De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.
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O ciclista português João Almeida assumiu hoje a liderança da Volta à Catalunha após se ter classificado em 3º lugar no contra-relógio da segunda etapa. Depois de ter surpreendido meio mundo com o 4º lugar final e liderança prolongada do Giro de 2020, João Almeida vem confirmando este ano as boas indicações dadas no ano anterior, sendo de destacar o seu 3º lugar no Emirates Tour e a 6ª posição obtida no prestigiado Terreno-Adriatico. Tanto na Grande Volta italiana como nas supracitadas competições que disputou esta ano havia mostrado toda a sua categoria na "prova da verdade" (C/R), o que confirmou em todo o esplendor hoje ao ser apenas batido pelos especialistas Rohan Dennis (vencedor, Ineos) e Remi Cavagna (2º classificado e seu colega da Deceuninck-Quick Step). Na classificação geral, Almeida enverga agora a camisola verde (símbolo da líderança nesta volta) que acumula com a camisola branca (Juventude), exactamente o mesmo tempo do americano Brandon McNulty (desempate por décimos de segundo). O campeão espanhol Luis Leon Sanchez é o terceiro, seguindo-se os tubarões Steven Kruijswijk, Richie Porte e Adam Yates. Geraint Thomas, já vencedor do Tour, está na 8ª posição. Amanhã corre-se a 3ª etapa, muito exigente, com uma chegada em alto (2125m) a Vallter 2000/Setcases (Vall Camprodon).
João Almeida é apenas o segundo português a liderar uma edição da Volta à Catalunha. O primeiro foi José Martins, um antigo ciclista da Coelima, contemporâneo de Joaquim Agostinho, que no mesmo pelotão do nosso Campeoníssimo completou alguns Tour de France.
Quarto lugar no Giro, terceiro no Emirates Tour, agora sexto no Tirreno- Adriatico. E tudo com apenas 22 anos. Quatro décadas depois das façanhas de Joaquim Agostinho no Tour, voltamos a ter um português na luta pelo pódio das grandes voltas. Com a sua idade ou mais novos apenas Pogacar (uma certeza) e Evenepoel (a confirmar ainda em 3 semanas) criam mais ilusão. Bota lume, João!
P.S. Atrás na classificação geral ficaram "só" estes nomes: 8. Romain Bardet, 9. Vincenzo Nibali, 10. Simon Yates, 11. Marc Soler, 12. Nairo Quintana.
O Sporting deve muito da sua implantação popular ao ciclismo. Era um tempo em que o país não tinha grandes infraestruturas, os acessos às principais metrópoles faziam-se com grande dificuldade, não havia televisão e as notícias do Sporting chegavam ocasionalmente via rádio ou através dos jornais. Mas faltava aquela ligação emocional que decorreria de ver as cores verde-e-brancas ao vivo. Com o ciclismo, e nomeadamente com o advento da Volta a Portugal em bicicleta, o Sporting passou a bater à porta de toda a gente, no litoral como no interior. Ainda não havia um movimento migratório para a capital tão pronunciado como nos dias de hoje, pelo que os ciclistas enfrentavam verdadeiros banhos de multidão nas diversas regiões do país. Disso se fez muito do fascínio pelo clube.
O nosso primeiro grande campeão foi Alfredo Trindade. Para apimentar ainda mais a coisa, o Benfica também tinha por esse tempo um ciclista de grande valor (José Maria Nicolau), pelo que Sporting e Benfica viriam a colher um aumento da sua base de adeptos na directa proporcionalidade da rivalidade que se foi semeando entre ambos os ciclistas. Terminados os anos 30, a década seguinte trouxe-nos mais 2 campeões: José Albuquerque, "o Faísca", e Francisco Inácio. A década de 50 foi de seca para o ciclismo leonino, período dominado por dois grandes campeões do norte, Ribeiro da Silva (Académico) e Alves Barbosa (Sangalhos), ambos com presenças relevantes em grandes voltas internacionais (4º lugar de Ribeiro da Silva na Vuelta, 10ª posição de Alves Barbosa no Tour). Chegámos então aos anos 60, o nascimento de um grande campeão. O Sporting começara por ganhar a Volta com João Roque. Este, habituado a treinar na zona saloia, um dia deparou-se com um jovem montado numa pasteleira que ia respondendo ao seu progressivo aumento de ritmo sem mostrar sinais de dificuldade. Intrigado, acabou por o convidar para um treino em Alvalade. Nascia assim a lenda de Joaquim Agostinho, começo tardio para um homem na altura nos seus 25 anos e que não tinha técnica velocipédica. Porém, o que faltava em formação específica compensava em força bruta, tal era a potência em watts que o seu corpo conseguia desenvolver. Com estas características singulares, Agostinho viria a marcar um reinado em Portugal. Logo na sua primeira Volta, em 68, perdeu a vitória final apenas porque a equipa investiu até tarde demais em Leonel Miranda como chefe-de-fila. Resultado: Américo da Silva (Benfica) ganhou e Miranda fez só terceiro. Agostinho terminou em segundo. No ano seguinte viria a vencer, tal aliás como nos 4 anos seguintes. Porém, tanto no primeiro como no último ano seria desclassificado. Não que alguma vez tivesse precisado de doping, tão claro era o seu domínio. A comprová-lo, o 8º lugar na estreia no Tour (69), a melhor classificação até aí de um ciclista português na mítica prova francesa. 1973 viria a marcar a sua despedida da Volta, mas o Sporting muito lhe pode agradecer o fortíssimo crescimento de adeptos em zonas como Loures, Malveira e Torres Vedras, tornando a zona a noroeste de Lisboa um baluarte de Sportinguismo.
Pós-revolução o Sporting terminou e fez regressar a secção de ciclismo em diversas ocasiões. O período mais brilhante terá sido aquele em que Marco Chagas venceu por duas vezes a Volta (85 e 86), uma pequena compensação para a tristeza vivida por todos os Sportinguistas aquando do falecimento de Agostinho, o campeão que voltou e acabou por em circunstâncias trágicas cair de pé, morrendo de amarelo vestido.
Infelizmente, o ciclismo de hoje em Portugal não atrai público como no passado. Existem diversas razões para isso, desde o despovoamento do interior à concorrência de outros eventos desportivos, passando pela ausência de um grande e carismático campeão no pelotão nacional e não-participação dos melhores ciclistas do pelotão internacional nas nossas provas (excepto Volta ao Algarve). Curiosamente, o ciclismo internacional não para de crescer mediaticamente, com a televisão a cumprir um importante papel de divulgação da modalidade e a apresentar-nos imagens apaixonantes das mais importantes etapas de montanha das grandes voltas velocipédicas. No entanto, não deixamos de assistir à festa que as pessoas continuam a fazer na estradas.
Sendo o nível do ciclismo praticado em Portugal relativamente baixo, é natural que algum desinteresse se tenha apoderado junto dos aficcionados. Daí o menor impacto mediático. Ainda assim é justo destacar que Raul Alarcon, do W52/FC Porto, por anomalias registadas no seu passaporte biológico foi desclassificado como vencedor da Volta a Portugal de 2018. Assim, Joni Brandão, do Sporting/CC Tavira, será declarado brevemente vencedor dessa edição, obtendo assim a 10ª vitória individual do ciclismo do Sporting na prova maior do calendário velocipédico nacional. Um triunfo a título póstumo dir-se-á, no que concerne estritamente ao ciclismo do Sporting (que o Joni Brandão felizmente está de boa saúde).
Não existem clubes de primeiro plano no futebol em competições velocipédicas. Há uma boa razão para isso e prende-se com as elevadas verbas que já são necessárias para manter uma equipa no World Tour. Obviamente, os resultados obtidos e a exposição em frente das câmaras traz retorno, mas esse é muito mais facilmente mesurável para uma empresa do que para um clube. Ainda assim, que não seja essa a razão. No meu entendimento o Sporting só deve voltar ao ciclismo caso consiga montar um orçamento apoiado em fortes patrocinadores que nos permita competir no estrangeiro e mostrar a nossa camisola nos ecrãs do Eurosport, canal preferencial do melhor ciclismo que se pratica no mundo. Só assim simultaneamente se dará retorno a quem investe e se cumprirá o desígnio do nosso fundador de ter o clube entre os maiores da Europa Adicionalmente, será necessário que as melhorias que se vêm verificando na formação de ciclistas em Portugal continuem a bom ritmo de forma a podermos ter um recrutamento em qualidade no país e com um preço ainda acessível. Trinta e seis anos após a morte de Agostinho, finalmente apareceu um ciclista especialista em provas de 3 semanas. Chama-se João Almeida e é a grande esperança de todos os amantes do ciclismo em Portugal. Sonhamos vê-lo a competir com os canibais Roglic e Pogacar e a subir aos degraus de pódio nos grandes certames por etapas. A loucura que por cá se viveu aquando da sua participação no Giro d'Itália foi a prova inequívoca de que a paixão pelo ciclismo não morreu, está bem viva. Falta tudo o resto.
Eu sei, é o quarto Post que faço sobre João Almeida, mas o ciclista português está cada vez mais perto de realizar um dos maiores feitos de sempre do desporto nacional. Amanhã será o Dia D para o João no Giro de Itália. A cumprir a sua terceira semana numa grande volta, o ciclista português está em território inexplorado. Não só é estreante nestas andanças velocipédicas como não se saberá de que forma o seu corpo reagirá à acumulação de tantos quilómetros. As grandes competições por etapas - Tour, Giro e Vuelta - são essencialmente provas de endurance que privilegiam ciclistas com muitos Kms nas pernas, pelo que geralmente o pico deste tipo de atletas atinge-se por volta dos 30 anos. Ora, o nosso João Almeida só tem ainda 22 anos e está no Giro somente devido ao incidente que afastou Renko Evanpoel, o jovem prodígio belga que estava destinado a ser chefe-de-fila da Deceuninck-QuickStep nesta prova. Ao mesmo tempo, enfrenta (Ca)Nibali, o italiano que já venceu as 3 Grandes Voltas, e o compatriota deste, o ainda mais veterano Domenico Pozzovivo. Mas não só destes tricolores transalpinos se faz a concorrência. O holandês Wilco Kelderman, segundo na geral a magros 17 segundos, e os jovens lobos Hindley (australiano) e Geoghegan Hart (americano) parecem especialmente ameaçadores sempre que a estrada empina.
Numa volta com estas características não pode haver um dia mau. A regularidade é importantíssima, a experiência também, a gestão do desgaste idém. Conseguirá o João levar a rosa até ao fim? Sobre isso tenho sentimentos contraditórios. Por um lado, o desgaste que sofreu na etapa de Domingo, sozinho durante 7 Km, exposto ao vento, sem ninguém para o ajudar - Masnada, seu colega de equipa, pela segunda vez, optou por seguir na roda e gerir a sua corrida em vez de num último esforço procurar cobrir o espaço que a Sunweb conseguiu abrir para o João - constituiu o tipo de erosão que geralmente se paga mais tarde com juros numa grande volta. Por outro, bastante mais animador, os sinais que ficam do João após os dias de descanso: tal como na segunda semana, nesta terceira semana do Giro o João apareceu renascido como a fénix, de cambaleante no Domingo para desafiante de toda a concorrência na terça-feira. Adicionalmente, hoje não deu um sinal fraqueza numa etapa em que os ciclistas tiveram de ultrapassar 3 contagens de montanha de 1ª categoria e uma de 3ª.
Amanhã há uma etapa muito importante do Giro, dir-se-ia a etapa rainha da prova. Classificada como de 5 estrelas, a ligação entre Pinzolo e Laghi di Cancano (207 Km) contém 1 contagem de montanha de 2ª categoria logo a abrir (Km 14), duas montanhas de 1ª categoria (Km 66 e Km 207), a última a coincidir com a meta, e ainda um prémio de montanha de categoria extra situado ao Km 169 em que os corredores ascenderão até aos 2758 metros. Com todas estas dificuldades, não será de admirar que provoque diferenças entre os principais competidores que ajudarão a definir a classificação final. Sendo o Giro uma prova por eliminação progressiva, seria importante e moralizador para João Almeida continuar a resistir no primeiro lugar da classificação geral. Se o conseguir, acredito que ultrapassará também bem o dia de Sábado, a última grande etapa montanhosa do Giro que se disputará na véspera do final desta grande competição velocipédica, a qual se concluirá com um contra-relógio de 15,7 Km com chegada a Milão. Aconteça o que acontecer, os momentos que o nosso jovem ciclista tem vindo a protagonizar já não poderão ser apagados da nossa memória, entrando num tipo de registo por nós não vivido desde os tempos do saudoso Joaquim Agostinho. Ao mesmo tempo desafiando todos os peritos, probabilidades e casas de apostas. O milagre já esteve mais longe de acontecer, mas seja como for ninguém tirará a João Almeida o epíteto de heroi improvável desta edição do Giro. Força no pedal, João!
P.S. Resultou no fim de semana passado, pelo que o fundo deste blogue permanecerá com o fundo rosa em homenagem ao João Almeida enquanto este for líder da classificação geral do Giro. Esperamos que tal possa acontecer até ao final do dia de Domingo.
Bem sei, a Covid: crise, incerteza, desemprego, solidão dos mais idosos, sofrimento, morte... "La vie en rose" só mesmo no Giro. Obrigado, João Almeida! (O nosso placebo.)
... E que amanhã também possamos ver "la vie en vert"...
Gosto muito de ciclismo e sou um grande fã das grandes voltas velocipédicas (Giro, Tour e Vuelta), em especial das suas etapas de alta montanha. Vivenciei o ocaso de Merckx e a emergência de Hinault, os duelos entre Fignon e Lemond, o domínio de Indurain e a ascensão e queda de Armostrong. Nesse sentido, a edição deste ano do Giro não me tem passado ao lado. Hoje, Castigo Máximo surgirá durante o dia com um fundo rosa em homenagem a João Almeida, ciclista português que acaba de igualar o recorde de Joaquim Agostinho do ciclista português que mais dias se manteve na liderança de uma grande Volta. Deste modo, realçar o feito de João Almeida é também evocar o "Tino de Brejenjas", o melhor ciclista luso de todos os tempos e grande vulto da história do nosso Sporting Clube de Portugal. Acontece que Agostinho, para além de dois pódios consecutivos no Tour, liderou durante 5 dias a Vuelta de 74, corrida que haveria de perder por apenas 11 segundos para o espanhol José Manuel Fuente entre acusações de erro dos cronometristas. Ora, com o fim da etapa de hoje (a 8ª da prova), João Almeida, ciclista de apenas 22 anos, termina assim o seu quinto dia consecutivo na posse da "maglia rosa", a camisola que distingue o líder do Giro de Itália, uma competição inspirada pelo jornal Gazzetta dello Sport que é célebre pela sua impressão em papel cor de rosa. A fazer a sua primeira grande volta, o ciclista das Caldas da Rainha é a mais recente esperança de Portugal voltar a ter um especialista em provas de 3 semanas. É certo que até já tivemos um campeão do mundo, Rui Costa, mas o ciclista que actualmente representa a UAE nunca mostrou a necessária resistência em provas longas. Característica, aliás, que ninguém pode jurar que João Almeida tenha, na medida em que nunca foi testado em competições que durassem para lá de 1 semana. Ainda assim, a liderança do Giro fica-lhe muito bem e será bonita enquanto durar. Parabéns ao João, eterno saudade pelo Agostinho.
Faz hoje 35 anos que morreu Joaquim Agostinho, o maior ciclista português de todos os tempos. Descoberto pelo também ciclista João Roque numa prova popular disputada em Barro, que venceu com 1 volta de avanço sobre o segundo classificado, foi imediatamente convidado para ingressar no Sporting. Já tinha 25 anos e ele próprio não tinha grandes ambições, mas logo na sua 1ª Volta a Portugal (1968) acabou em segundo lugar, compensando a falta de tecnica em cima da bicicleta com uma potência (força multiplicada pela velocidade) de pedalada incrível. Não era chefe-de-fila e a aposta da sua equipa era em Leonel Miranda, o qual acabaria por não ganhar (3º). Esta indefinição terá custado a Agostinho a sua primeira vitória na prova máxima do ciclismo nacional. Nos 5 anos seguintes, entre 1969 e 1973, venceu todas as edições da Volta a Portugal. Desclassificado, já depois de terminadas as provas, em 69 e 73, reteve os triunfos nos outros anos. Na primeira vitória que lhe foi homologada, em 1970, bateu a concorrência por mais de 7 minutos de diferença.
Mas foi na Volta a França que o seu nome se tornou maior. Logo na estreia, emprestado pelo Sporting à Frimatic, de Jean de Gribaldy, obteve um oitavo lugar final, cometendo ainda a proeza de vencer duas etapas, a primeira com chegada a Mulhouse, a segunda em Ravel. No total, viria a atingir por oito vezes uma posição entre os 10 primeiros da melhor volta do mundo, tendo terminado no pódio (3º lugar) em dois anos consecutivos (1978 e 1979). Nesse último ano ganhou a mítica etapa do Alpe D`Huez que pode vêr no vídeo abaixo, com 3 minutos e 17 segundos de diferença para Bernardo Hinault e Joop Zoetemelk, os ases do pelotão na época. Ciclista muito popular, carinhosamente tratado por Tinô pelos gauleses, destacava-se pelas suas prestações na montanha e nos contra-relógios. Fora da estrada, as suas conversas de rescaldo de cada etapa com Carlos Miranda do jornal "A Bola" faziam as delícias dos amantes do ciclismo e do bem escrever em português (em rodapé, a conversa com o referido jornalista após a vitória em Ravel, 1969).
Também viria a brilhar na Volta a Espanha, tendo-se classificado em 2º lugar na Vuelta de 74, a escassos 11 segundos de José Manuel Fuente, algo que na época motivou grande controvérsia, com acusações de que os cronometristas teriam ajudado o espanhol a triunfar.
Regressado a Portugal, com o intuito de levar o Sporting a correr a Volta a França de 84, acabaria por falecer na sequência de um acidente causado por um cão que atravessou a estrada durante a realização da Volta ao Algarve. Por ironia do destino, morreu da mesma forma que viveu a maioria do seu tempo no Sporting: de amarelo vestido, pois liderava a volta algarvia naquele momento fatídico.
Joaquim Agostinho, "O Maior", morreu há 35 anos. Mas continuará a viver entre nós como um dos maiores símbolos de sempre do Sporting Clube de Portugal.
À conversa com Carlos Miranda (notável noção do "tempo" certo deste jornalista, que nos envolvia na narrativa como se estivessemos dentro da corrida):
- Aquilo vinha tudo a passo de caracol...
- E o Agostinho resolveu fugir?
- Não, senhor. Nunca me passou tal coisa pela cabeça. Eu vinha muito bem dentro do pelotão, vinha sossegado. Queria sossego, estava tudo dito...
- Mas, afinal...
- Ainda havia outro motivo para que não pensasse em fugir... Dentro daqueles primeiros quilómetros da etapa. tinham-se registado várias tentativas, vários ataques, haviam fulanos que queriam sair. Pois logo que isso acontecia, os belgas da equipa de Eddy Merckx [5 vezes vencedor do Tour] iam buscá-los. Pensei cá para comigo: isto hoje está mau. Ninguém tem ordem para fugir.
- Mas acabaram por sair...
- Claro, houve uma altura em que o grupo atacou. Como aconteceu estar bem colocado, fui com eles.
- Era o princípio...
- A fuga, no entanto, estava condenada a não dar nada. Porque andámos uns seis ou sete quilómetros com o pelotão sempre à vista. Sabe como são estas coisas... Quando um fulano não consegue, logo de entrada, distanciar-se, quando o pelotão se conserva sempre à vista, não há nada a fazer...
- Nesse caso...
- Os sujeitos que iam comigo resolveram abrandar e esperar pelo pelotão. Mas houve uma coincidência...
- Qual foi?
- Isso aconteceu precisamente na altura em que era a minha vez de ir para a frente marcar o passo... E eu impus um andamento forte, bastante forte. Nessa altura, não sei o que sucedeu...
- ...
- Das duas uma: ou os outros fulanos não aguentaram o andamento que eu impus ou o pelotão estava a menos de trezentos metros e eles resolveram não prosseguir no esforço...
- Fosse como fosse...
- Fosse como fosse, quando olhei para trás, estava sózinho. Então, ainda carreguei mais nos pedais. Dei tudo o que podia, mas a verdade é que o pelotão continuava à distância. Tive a sorte, então, de apanhar umas curvas. Empreguei-me a fundo, no sentido de me distanciar do pelotão. A coisa correu-me bem. Porque, cinco quilómetros depois, eu já tinha cerca de dois minutos de avanço.
- Surgia a perspectiva de ganhar a etapa...
- Bem, nessa altura pensei que a coisa podia suceder.
- Tinha conhecimento de que tinham saído mais dois ciclistas atrás de si?
- Pois sabia. Mas ia calmo, sabe?
- Porquê?
- Ora, porque aquele desejo de ganhar uma etapa já tinha passado. Quando foi em Mulhouse é que sofri que me fartei com a ideia que me podiam apanhar. Agora as coisas eram diferentes: eu só tinha que dar tudo o que podia, andar para a frente. Se visse que eles vinham em cima de mim, que estavam quase a apanhar-me, aguentava e esperava por eles.
- Esta vitória acabou por ser mais fácil do que a primeira...
- Claro. Não tive, como da outra vez, aquela perseguição movida pelo Merckx e pelo Gimondi [campeão italiano, ganhou as 3 voltas mais importantes], mas isso não quer dizer que não tenha tido dificuldades...
- A principal...
- O vento. Um fulano andar sózinho, açoitado pelo vento, é qualquer coisa de deixar um homem bem atrapalhado. Foi o diabo... [Nos derradeiros quilómetros, Agostinho ainda conseguiria aumentar o seu avanço, demonstrando ser um corredor com muita força.]
E assim, naquele seu jeito de quem não quer a coisa, Agostinho lá ganhou mais uma etapa de uma das maiores competições desportivas do Universo. Na sua estreia!
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