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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

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Castigo Máximo

09
Abr20

Contos de um Leão Rampante

Ivaylo Iordanov


Pedro Azevedo

"Leão indomável"

Fato preto, camisa da mesma cor, gravata branca, quando o vi pela primeira vez, acenando a todos nós no tartan azul cinza de Alvalade, o Iordanov parecia uma reminiscência de um daqueles filmes americanos sobre Chicago no tempo da Lei Seca. A coisa para além de retro até era irónica, ou não fosse o Ivaylo proveniente de uma Bulgária que durante tantos anos foi um estado socialista de partido único, integrante da Cortina de Ferro liderada pela URSS. Mas a Perestroika e a Glasnost viriam a despertar nas pessoas o desejo de uma maior abertura política, fazer implodir o poder do Partido Comunista búlgaro e dar origem a uma revolução (pacífica) que terminou com a adopção da primeira constituição democrática desde a 2ª Guerra Mundial. Concomitantemente, deixavam também de figurar as limitações à saída dos seus principais jogadores, os quais anteriormente só podiam emigrar após os 30 anos. Grandes jogadores como Stoichkov, Lechkov, ou o nosso velho conhecido Balakov viriam a beneficiar dessas circunstâncias e o mesmo se passaria com Iordanov, acabando todos por se reunirem naquela mítica equipa búlgara que obteve um quarto lugar no Mundial de 94.  

 

A verdade é que as primeiras impressões podem ser bem enganadoras. O Iordanov era um excelente rapaz, de todos os que vi provavelmente o que melhor terá compreendido a importância daquele símbolo de leão que levou no peito durante as 10 temporadas que esteve connosco. Desde o início, o seu compromisso connosco foi total, deixando tudo no campo como trabalhador notável que sempre foi. Como tal, não admira que o apodassem de "mochilas", porque ele parecia carregar às costas o peso de toda uma nação leonina, compensando nessa entrega uma qualidade técnica menos apurada do que a de outros colegas. Quantas e quantas vezes o colectivo não funcionava, a equipa parecia amorfa, até que o Iorda pegava na bola, baixava a cabeça, cerrava os dentes e lá ia, sempre em frente, galgando metros e empolgando as bancadas. O seu estilo não era o mais ortodoxo, longe disso, mas tinha uma alma indomável de leão. Essa identificação com a nossa causa tornou-o capitão. O segundo estrangeiro da nossa história a merecer tal honraria, depois do brasileiro Vagner (campeão em 74, o ano anterior a ter envergado a braçadeira pela primeira vez) ter sido o primeiro. 

 

Se no campo ele era sempre esfusiante de vida, fora dela foi enganando a morte. Primeiro, sobrevivendo a um terrível acidente de automóvel em que fracturou a coluna, depois controlando a esclorose múltipla com que foi diagnosticado. A tudo reagiu com esperança e bonomia, raça e perseverança, continuando a treinar e a jogar quando era chamado. Mesmo após a sua retirada, um tumor nos intestinos atravessou-se-lhe no caminho. Venceu-o da mesma forma que ultrapassava os adversários.  

 

Há porém duas datas às quais o nome de Iordanov ficará para sempre ligado no meu imaginário. A primeira é o 10 de Junho de 1995, em que o Sporting venceu o Marítimo por 2-0 no Estádio Nacional e arrecadou a Taça de Portugal, quebrando um enguiço de 13 anos. O Iorda marcou os dois golos, ambos de cabeça, voando acima de dois insulares para melhor poder corresponder ao centro de Calos Xavier, ou aproveitando uma bola perdida na área. Eu estive lá e recordo-me dos golos e de o ver a celebrar no relvado com Sousa Cintra, o homem que o trouxe para o Sporting e tinha deixado de ser presidente poucos dias antes (sucedeu-lhe Pedro Santana Lopes). A segunda é o 14 de Maio de 2000, em que seguimos o Iordanov até à Rotunda após a vitória no Vidal Pinheiro que nos devolveu o título de campeão 18 anos depois. A festa foi muito bonita e mais bonita ainda ficou quando o Iorda subiu a uma grua e pendurou um cachecol na Estátua do Marquês de Pombal perante a euforia geral dos Sportinguistas que aí ocorreram. 

 

Iordanov, um campeão da vida!

iordanov.jpg

25
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Paulo Uchoa


Pedro Azevedo

"A importância de se chamar...Uchoa" (*)

 

" - `U` quê ? -, perguntará o leitor. Uchoa!

 

Paulo Uchoa realizou apenas 2 jogos pelo Sporting no campeonato de 1982/83 e, inicialmente, foi a única razão pela qual dei Graças a Deus por o ter feito, caso contrário não conseguiria alocar um nome de um jogador nosso à letra "U". Mas, à medida que fui procurando informação na internet, o mistério sobre este homem foi adensando-se e a curiosidade aumentando...

 

Passo a explicar: eu tinha memória de um jogo a que assisti no velhinho Alvalade, em que Uchoa marcou o que na altura constatei ter sido um golaço, ao Rio Ave, recebendo a bola a meio do campo do adversário, fintando um oponente com um túnel efectuado com o pé esquerdo, para depois, com o pé direito, enviar uma bomba directamente ao ângulo superior esquerdo (na projecção do nosso ataque) da baliza do estupefacto guardião vila-condense. Ora, tendo agora verificado que só realizou duas partidas e sabendo que tinha tido o privilégio de assistir a um golo seu, e que golo, quis saber mais sobre o Homem, convencido de que as escassas aparições de verde-e-branco não seriam condizentes com o seu valor futebolístico.

 

Aqui chegados, devo dizer que encontrar notícias sobre Paulo Uchoa na "net" é tarefa quase tão condenada ao fracasso como a esperança de ver pinguins a banharem-se em praias algarvias...

 

Eis, no entanto, que me deparo com a sua situação actual: 62 anos e Professor de Educação Física na Universidade do Grande Rio (Unigranrio), em Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro. Três quartos de hora de pesquisa(?) mais tarde e com a mesma persistência com que a coelha anã que ofereci à minha filhinha insiste em roer as bancadas da nossa cozinha (será que o local a qualifica como animal "doméstico"?) fez-se finalmente luz, e um nirvana se apoderou de mim: o homem é real e tem um passado no Brasil que certifica o golaço que lhe vi marcar.

 

Em 81, um ano antes de chegar a Lisboa, Uchoa foi campeão brasileiro, jogando a maior parte dos jogos a titular, como defesa direito, num time (Grémio de Porto Alegre) que tinha o mítico Emerson Leão (mundiais de 74 e 78) entre os postes, Paulo Isidoro (Mundial de 82), no meio-campo e o ex-colega de Paulo Futre no Atlético de Madrid, Baltazar, no ataque. Como se não bastasse, relegou para suplente um jogador, Paulo Roberto, que Telé Santana levaria consigo para Espanha, suplente de Leandro no escrete.

 

Aqui fica a curiosidade: o Grémio bateu na final, jogada a duas mãos, o São Paulo, treinado por Carlos Alberto Silva (esse mesmo), vencendo por 2-1, em casa, e por 1-0, fora. Uchoa foi titular no primeiro jogo (disputado em casa) e defrontou uma equipa composta pelo recém-falecido (Mundial 82) Valdir Peres (o "careca"), na baliza, Óscar (capitão da selecção de 82), na defesa, Zé Sérgio (extremo fantástico) e Serginho - titular da Canarinha em Espanha face à ausência do lesionado Careca, não o guardião, mas sim o avançado que viria a jogar no Nápoles de Maradona e não era careca -, no ataque. E ainda, Marinho Chagas, a Bruxa, o Diabo Louro, o Canhão do Nordeste, o homem vindo de Natal, dotado de fortíssimo remate, que actuava como defesa esquerdo, subia, subia, subia no terreno e depois só voltava no Natal (o outro, o Cristão) para irritação dos seus treinadores; que na estreia como profissional, por um anterior clube, o Botafogo, deu um lençol a Pelé seguido de um túnel que deixaram o Rei à beira de um ataque de nervos. Internacional e titular no Mundial de 74 (ao lado de outro Marinho, Peres, nosso velho conhecido), jogador irreverente e playboy (gabava-se de ter tido um caso com uma princesa europeia), acabaria por sucumbir ao alcoolismo...

 

Bom, este conto (?) já vai longo e, para terminar, vou dizer apenas que, apesar de António Oliveira o ter utilizado pouco, Uchoa foi jogador com estatuto no Brasil, deve ter a melhor média de golos por jogo de todos os defesas direitos da história do Sporting e safou-me a letra "U". Obrigado Uchoa, Professor Uchoa!" 

 

(*) Quando meti na cabeça este projecto de recordar antigos jogadores do Sporting através da elaboração de pequenas estórias, pensei em juntar um nome a uma letra do abecedário (k,w, y, incluídos). Se nalguns casos tive excesso de oferta de nomes face a uma determinada letra - problema resolvido, em parte, com a inclusão adicional de 2 Bolas de Ouro europeus, 1 Bola de Prata europeu, 1 Bota de Ouro (para além de Yazalde), 1 "cantinho de Antuérpia" e 1 Matador (Acosta), perfazendo um total de 32 jogadores -, quando cheguei à letra "U", engoli em seco durante horas até que me lembrei de Uchoa, o misterioso e pouco preponderante Uchoa, porque as estórias que aqui escrevo são mais do que a descrição de grandes feitos, da glória eterna. Pequenas façanhas, tristes desventuras de gente que se entregou com esforço, dedicação e devoção serão também radiografadas neste espaço.

 

paulo uchoa.jpeg

23
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Krasimir Balakov


Pedro Azevedo

"Búlgaro, mas não bulgar"*

 

"Ele rodopiava, ele saltava ao eixo entre oponentes que o apertavam, ele mantinha-se de pé, tal qual Maradona, mesmo quando carregado em falta. Ver Balakov jogar era como assistir a uma prova de 110 metros barreiras em que todos os obstáculos iam sendo fatalmente superados até à meta, o golo.

 

Assim foi certa tarde de sonho no Bonfim, quando sozinho destruiu o Vitória(?) - deixando atónita a multidão nas bancadas - pegando na bola com a sua abençoada canhota ainda no seu meio-campo (iludindo logo aí dois oponentes), resistindo posteriormente a carga dura, não cedendo miraculosamente à já antecipada queda, antes de preparar nova diabrura, com troca de pés driblando dois adversários em simultâneo(!), passando entre eles, para, de seguida, contornar o desamparado guardião da virtude vitoriana, encostando suavemente para golo com o pé direito. Um monumento! Uma bala humana com um destino certo, a baliza. Aliás, "Bala" ficaria para sempre o seu epíteto, nas "cov(as)" ficavam os que ousavam tentar contrariá-lo.

 

De vez em quando amuava e "desaparecia" do jogo, queria o contrato melhorado. Mas, regressava ao seu nível (e que nível, senhores!!). Por vezes, sebastianicamente, como naquela noite de nevoeiro feito de fumos de claques, quando disparou um míssil de pé direito(!) - sim, embora esquerdino de Ouro, não era manco do outro pé - apontado directamente ao aungulo superior esquerdo da baliza do benfiquista Silvino Louro. Bem, nesse dia, louros só para Balakov : "Que grande golo!", diria Sousa Cintra, em directo, ainda a procurar o seu lugar na Tribuna, aquando do golo madrugador que estreou uma nova forma de filmar os jogos de futebol em Portugal, com muitas câmaras e repetições de diversos ângulos, da SIC. Já para definir este búlgaro, só havia um ângulo, um encómio: genial."

*reacção de um portista ao ver Balakov jogar pela primeira vez...

balakov.png

22
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Sergey Cherbakov


Pedro Azevedo

"O Leão que veio do frio"

 

"Chama-se Cherbakov, é ex-soviético e ex-jogador de futebol. O seu último clube foi o Sporting, que o perdeu - ele também perdeu a sua carreira desportiva - devido a um estupido acidente de viação, motivado por uma noite em que, inconscientemente, arriscou tudo perder numa roleta russa de inspiração dionisíaca que o deixou paraplégico da cintura para baixo.

 

Vi pela primeira vez o Sergey jogar no velhinho Mário Duarte, em Aveiro, um acanhado campo inserido num jardim público, detalhe premonitório que anunciava o nascimento de uma bela flor do canteiro leonino.

 

A sua técnica - aliada à sua robustez e boa capacidade de remate - rapidamente me conquistou, mas ainda havia quem duvidasse...

 

Um dia, a vinte e quatro de Novembro do ano de mil novecentos e noventa e três, Cherbakov subiu ao Olimpo onde só os deuses se passeiam. Jogava-se uma partida da UEFA, em Alvalade, contra o Casino Salzburg, e o nosso Cherba apostou as "fichas" certas. O seu golo foi um "all-in" que definitivamente afastou quaisquer vozes críticas: à saída do seu meio-campo, recebeu de pé esquerdo, serpenteou pela direita, aguentou o peso do primeiro adversário sobre o seu ombro, serpenteou pela esquerda, agora suportando a carga de um segundo austríaco pelas costas, a todos fugiu, imponentemente, como se tudo fizesse parte de um plano divino já pré-definido que qualquer contrariedade apenas atrasaria, e disparou um míssil daqueles provenientes da Guerra Fria, ansioso por finalmente se libertar, explosivo, que só parou nas redes. Golo!

 

Inesquecível! Cherba começava o caminho que muitos antecipavam o ir levar à Bola de Ouro. Tinha tudo, menos tino. A Perestroika era recente, os excessos da liberdade recém-adquirida compreensíveis e ainda havia os colegas russos do outro lado da Segunda Circular...

 

Dionísio e os restantes deuses, por um momento, fecharam os olhos e a tragédia aconteceu.

 

No final, um lamento, o de Cherba ter faltado ao encontro com a sua história, aquela que começara a desenhar nas quatro linhas. Por ele e por todos nós."

Resultado de imagem para cherbakov golo ao casino salzburgo

20
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Alberto Acosta


Pedro Azevedo

"Uma última Cruzada"

 

Era uma vez um clube, mais do que um clube, uma gente, leonina no esforço, na dedicação, na devoção, que há 18 anos (des)esperava por a glória.

Era uma vez um homem, anafadito, engongado, empenado, trintão, cansado de árduas batalhas disputadas em múltiplos continentes, em França, no Japão, na Argentina e Chile.

Nos últimos dois anos, lutara por os bastiões da "(Union de) Santa Fé" e "(Universidad) Católica".

Um desafio se propunha a este herói improvável: travar uma última Cruzada em Portugal, no Sporting.

Um dia reuniram-se em Lisboa. O início não foi promissor, uma maleita (ciática) afectava o velho guerreiro. Um ano passou e Acosta (era este o seu nome) regressou à relva santa de Alvalade com o intuito de a conquistar. Tinha precisamente a idade com que Cristo morreu.

Quando vozes críticas já lhe davam a certidão de óbito, Acosta renasceu como a Fênix, qual "vento que, apesar de velho, continua a soprar".

Da Curva-Sul começaram a ouvir-se cânticos inspiradores que comemoravam as suas proezas e façanhas tamanhas. Sempre em crescendo, até aquele dia, o dia do juízo final, 18 de Março de 2000, em que um pobre e humilde Secretário sucumbiu no pé direito daquele guerreiro, daquele Matador.

A sorte da guerra mudou nessa batalha e o estandarte verde-e-branco ficou bem erguido na frente de outras tribos. Até ao final: a Batalha de Salgueiros*.

E de Salgueiros não saímos chorões, antes em Glória, e em cortejo o povo festejou a vitória das nossas cores líderadas por aquele cruzado argentino que em boa-hora nos visitou. E, em sua memória, para sempre ecoará:

"Matador, Matador, Beto Acosta, és o nosso Matador..."

 

*Salgueiros: espécie de Chorões, árvores de ramos longos e pendentes.

acosta1.jpg

19
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Samuel Fraguito


Pedro Azevedo

"MENINO DO RIO"

 

"...E lá ia ele, cabeça levantada e olhos de falcão, sempre à procura de fazer nova presa, um passe teleguiado para golo.

 

E para economia de recursos (e descanso da canhota), o pé direito a trabalhar, parte de dentro aqui, parte de fora, acoli. Quaresma? Quaresma ainda não era nascido e já ele espantava meio-mundo como o Rei das Trivelas.

 

E a multidão ululante, animada por os Vapores do Rego, jovens estudantes brasileiros que iam a Alvalade tirar a "especialização".

 

E ele - que saíra em bebé para o Brasil, donde só voltara aos 15 anos, depois de 5 anos a jogar (e ganhar) no Fluminense - a deslumbrar no relvado, ao ritmo do samba que lhe encantava o corpo.

 

E eis que ergue a batuta e toda a equipa gira à sua volta numa mágica dança que é um pagode para os olhos.

 

E o povo reza, reza para que os seus joelhos não cedam hoje - sete operações são muito mais do que a conta para um homem - porque merece ver todo o sumo extraído deste senhor jogador nascido no Douro Vinhateiro.

 

E todos na bancada recordam no seu subconsciente aquele jogo internacional em que, junto à linha de fundo, usou os pés como tenazes - o mexicano Cuauhtémoc Blanco ainda não era nascido - e golpeou a bola por cima de 2 adversários incrédulos com o que viam, para depois centrar com precisão de regúa e esquadro para Yazalde finalizar.

 

"Ecce homo"! Samuel Fraguito, o Menino do Rio, Estrela da Abobeleira, génio e homem do futebol de rua ou de praia. De Copacabana, com amor (por o "belo jogo")!"

samuel fraguito.png

18
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Vítor Damas


Pedro Azevedo

"O Leão Branco"

 

"Há um antes e um depois de Vítor Damas. Nas peladas de rua ou em terrenos baldios, nos relvados do futebol profissional.

Antes dele, quando um grupo de rapazes traquinas se juntava para "jogar à bola" ninguém queria ir à baliza. Os garotos eram Figueiredo (mais tarde, Peres) ou Eusébio, mais remotamente, Peyroteo ou Espírito Santo, mas nunca guarda-redes. Por isso, o engenho dos rapazolas criou a figura do guarda-redes avançado, limitando os danos de quem era incumbido de tão maçadora, quão castradora, missão. Mais tarde, nova engenhoca dos petizes e o "keeper" ia rodando entre todos os compinchas para não penalizar por muito tempo qualquer um deles.

Até que surgiu Damas. Como outrora dizia Comte, "tudo na vida é relativo, e isso é o único valor absoluto". Damas foi o maior porque enorme era Eusébio e vice-versa, tal "yin" e "yang", dois seres que se complementavam e davam corpo à sua existência, em que o "yin" era Damas, com a sua elegância e sapiência na baliza que transmitiam grande tranquilidade à equipa e aos adeptos, e o "yang" era Eusébio, com a sua vigorosa acção criativa digna de um Rei. Se Eusébio era o Pantera Negra (cientificamente, mutação genética de uma Panthera, designada por "melanismo", Damas era o Leão Branco ("Panthera Leo", mutação genética oposta ao melanismo, designada por "leucismo").

Quando em 9 de Novembro de 1969, Damas realizou a "parada do campeonato", ajudando o Sporting a ser campeão com uma defesa por instinto após cabeçada de Eusébio, não foi só o Pantera Negra que, já festejando de braços abertos, ficou incrédulo. O estádio inteiro "se levantou" para aplaudir, consciente de que tinha assistido a uma impossibilidade física, como se outra dimensão tivesse penetrado no nosso Sistema Planetário. Eusébio teve consciência desse momento e imediatamente, como grande desportista que era, correu a abraçá-lo, contribuindo para elevá-lo à imortalidade.

Este duelo perduraria até Eusébio "pendurar as botas", o que, acto contínuo, foi seguido por a saída de Damas do Sporting, rumo à Espanha, quiçá por falta de motivação, por sentir que o grandioso combate jamais se repetiria.

Assim acabariam 9 anos de expoente máximo, de fábula, de encantamento, embora Damas ainda tenha regressado, anos depois, para cumprir 5 boas épocas.

Outro momento de Ouro, viveu-o em Wembley, ao serviço da Selecção Nacional, em 20 de Novembro de 1974, aguentando estoicamente, com 6 grandes defesas, um empate a zero do Portugal "dos pequeninos" (Octávio, Alves, Osvaldinho,...) contra os super-favoritos ingleses. Uma dessas defesas ficou conhecida nos "media" britânicos como "a defesa do Século " (Vídeo abaixo) e foi mais ou menos assim: perda de bola na esquerda da nossa defesa, por Osvaldinho, contra-ataque inglês, bola em Gerry Francis, isolado na área, pela direita, simulação de remate e cruzamento para trás onde apareceu David Thomas a encostar, a meia altura, para a baliza deserta (Damas ficara a tapar o primeiro poste e a hipótese de remate). Eis que surge então Damas, felino, o Leão Branco, em extensão inimaginável, a sacudir a bola na exacta projecção dos postes perante a descrença do jogador inglês.

Com a emergência de Damas, nas peladas, em balizas improvisadas com malas da escola, já todos queriam ser Damas e imitar o ídolo, o mito, a sua elegância, agilidade, elasticidade, diria até, plasticidade entre os "postes".

E nos relvados do futebol profissional, todos os guarda-redes se inspirariam nele, herdando o seu estilo proactivo em detrimento de uma doutrina antiga mais reactiva, passando a ser mais intuitivos, instintivos e antecipativos, tentando adivinhar o movimento do avançado adversário.

Que saudades de ver Vítor Damas, o Eusébio do Sporting nas sabias palavras de outro grande, Carlos Pinhão. Devido a ele, eu também FUI, SOU e SEREI DAMAS."

vitor damas.jpeg

16
Jan19

Contos de um Leão Rampante - Hector Yazalde


Pedro Azevedo

"Um anjo com cara de índio"

 

"O menino permanecia imóvel, como que hipnotizado, diante do imponente Blaupunkt com gravador de bobines, gira-discos e, mais importante, rádio de válvulas onde se podia ouvir a BBC. Nesse dia, 31 de Março de 1974, o rádio não estava sintonizado na popular estação britânica, mas sim na Emissora Nacional. A dupla Fernando e Romeu Correia relatava um Sporting-Benfica, o último derby antes da Revolução de Abril, e a vibração da sua narrativa exercia um magnetismo ímpar no menino.

Eram 15h08 e Portugal inteiro parou: os locutores tentavam descrever, ainda incredulos, o que haviam presenciado. Hector Yazalde, o anjo com cara de índio, desafiara o impossível, qual cavaleiro alado mergulhara em voo rasante entre os pés do Monstro Humberto e do intratável Barros e, a vinte centímetros do solo, cabeceara (!) a bola na direcção da baliza. Golo!

O jogo continuaria, mas já não seria o mesmo. Naquele momento, ao minuto 8, os espectadores no Estádio sentiram-se recompensados por anos de "idas à bola". Yazalde ainda voltaria a marcar e o Benfica até acabaria por ganhar, mas o Jogo, esse, terminara há muito.

A última aparição pública de Marcelo Caetano (Abril estava mesmo ali), a ovação tremenda e, ver-se-ia, tão enganadora, foi simplesmente olvidada, menosprezada. O momento era de Yazalde, o corajoso e temerario Chirola, o Homem que nunca esquecera as suas origens humildes e que sempre que saía de um treino, presenteava todos os jovens desfavorecidos que o abordavam com tudo o que tinha nos bolsos, entretanto previamente provisionados, o colega que, uns meses depois, quando lhe atribuíram um Toyota, como prémio pela Bota de Ouro europeia, decidiu vender o automóvel e distribuir o dinheiro que daî resultou, equitativamente, por todos os colegas de equipa.

Nesse dia, todos queriam ser Yazalde, até os políticos e os capitães queriam ser Yazalde e Yazalde deixou de ser humano para se tornar um mito em Alvalade, génio impulsionado pela sua musa, a bela Carmén, a quem um dia Beckenbauer, no Lido de Paris após a cerimónia de entrega do Bota de Ouro, disse ser a mais bela de todas as mulheres de jogadores de futebol.

E, o menino? O menino imaginava aquele momento do golo, a ousadia do dianteiro, o espanto dos defesas, o desespero do guarda-redes José Henrique, o Zé Gato, que nesse transe perdera a última das suas sete vidas, sendo substituído ao intervalo por Manuel Galrinho Bento (esse mesmo). E o menino sonhava com isto tudo, estado que se prolongou por todo o Domingo.

No dia seguinte, vestiu a mítica camisola verde-e-branca, com o número 9 cosido nas costas (comprada na Casa Senna), bola na mão, e abalou a caminho da escola, confiante de que a partir daí, nada na sua vida seria impossível de alcançar. Aprendera com o melhor..."

(publicado anteriormente pelo autor no blogue "És a nossa Fé")

hector yazalde.jpg

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