Contos de um Leão Rampante
Ivaylo Iordanov
Pedro Azevedo
"Leão indomável"
Fato preto, camisa da mesma cor, gravata branca, quando o vi pela primeira vez, acenando a todos nós no tartan azul cinza de Alvalade, o Iordanov parecia uma reminiscência de um daqueles filmes americanos sobre Chicago no tempo da Lei Seca. A coisa para além de retro até era irónica, ou não fosse o Ivaylo proveniente de uma Bulgária que durante tantos anos foi um estado socialista de partido único, integrante da Cortina de Ferro liderada pela URSS. Mas a Perestroika e a Glasnost viriam a despertar nas pessoas o desejo de uma maior abertura política, fazer implodir o poder do Partido Comunista búlgaro e dar origem a uma revolução (pacífica) que terminou com a adopção da primeira constituição democrática desde a 2ª Guerra Mundial. Concomitantemente, deixavam também de figurar as limitações à saída dos seus principais jogadores, os quais anteriormente só podiam emigrar após os 30 anos. Grandes jogadores como Stoichkov, Lechkov, ou o nosso velho conhecido Balakov viriam a beneficiar dessas circunstâncias e o mesmo se passaria com Iordanov, acabando todos por se reunirem naquela mítica equipa búlgara que obteve um quarto lugar no Mundial de 94.
A verdade é que as primeiras impressões podem ser bem enganadoras. O Iordanov era um excelente rapaz, de todos os que vi provavelmente o que melhor terá compreendido a importância daquele símbolo de leão que levou no peito durante as 10 temporadas que esteve connosco. Desde o início, o seu compromisso connosco foi total, deixando tudo no campo como trabalhador notável que sempre foi. Como tal, não admira que o apodassem de "mochilas", porque ele parecia carregar às costas o peso de toda uma nação leonina, compensando nessa entrega uma qualidade técnica menos apurada do que a de outros colegas. Quantas e quantas vezes o colectivo não funcionava, a equipa parecia amorfa, até que o Iorda pegava na bola, baixava a cabeça, cerrava os dentes e lá ia, sempre em frente, galgando metros e empolgando as bancadas. O seu estilo não era o mais ortodoxo, longe disso, mas tinha uma alma indomável de leão. Essa identificação com a nossa causa tornou-o capitão. O segundo estrangeiro da nossa história a merecer tal honraria, depois do brasileiro Vagner (campeão em 74, o ano anterior a ter envergado a braçadeira pela primeira vez) ter sido o primeiro.
Se no campo ele era sempre esfusiante de vida, fora dela foi enganando a morte. Primeiro, sobrevivendo a um terrível acidente de automóvel em que fracturou a coluna, depois controlando a esclorose múltipla com que foi diagnosticado. A tudo reagiu com esperança e bonomia, raça e perseverança, continuando a treinar e a jogar quando era chamado. Mesmo após a sua retirada, um tumor nos intestinos atravessou-se-lhe no caminho. Venceu-o da mesma forma que ultrapassava os adversários.
Há porém duas datas às quais o nome de Iordanov ficará para sempre ligado no meu imaginário. A primeira é o 10 de Junho de 1995, em que o Sporting venceu o Marítimo por 2-0 no Estádio Nacional e arrecadou a Taça de Portugal, quebrando um enguiço de 13 anos. O Iorda marcou os dois golos, ambos de cabeça, voando acima de dois insulares para melhor poder corresponder ao centro de Calos Xavier, ou aproveitando uma bola perdida na área. Eu estive lá e recordo-me dos golos e de o ver a celebrar no relvado com Sousa Cintra, o homem que o trouxe para o Sporting e tinha deixado de ser presidente poucos dias antes (sucedeu-lhe Pedro Santana Lopes). A segunda é o 14 de Maio de 2000, em que seguimos o Iordanov até à Rotunda após a vitória no Vidal Pinheiro que nos devolveu o título de campeão 18 anos depois. A festa foi muito bonita e mais bonita ainda ficou quando o Iorda subiu a uma grua e pendurou um cachecol na Estátua do Marquês de Pombal perante a euforia geral dos Sportinguistas que aí ocorreram.
Iordanov, um campeão da vida!