Jogar à bola sem bola
Pedro Azevedo
Vejo muitos treinadores adversários a esfregar as meninges de preocupados com a forma como o Sporting joga. Aparentemente, segundo eles nas suas alocoções públicas, não há relação directa entre o que a nossa equipa produz e os resultados, pelo que a explicação para a derrota é sempre o erro individual, a falta de eficácia ou o azar dos seus jogadores. Ora, eu penso que é extremamente fácil tipificar a forma como o Sporting joga. E de condicionar, também. Basta tamponar os médios ao centro e fechar nas alas. O Gil fez isso. Porém, na minha modesta opinião, o segredo não está na forma como o Sporting joga, mas sim na forma como o Sporting joga... sem bola. A forma como leva o adversário para certos terrenos que lhe são desfavoráveis e escolhe onde, quando e como pressionar. E as movimentações dos vários jogadores envolvidos no processo de recuperação de bola/preparação da transição ou ataque rápido. Por isso, o mérito desta equipa do Sporting vai muito para além daquilo que joga e está mais associado àquilo que os jogadores correm. Não correndo por correr, à toa, mas correndo bem, com um propósito. Encurtando espaços rapidamente quando sem bola e alargando o campo, procurando o espaço, sempre que a bola é conquistada, o que exige sucessivos sprints e óptima condição física. E quando finalmente em posse ou ataque organizado, sabendo interpretar melhor do que os outros o seguinte princípio que tem previamente interiorizado: não é o jogador que tem a bola que determina o passe, mas sim aqueles que se desmarcam constantemente e oferecem linhas por onde a bola pode chegar. Não são princípios intangíveis, o que é difícil é ter jogadores com a disponibilidade para o jogo como aqueles que Rúben Amorim soube escolher. O mérito deve ser dado a quem o tem, nomeadamente a quem tem sabido traduzir complexidade em simplicidade. É que pode até parecer fácil, mas há muito trabalho por detrás deste Sporting versão 2020/21.
PS: Se eu tiver pela frente um lateral direito com a bola nos pés e dificuldade em usar o pé esquerdo, vou dar-lhe o lado de dentro ou o de fora? Obviamente, atraio-o para dentro, pressionando-o a usar o pé menos bom de forma a perder a bola com um passe menos certeiro. É só um exemplo da complexidade de riqueza de soluções quando não temos a bola. É que muitas vezes a forma mais rápida de criar oportunidades de golo é entregar a bola ao adversário. Lá está, onde uns podem ver o início de um problema, outros estarão preparados para que seja uma solução.