensável na área açoriana. Na primeira ainda tentou assistir Jovane, mas este não conseguiu encontrar uma quina do seu corpo que desse intensidade à bola. De seguida, atirou ao lado. Até que o Nuno Santos lançou a enésima edição de uma bola que vem da esquerda para a direita, daí é amortecida (João Mário, na circunstância) para o centro e depois dá golo. Na extremidade estava o uruguaio. Eram jogados 90+3 minutos, nada mais haveria a declarar para lá dos sorrisos de todos os Sportinguistas. 

 

Para dizer a verdade, no fim festejei abundantemente. Não é que nós não acreditemos sempre até ao último minuto (hoje em dia então...), mas ainda há reminiscências do passado que por vezes nos atiram para a fatalidade. Como o facto de desde 1953 não ganharmos um campeonato disputado em ano ímpar. Há 68 anos! Faltam 9 vitórias(*). Haja coração! Entretanto, lá em cima, a estrelinha da Maria José Valério brilha e brilha, ofuscando as demais...

 

(*) Assumindo uma derrota em Braga por diferença inferior a 3 golos

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Mário (esteve nos dois golos e este foi o jogo em que o vi mais vezes perto da área adversária). Coates (uma vez mais salvador), Gonçalo Inácio (sempre seguro na saída de bola curta) e Pote (procurou espaço entre-linhas e marcou um belo golo) estiveram acima dos outros. 

coates4.jpg

05
Mar21

Longo caminho pela frente


Pedro Azevedo

O caminho aritmético para o título não se alterou grandemente com o empate no Dragão. Para ter a certeza de que será campeão o Sporting continua a precisar de fazer 86 pontos, 85 se não perder em Braga por mais de 2 golos. Ora, admitindo que o nosso adversário mais directo não perderá mais pontos até ao final da temporada, 86 pontos corresponderão a 10 vitórias e 1 empate ou 9 vitórias e 4 empates nos 13 jogos que faltam cumprir até ao fim. (Se um dos empates for com o Braga, então 85 pontos serão definitivamente suficientes.)

 

Por aqui se perceberá que muito ainda há a fazer. Na época passada, o Benfica terminou a primeira volta com 48 pontos correspondentes a 16 vitórias e 1 derrota, mais 3 pontos que o Sporting de 2020/21. Simplesmente, na segunda volta apenas realizou 29 pontos, perfazendo assim um total de 77 pontos, valor insuficiente para se sagrar campeão. Outro exemplo, e este mais relacionado com a nossa história, é o Sporting de 76/77. A equipa, treinada à época por Jimmy Hagan, arrancou fulgurantemente o campeonato nacional com uma vitória por 3-0 sobre o Benfica, triunfo que aliás replicou em eliminatória da Taça de Portugal (um hat-trick de Manoel em estreia absoluta). Dando sequência ao bom início, os leões chegaram a ter 6 ou 7 pontos de avanço sobre o Benfica (a vitória só valia 2 pontos), mas durante a segunda volta foram progressivamente perdendo essa vantagem e acabaram num segundo lugar final a 9 pontos da liderança das águias.

 

Ao contrário daquilo que se possa pensar, estes súbitos desfalecimentos de equipas que lideram o campeonato durante muito tempo não são assim tão incomuns. O exemplo do Liverpool nesta época desportiva é aliás disso paradigmático. Lesões, castigos, euforia mal controlada, densidade competitiva, pressão, abaixamentos de forma são razões que se podem habitualmente associar a estas situações. Evidentemente, umas poder-se-ão aplicar melhor ou pior à realidade que o Sporting ainda terá pela frente, mas o certo é que há ainda um longo caminho que precisa de ir sendo percorrido semana a semana para que possamos garantir o título. Voltemos então à matemática para compreendermos o que está em causa: com 9 pontos de avanço e 39 por disputar, apenas 23% do caminho está cumprido. Ou seja, embora só faltem 13 de 34 jornadas para acabar o campeonato e isso dê a ilusão de que o fim está perto,  há mais de 3/4 (77%, mais concretamente) do caminho do título ainda por percorrer. Vamos por isso jogo a jogo, procurando assim a cada jornada estender as nossas probabilidades. No fim, ou quando e se for matematicamente impossível alcançarem-nos, então sim, far-se-ão as contas totais. Para já, foco no Santa Clara.

28
Fev21

Tudo ao molho e fé em Deus

Matheus contra a burocracia


Pedro Azevedo

Tenho vindo aqui a escrever em inúmeras ocasiões que o maior mérito (e são vários) que deve ser creditado a Rúben Amorim é ter feito com que o todo seja maior que a soma das partes. Não sei se Vos parece pouco, mas esta ideia do colectivo, quando comparada com a dos nossos adversários, a mim afigura-se como muito boa. Vejam, por exemplo, o caso do FC Porto: ontem à noite, no Dragão, eles tinham dois Sérgios. Tal presumivelmente configuraria um Sérgio ao quadrado. Só que não, eles empataram-se, não remaram para o mesmo lado, extremaram posições entre a soberba de um e a humildade do outro, enfim anularam-se. Senão vejamos: no final do jogo, enquanto o Oliveira, cheio de fanfarronice, altaneiramente se arvorava em finalista vencido da Champions, ele que no único ano (dos 12 que leva como profissional do clube) em que o Porto conseguiu chegar a uns quartos-de-final da prova milionária estava emprestado ao PAOK, o Conceição, muito comedido, não se queixou de não ter o Garrido, o Martins dos Santos ou mesmo toda a família Calheiros por atacado a apitar, antes pelo contrário ter-lhe-ia modestamente bastado o silvo do Soares Dias para que um sorriso lhe iluminasse a face. Ora, está bom de ver, com esta divergência de postura não há colectivo que resista. Depois não se venham queixar de outrém. Basta! Organizem-se, por favor.

 

Não se pense porém que o Porto jogou apenas contra si próprio, do outro lado estava um Sporting apostado em não deixar jogar o Porto do Conceição e em jogar contra o Porto do Oliveira. Para não deixar jogar o primeiro, o Rúben Amorim meteu o João Mário desde início a esconder a bola, a arrefecer o jogo e os colegas mais jovens de forma a que a tensão não lhes induzisse uma expiração mais forte dentro da própria área que levasse homens reconhecidamente franzinos como o Taremi ou o Marega a caírem para o lado como tordos. Já para jogar contra o segundo, o Rúben fez entrar o Matheus Nunes. Foi remédio santo, a tal ponto que os portistas ainda não devem estar refeitos do susto que apanharam. Estava o Porto meter a carne toda no assador e logo teve que pensar duas vezes antes de entrar em aventuras que lhe poderiam ter custado uma severa indigestão...

 

Parafraseando o grande Gabriel Alves, o jogo não foi bom nem mau, antes pelo contrário. Em comprimento, a maior parte do tempo jogou-se em 40 metros, o que talvez tivesse recomendado transferir a partida para uma quadra de futsal no topo de uma montanha, evitando-se assim o restante tempo ingloriamente perdido pelas equipas no patético esforço de tentar meter a bola por cima das defesas contrárias. (Era pô-los ribanceira acima e abaixo a procurarem a bola perdida para verem o que é bom para a tosse.) É que com tanto tráfego concentrado em tão pouco espaço, nem a circunvalação lhes valeu, até pela desinspiração de quem utilizou essas duas faixas de rodagem. Deste modo, o jogo ficou condenado a resolver-se por quem conseguisse romper o cerco no meio. O Porto tentou, mas também aí a perna esquerda de Taremi não esteve em consonância com a sua direita, anulando-se ambas e inviabilizando um golo cantado. Que culpa temos nós disso? O Sporting procurou-o também num raide em excesso de velocidade de Matheus Nunes, o único alta cilindrada que se mostrou capaz de acelerar em zona urbana, tão cheia de urbanidade que foi uma enfadonhice quase todo o tempo. A bola saiu a tirar tinta à barra. Nada mais houve a registar. O Porto diz que teve mais 4 oportunidades? Sim, o Sérgio Oliveira perdeu uma boa oportunidade de estar calado, o Conceição deixou passar a oportunidade de pedir mais 13 penáltis até ao final do campeonato e ainda houve duas bicicletas do Taremi que a esta hora ainda devem estar a circular no Freixo. O que houve, sim, foi aproximações à baliza. E dessas o Sporting também teve, com Matheus Nunes como denominador comum: primeiro, a flectir para dentro e rematar contra Mbemba; depois, a driblar 3 numa cabina telefónica com o seu "M Turn" e a servir Pote na área; finalmente, após tirar dois adversários do caminho com uma simulação e servir Jovane na esquerda para um contra-ataque perigoso.

 

No fim do jogo não foram só os Sérgios que falaram. O Amorim também falou. E disse qualquer coisa, o que em si não é de todo de estranhar. Disse, por exemplo, que após uma jornada em que o segundo classificado previsivelmente encurtará a distância para o primeiro não se pode afirmar que o título está mais perto. Fez bem. É que uma coisa é termos 10 ou 9 pontos de avanço, outra é ignorarmos que há ainda 39 pontos em disputa e vários jogos complicados pelo caminho, pelo que o que a matemática nos diz é que apenas cerca de 25% do trabalho está feito. Como tal, o resto precisa de ser confirmado. Jogo a jogo.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Matheus Nunes. Eu sei, jogou pouco tempo. Mas jogou muito, todas as suas acções tiveram um toque de brilhantismo e o Olimpo do futebol para mim ainda é reservado àqueles poucos que conseguem desequilibrar. Belíssimas exibições também de João Mário, Palhinha, Coates, Feddal e Adán, todos num plano superior ao dos restantes.  

palhinha5.jpg

(Imagem: A Bola)

21
Fev21

Tudo ao molho e fé em Deus

20.000 Léguas Submarinas


Pedro Azevedo

Caro Leitor, depois de superadas as batalhas da Choupana, Leiria, Bessa ou Barcelos, o Sporting saiu vitorioso de um novo confronto disputado debaixo de água. Com a fatalidade triunfante do costume, a despeito dos estrategas adversários andarem a esfregar abundantemente as meninges, o que leva uma pessoa às tantas a interrogar-se se o que lhe têm vindo a servir é a realidade ou se se trata apenas de mais um capítulo das 20.000 Léguas Submarinas do Júlio Verne reescrito por um jovem guionista chamado Rúben Amorim.

 

Bem sei, os nossos vizinhos andam há muito tempo a dizer que estão uma década à frente da concorrência, pelo que irmos buscar algo que foi originalmente escrito há mais de século e meio atrás soa a regresso ao passado. Só que Verne era um visionário, o que pressupõe que o cenário das 20.000 Léguas Submarinas fosse o futuro. Quer dizer, era o futuro em 1859, mas o mais extraordinário é que é o presente em 2021. E é também o futuro no presente, tantos são os elementos de juventude inseridos nesta ficção (ou será a realidade?).

 

Se isto me deixa confuso, imagine-se o sentimento que provoca à esmagadora maioria dos observadores. Estes, apostados em livrar Portugal da aberração estatística que tem vindo a ser esta temporada, dividem-se entre os que, aproveitando tanta água, lançam o canto de sereia destinado a nos fazer mudar de rumo e desconcentrar no meio de tanta adulação e os outros que, semana após semana, preferem ver em cada novo confrontante um Bayern de Munique. Estes últimos durante esta semana decretaram até um alerta amarelo, anunciando ao mundo a destreza portimonense nos momentos estratégicos. Foi debaixo desta onda de motivação que o Yellow Submarine do Professor Paulo "Aronnax" Sérgio zarpou da Praia da Rocha e seguiu com destino a Alvalade. 

 

A recebê-los estava o capitão Nemo Coates e o seu Náutilus, a versão verniano-amorinesca da arca de Noé que vem abrigando todos os Sportinguistas do dilúvio sempre pré-anunciado. Debaixo de água, isolando o ruído, Amorim encontrou no Náutilus a forma ideal de manter a tripulação leonina longe dos ecos que vêm de terra e extremamente concentrada. Ontem, tal voltou a ser absolutamente explícito. Noutros tempos, o simples facto de a armada confrontante ser liderada por um Beto e um Boa Morte seria pretexto mais do que suficiente para pensarmos tratar-se de um ataque fofinho e não hostil e relaxarmos até ao ponto do abalroamento fatal que invariavelmente nos deixaria a "andar (nadar) ó tio, ó tio" Ricciardi na (des)esperança de encontrar um salva-vidas. Mas agora não. Assim, mal avistámos o Yellow Submarine, enquanto Feddal, Inácio e Adán tratavam de executar as necessárias manobras de defesa e Santos se destacava pela hiperactividade habitual (energia nem sempre bem canalizada, mas capaz de contagiar quem o rodeia), logo lançámos o torpedo Palhinha contra eles. A refrega acabou por se resolver em poucos minutos, o que não deixou de ser um alívio para quem tanto tem sofrido de ansiedade, umas vezes real, outras vezes ficcionada após observadas as manobras de outros contendores. 

 

E assim vai prosseguindo a epopeia que tanto está a pôr em causa o sistema métrico por onde se mede o futebol português. Indiferentes às últimas décadas do nosso futebol, os jornalistas perguntam por que é que o Náutilus não emerge e se assume. Visto pelo nosso prisma, a coisa topa-se à légua...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

palhinhaportimonense.jpg

16
Fev21

Tudo ao molho e fé em Deus

O Phi do Amorim


Pedro Azevedo

Caro Leitor, quando esta semana um amigo me telefonou para saber se eu tinha conhecimento de um "fee" relacionado com o Rúben Amorim confesso que a coisa me soou a falta de assunto. Ainda assim, como agora está na moda a clarificação, procurei com disciplina esclarecer a situação, concluindo tudo não ter passado de uma daquelas situações de "lost in translation", embora sem a Scarlett Johansson  para abrilhantar. É que aquilo a que o meu amigo se referia era afinal ao homófono Phi de Rúben Amorim. Na verdade, eu já andava a cismar com o assunto, mas hoje descobri que as iniciais RA escondem a Razão Áurea que o arquitecto Rúben Amorim trouxe para Alvalade. Vou passar a explicar: Razão Áurea, ou Divina Proporção, é uma constante real algébrica que se pode observar na natureza. Crê-se até que foi primeiro utilizada por Phídeas, um escultor da antiguidade grega de cuja obra apenas resta a 1ª reedificação (pós devastação pelos persas) do famoso Partenon, situado na Acrópole de Atenas, em homenagem de quem a constante (1,618) ganhou o nome de "Phi".  A sua aplicação é recorrente na pintura, arquitectura, música e até nos mercados financeiros. Também é visível no corpo humano, onde por exemplo a distância do ombro à ponta dos dedos da mão é 1,618 vezes superior à medida entre o cotovelo e a ponta dos dedos da mão, bem como a altura de um indíviduo é 1,618 vezes superior à distância entre o seu umbigo e a planta dos seus pés. (Este último não é válido para treinadores d'arrasar, cujo umbigo presume-se estar ao nível, ou mesmo acima, da sua cabeça.) 

 

Por esta altura legitimamente perguntarão os Leitores: mas aonde é que está a ligação com o Sporting? Eu passo a explicar: no início desta época os especialistas davam-nos hipóteses O de discutir o campeonato, o nosso jogo nº 1 foi adiado devido a um surto de Covid que dizimou o plantel e, apesar de tudo isto, já dentro da segunda volta estamos na posição 1. Adicionalmente, por puro desespero, há quem sonhe em penalizar-nos com 2 pontos que acrescerão a outros 3 pontos correspondentes a derrota no jogo com o Benfica (ganhámos no campo, mas isso no futebol português nunca é uma verdade absoluta) por alegada utilização irregular do jogador Palhinha, sendo que esses dois pontos podem ainda ir até 5, segundo os regulamentos. Entretanto, à entrada desta jornada, o Porto estava a 8 pontos de distância e à saída o Benfica está a 13. Em Janeiro reforçámo-nos com o "21" (Paulinho) e vamos jogo a jogo até à última jornada (34). Finalmente, o Sporting leva 55 golos marcados em todas as competições nacionais. Ora, seguindo a ordem dos números, o que é que temos? O, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34 e 55, uma sequência de Fibonacci!!! [Fibonacci criou uma sequência em que cada número é equivalente à soma dos dois números anteriores e simultaneamente 1,618 vezes (o Phi) superior ao número anterior (à medida que vai tendendo para "n").]

 

Se Leonardo Da Vinci usou estas proporções em O Homem Vitruviano, Rúben Amorim é o homem que tornou "virtus" Viana e o arquitecto da Divina Proporção que reconstruiu um futebol leonino onde até as medidas ideais do relvado (110x68m) obedecem ao Phi. Com ele, as vitórias são uma constante. O sofrimento por vezes também, embora com o tempo tenhamos vindo a perceber que o objectivo é testar o bom funcionamento do desfibrilador e no fim ganhamos sempre. Outras vezes, como hoje, é um descanso e ficamos a pensar por que raio sofremos tanto de ansiedade após os empates dos nossos rivais. É que o jogo a jogo que o Rúben recomenda é só válido para os nossos jogos, e a este Paços já havíamos despachado por dois-a-zero na Capital do Móvel e por três-a-zero para a Taça. Lá está, a constante. Como constante é o uso de adágios populares que ilustram a nossa campanha esta época, desde o "não há duas sem três" até ao "candeia que vai à frente alumia duas vezes", este último capaz de arrasar quem pensou abrir caminho com(o) os lampiões e agora tem de ver pirilampos a triplicar no Seixal. (Jesus bem  foi pregando que desta vez é que era, mas os cónegos não pareceram estar de acordo.)

 

Jogo a jogo, passo a Paços, lá vamos ganhando e distanciando-nos dos nossos rivais. Além de isso nos alegrar, também ajuda a clarificar situações. Uma coisa a que aliás o Benfica se tem mostrado muito sensível, querendo por exemplo clarificar o caso Palhinha. Sempre disponível para quaisquer esclarecimentos, o Palhinha ontem deu o pontapé de saída para essa clarificação. E de uma forma que eu diria que só por pura ingratidão o nosso rival não reconhecerá, tal o importante contributo do nosso médio para a manutenção do seu quarto lugar. E assim terminou um jogo tranquilo que não me provocou picos de tensão. A única contrariedade foi mesmo aquele zumbido persistente nos meus ouvidos que ainda perdurava esta manhã, tantas foram as vezes que o árbitro meteu o apito à boca durante o jogo. Um tipo de dano colateral nada negligenciável quando se tem um Narciso a arbitrar um jogo de futebol...

 

Tenor "Tudo ao molho...": João Palhinha

palhinha3.jpg

10
Fev21

Tudo ao molho e fé em Deus

Coates e a razão hegeliana


Pedro Azevedo

Hegel disse um dia que a história se repete sempre. Se dúvidas houvesse sobre esta afirmação do filósofo alemão, o jogo com o Gil tirou-as de uma forma inequívoca. Retratando-o, à semelhança do que havia ocorrido na primeira volta, no relvado mais uma vez o Sporting se viu manietado na ligação entre os médios centro e os interiores, esteve em desvantagem no marcador e só melhorou após recorrer à largura que lhe proporcionou a alternativa do jogo exterior. Cá em casa, o ritual também foi repetido, entre picos de tensão a cada perda de bola nossa, mudanças estratégico/supersticiosas de sofá (o treinador de bancada e seus alhos à Oliveira...) e um desfibrilador sempre por perto não fosse a coisa no fim vir a dar galo.

 

Se a sensação de "déjà vu" esteve sempre presente como quartinho dos fundos no cognitivo dos Sportinguistas, a atenção imediata virou-se para a diversidade e plasticidade das formas geométricas que evoluiam no relvado, cuja riqueza merece o desenvolvimento que espero não Vos vir a maçar. Assim, se o Sporting iniciava a construção através de um pentágono formado por 3 centrais e 2 médios-centro, o Gil respondia com um triângulo que circunscrevia os nossos médios. E como muitas vezes os leões procuravam conduzir a bola pelo meio, a equipa de Barcelos, ciente de que Antunes dava pouca profundidade pelo lado esquerdo e como tal não era um factor de risco, fazia deslocar interiormente o seu avançado do lado direito para formar então um quadrado de pressão a emparedar a defesa e linha média leoninas. Já o avançado do lado esquerdo tinha uma outra missão: encostar à ala e assim procurar travar a progressão de Porro, de forma a que a linha de 5 defesas gilistas não afundasse no terreno e pudesse apertar por dentro quaisquer espaços entre-linhas que Pote, Paulinho ou Nuno Santos pretendessem explorar. Com tudo isto, a nossa circulação estagnou, reatando-se apenas nos fugazes momentos em que Matheus Nunes quebrava linhas de pressão em posse e combinava com o pivô do ataque ou que Porro conseguia fugir ao estrangulamento imposto no corredor e entrar em diagonais para o centro com o intuito de aplicar o seu forte remate. Para além de curto, este fluxo revelar-se-ia também ineficaz, porque Paulinho era apanhado em fora de jogo ou escorregava no momento da recepção da bola após o desequilíbrio estar criado, ou na medida em que não se pode esperar que pontapés de 30 metros entrem em todos os jogos. Para piorar a situação, se de uma perda de bola de Palhinha resultou um primeiro aviso que se consubstanciou numa dupla-oportunidade no mesmo lance para os gilistas, à segunda o Gil Vicente marcou mesmo depois de Feddal não ter alinhado por Coates e Antunes se ter esquecido de acompanhar a progressão do japonês que literal e lateralmente lhe "fugiu de moto" (Fujimoto). Com tudo isto, o Sporting ia para o descanso em desvantagem. Não porque a equipa não tivesse querido correr, ilusão que admito se tivesse momentaneamente instalado, mas essencialmente porque o bloqueio imposto pelos gilistas impedia que o Aston Martin leonino tivesse auto-estradas para acelerar. 

 

Na etapa complementar tudo mudou. Desde logo porque Rúben Amorim ao intervalo acrescentou largura à equipa, baixando Nuno Santos para fazer todo o corredor. Também na medida em que essa não foi a única alteração estrutural, visto que a substituição de Neto por Inácio não foi apenas uma mera troca de defesas e teve como consequência uma melhor saída de bola pelo lado direito, que criou incerteza e permitiu a Porro libertar-se mais por esse flanco. Coincidentemente, o Gil baixou bastante as linhas, não sei se por falta de ousadia ou cansaço físico (a disponibilidade nesse capítulo da nossa equipa impressiona). Com o seu avançado pela direita a ter de se preocupar em fechar a ala das investidas de Nuno Santos, aos de Barcelos começaram a faltar entreajudas no meio. O Sporting começou então a construir 20 metros à frente. A pressão intensificava-se e Matheus, que conjuntamente com Porro até estava a ser um dos melhores mas já tinha um amarelo, saiu para entrar o Bragança. Com a sua qualidade de fintar e circular em cabines telefónicas, o jovem da nossa Formação ia atraindo gilistas ao centro para depois criar superioridade numérica nas alas ou jogo entre-linhas. Acontece que a desinspiração dos nossos avançados foi adiando o golo: Paulinho (por duas vezes), TT e Pote desperdiçaram 4 soberanas oportunidades. Desesperava-se pela entrada de um jogador como Jovane que trouxesse criatividade e imprevisibilidade na área, mas Rúben optaria por mais progressão na saída de bola pela esquerda (Matheus Reis, com pouco ritmo, por Feddal) e refrescamento do meio-campo (João Mário por Palhinha). E a verdade é que acabaria por ser feliz, empatando após a ressaca de uma pouco ortodoxa bola centrada de uma zona praticamente perpendicular à baliza e ganhando o jogo na sequência de uma bola parada. Na finalização de ambas, um defesa para o efeito investido de avançado-centro, "El Gran Capitán Barba Rossa". Na sua origem, o Porro, o tal jogador que, alternativamente a Paulinho, poderia ter saído para a entrada do cabo-verdiano (nessa circustância encostando-se TT à ala como na recepção aos gilistas, jogo em que terminámos com um WM), sortilégios que expuseram a gloriosa falta de certezas de um jogo de futebol em toda a sua essência. 

 

Com esta vitória, o Sporting alargou para, respectivamente, 8 e 11 pontos a distância para Porto e Benfica. Num mundo normal isto seria um redobrado motivo de satisfação. Acontece porém que o futebol português e as suas polémicas têm um desvio-padrão significativo face à normalidade. Regressemos então à perspectiva hegeliana de que a história se repete e pensemos no caso Palhinha como a espada de Dâmocles outrora usada com êxito sobre Slimani. Aprendamos algo com isso e não nos deixemos desconcentrar. Porque, razão tem o Amorim, o foco tem de estar exclusivamente no "jogo a jogo". E só nisso. Por muito que doa a quem vá procurando semanticamente, semana após semana, novas formas (neste caso não-geométricas, mas cartesianas) de colocar a mesma pergunta: - "Lidera, logo é candidato?". Não, candidatos seremos sempre a ganhar... o próximo jogo. E, já agora, também, em casa, com umas ventosas (eléctrodos) ligadas ao Holter, a desembrulhar o desfibrilador...

 

Um bom dia para todos os Sportinguistas.

 

Tenor "Tudo ao molho...": o grande capitão Seba Coates. Já não tenho encómios e sobejam-me as emoções de cada vez que procuro descrever o apreço e gratidão que sinto pela sua conduta enquanto jogador e homem. Também ele me parece replicar os grandes capitães da nossa gloriosa história. A propósito, no fim do jogo gostei de ver o cabo(verdiano) Jovane abraçado ao seu capitão, sinal inequívoco do bom ambiente que se vive na "caserna". 

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