O filme caracteriza-se pela permanente tensão que envolve os três treinadores: Jorge Jesus, o "Mau", José Peseiro, o "Feio", e Marcel Keizer, o "Bom". Todos perseguem o pote de ouro debaixo do arco-iris, a conquista do campeonato nacional, perante uma massa associativa sedenta de vitórias e um enquadramento desfavorável no futebol português.
Jesus aparece em Alvalade como o treinador mais caro da história do clube e por larga margem, o homem que encerraria em si conhecimentos que, supostamente, o tornariam mais valioso do que uma Estrutura. Sempre hábil a chamar para si os louros nos momentos das vitórias no clube rival, logo no seu primeiro ano no novo clube (que viria a revelar-se a sua melhor época) duplica o orçamento que Leonardo Jardim e Marco Silva tiverem disponível. Não ficaria por aqui, pois no seu terceiro e último ano a conta de exploração chegaria a apresentar o triplo dos custos (com pessoal) face aos seus predecessores. "Pistoleiro" sempre pronto a esvaziar o carregador, vai exaurindo os cofres do clube com as suas renovadas exigencias, obrigando a sucessivas contratações de jogadores, muitos deles rapidamente abandonados pelo treinador e caídos em desgraça. Enquanto isso, a aposta em novos jogadores da Formação é praticamente abandonada, registando-se apenas o lançamento de Gelson Martins e de Ruben Semedo (Leonardo dera oportunidade consistente a Adrien, William, Cedric, Mané, Wilson Eduardo e André Martins, Marco reforçara-a no que respeita aos 3 primeiros e apostara convictamente em João Mário). A sua amizade com o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, incomoda, mas é a ausência de títulos e a extrema tensão superveniente que acaba por o empurrar para a porta de saída. Com ele, e embora o clube tenha aumentado os seus proveitos ordinários - fruto essencialmente do crescimento da bilhética, das receitas da Champions e do contrato de DireitosTV celebrado com a NOS - , o Sporting torna-se novamente dependente da venda de jogadores (a seu favor, as maiores vendas da história do clube) para cobrir o défice operacional, algo que inverte dramaticamente a estratégia seguida nos dois primeiros anos da gestão do então presidente Bruno Carvalho.
Envolto num clima de forte tensão política no clube, eis que chega Peseiro. Treinador mal-amado em Alvalade, devido ao campeonato e Liga Europa ingloriamente perdidos na temporada 2004/05, o coruchense procura redimir-se junto da massa associativa leonina. Desde os primeiros tempos, é notório que a proposta de futebol positivo da sua primeira passagem evoluiu agora para um cinismo mais próprio da escola italiana. O jogo agora é feio e chega a contemplar a figura dos três tristes trincos no meio-campo. Apesar disso, a equipa mantém-se próxima dos lugares da frente. No entanto, tudo se desmorona após uma inesperada derrota caseira contra um clube dos escalões secundários, a contar para a Taça da Liga. Sob pressão dos associados, o treinador não resiste e é despedido.
Eis que chega então Marcel Keizer. Sem currículo apreciável - destaca-se apenas uma passagem de meia dúzia de meses pela equipa principal do Ajax - o treinador começa por conquistar os exigentes adeptos dos leões. Sete vitórias em outros tantos jogos e um saldo de golos favorável de 22 (30 golos marcados e 8 sofridos) encantam o povo, subitamente desperto para uma radical mudança de paradigma. Keizer afirma-se aos olhos dos adeptos como o "Bom", um produto de uma escola idealista de futebol positivo, que vai vencendo barreiras levemente xenófobas e conquistando os sportinguistas e os amantes de futebol em geral. Neste período, o treinador holandês acaba com o excesso de trincos e promove um jogo posicional assente em trocas de bola a 1/2 toques, movimentos constantes de aproximação à bola, início de construção pelos centrais, laterais simultaneamente subidos, movimentos interiores dos alas e recuperação de bola em 5 segundos. Tudo isto num sistema táctico de 4x3x3. Para além disso, parece apostar em jovens. Num jogo a contar para a Liga Europa lança Thierry Correia. No seguinte, de uma assentada reforça a confiança no lateral direito e dá também oportunidades a Bruno Paz e a Pedro Marques. Os adeptos leoninos estão em delírio.
Chega então o fatídico jogo de Guimarães. Começa a sentir-se o cansaço em certos jogadores nucleares, os movimentos perdem a fluidez original. Para além disso, há erros individuais que impedem a equipa de carburar. O treinador mantém Diaby em campo os 90 minutos, ele que faz um jogo desastrado, tanto na ligação com os colegas como no momento da concretização. Exibição que viria a repetir em Tondela, novamente com consequências desastrosas. Paira agora a dúvida. Alguns dos iniciais resistentes ao treinador, que já se preparavam para meter a viola no saco, ganham um suplemento de alma. Regressa o discurso da desadaptação de Keizer, da fraqueza da sua transição defensiva, da sua exposição aos ardilosos treinadores tugas. Keizer passa num instante a ser o "Mau" e as suas convicções parecem estar a ceder perante a necessidade imediata de resultados.
Aproxima-se a Final Four da Taça da Liga e Keizer é agora um treinador mais pragmático. O Sporting sobrevive quase miraculosamente a um jogo em que foi inferior (Braga) e está na final contra o todo-poderoso Porto. No jogo decisivo, a equipa faz uma bela primeira parte, mas circunstâncias diversas adversas acabam por a empurrar para um pragmatismo assente na resiliência face a sucessivas vagas do adversário. Quando finalmente em desvantagem, consegue voltar ao jogo e acaba por vencer a competição. Keizer é agora o "Feio" - comparações são imediatamente feitas com Peseiro - , mas consegue levar para Alvalade o troféu.
Segue-se uma partida em Setúbal que faz a equipa desgastar-se em demasia, obrigada a superar-se em desvantagem numérica e no marcador. É a antecâmara da recepção ao Benfica. Entre lesões, castigos e impedimentos vários, o Sporting é batido sem apelo nem agravo. Mais do que a derrota, a imagem que fica é de uma total impotência face ao seu adversário. Uma humilhação! O ciclo ainda não terminou e há ainda uma partida para disputar na Luz, a contar para a Taça de Portugal. Teme-se nova debacle, as circunstâncias do jogo não ajudam, mas a equipa não cede, mostra que está com o treinador, e consegue voltar ao jogo e à eliminatória.
O próximo ciclo de jogos permitirá perceber melhor quem é Keizer. O treinador dos 7 primeiros jogos, a que acrescentarei os dois na Feira para as taças e a primeira parte da final da Taça da Liga com o Porto, é o "Bom". Gosto da sua ideia de futebol positivo, da fleuma com que atura jornalistas e as circunstâncias nem sempre favoráveis em que está envolta a sua profissão. Recorrendo por vezes ao sentido de humor e evitando a desculpabilização tão própria dos seus antecessores. Pode ser que este novo ciclo permita uma maior rotatividade ao plantel, que Geraldes e Idrissa possam ser convenientemente testados, que Acuña, Miguel Luís ou Montero estejam totalmente disponíveis, que jovens como Thierry possam ter finalmente uma oportunidade consistente. Está tudo nas mãos de Keizer e na sua fidelidade às suas ideias e convicções. (Ou, pelo menos, espero que não haja restrições de cima que o impeçam de escolher os melhores.) E eu espero que estas vençam. Um treinador que criou tão grande ilusão entre os sportinguistas não pode sair pela porta pequena.
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