Para mais tarde recordar(*)
Pedro Azevedo
Numa cadeira situada no A24, um homem contempla, ao fim da tarde, a silhueta dos seus consócios dispostos pela bancada poente oposta.
Dada a hora, no relvado já se reflecte a sua sombra.
Muitos dos consócios, sentados em frente de si, brevemente irão partir. Ao amanhecer fartar-se-ão do maniqueísmo, do niilismo, das bravatas e da guerra e não voltarão. E a sombra, sua companheira de viagem, também irá com eles e com eles desaparecerá.
Mas ainda é fim da tarde. O homem busca um pedaço de papel e nele desenha o contorno da sombra.
Esses traços não irão partir.
Não festejarão em uníssono, e ele sabe-o. Mas não irão partir.
(*) Adaptação livre do conto "A arte de desenhar-te", de Eduardo Galeano