Foi assim que aconteceu... (*)
Pedro Azevedo
26.06.2020 B SAD - Sporting 1-3
Crónica "Tudo ao molho...": The Karate Kid e o Koffi Anão
Na vida é sempre importante sabermos as linhas com que nos cosemos. O Ruben Amorim tem isso presente e, vai daí, aplica-o literalmente ao futebol. O problema é que muita intersecção de linhas gera obviamente demasiados passes laterais e essa tem sido a óbvia consequência de um sistema táctico do promissor técnico leonino que privilegia o engarrafamento na zona central, com dois médios a par e três defesas por detrás ("O Pentágono"). Assim, muitas vezes o Matheus cose e coze o Wendel e este responde assando (as pernas de) o Matheus com passes miudinhos que no rugby se denominam de "para o hospital", auto-anulando-se os dois no que diz respeito ao processo ofensivo e criando indefinição quando toca a defender. Evidentemente, havendo linhas sobrepostas atrás, faltarão sempre linhas à frente, algo que tentamos contornar com a solução do chutão à procura do Sporar, o 112 dos inermes. Quando o esloveno consegue segurar a bola, então aí aparece Jovane, um cabo-verdiano que se descreve melhor recorrendo ao poeta Régio: "a minha vida é um vendaval que se soltou, uma onda que se alevantou, um átomo a mais que se animou". É tudo isto que o Sporting ganha quando Jovane está em campo, os tais últimos 30 metros que comprometeriam irremediavelmente a eficiência da geringonça de passe/repasse outrora montada por Silas ("A Posse")...
Andávamos nós neste empastelamento quando os de Belém meteram também as mãos na massa e, pumba, espetaram-nos um pastel: defesa completamente desposicionada e larga no relvado, transição rápida e golo. Mas eis que o Coates foi gigante e o Koffi anão. Qual alto signatário das Nações Unidas, o burquinês estendeu a passadeira a bem da paz e cooperação entre os povos. O uruguaio dedica o golo ao seu antigo camarada de armas, Monsieur Mathieu. Um-dó-Li-cá, e eis que o Codecity volta a marcar. Anulado, por fora de jogo. Por essa altura andava o Plata numa das suas inconsequências quando avista o Ristovski. O macedónio põe a bola com olhinhos na área, o Sporar arrasta marcações e o Jovane mostra que um leão também pode ser um dragão como o Bruce Lee. Depois, o Matheus consegue sair da cabine telefónica onde o meteram com o Wendel e faz um passe longo para o Nuno Mendes. Este dá ao Jovane e o menino inicia intermináveis tabelinhas com o Sporar que acabam com o esloveno caído na área. Penálti, diz Molero, perdão, Malheiro. O Jovane chuta, mas o Koffi dá 2 passos à frente e defende miraculosamente. Tempo então para nos interrogarmos sobre a identidade Sportinguista e os caminhos possíveis para a sua coabitação com uma pluralidade de formas artísticas no futebol português. Molero, perdão, Malheiro também reflecte sobre o tema e eis que perante a incredulidade de todos os leões confinados nos seus lares vemos um árbitro a cumprir com as regras num jogo do Sporting. O Ristovski, desta vez sem galo, sorri. Novamente chamado a tentar converter a penalidade, Jovane desfere uma bazuca de fazer inveja ao António Costa.
Para a etapa complementar o Jovane ficou no banco. Aparentemente, devido a um traumatismo (que provocou no resultado). Entrou o Geraldes e o cão de Pavlov que existe no subconsciente de cada leão Sportinguista começou a salivar. E a verdade é que o Chico até fez um bom jogo, desmarcando-se sucessivamente e assim dando linhas ao portador da bola. Iniciou então um duelo em 3 actos com o Koffi, agora gigante, com o burquinês sempre a levar a melhor. Do Ensaio sobre a Cegueira para o Levantado do Chão é o mesmo Caminho (NA: editora), um caminho que se faz lendo nas entrelinhas do que são os posicionamentos do Chico, uma alternativa aos atalhos à procura do Sporar. Até ao fim pouco mais houve a declarar e o jogo ainda deu para ver entrar o Ilori e o Doumbia e para que o Borja fizesse os 90 minutos sem que o excesso de desconfinamento contagiasse toda a equipa do vírus da tragicomédia.
P.S. Dois livres directos, igual número de penáltis, um canto - eis o balanço de golos de bola parada pós-desconfinamento (4 jogos). Ristovski substituiu Camacho e com um aproveitamento superior, prenúncio de que Amorim está atento à meritocracia. Muitos jovens lançados na equipa principal, sinal muito positivo. Jovane, com 4 golos, duas assistências e participação nos dois desequilíbrios de onde resultaram os penáltis, está em grande. Coisa para logo se agitarem muitos milhões que não mendilhões. Que continue por cá a afagar-nos os corações!
Tenor "Tudo ao molho": Jovane Cabral (póquer de menções e de golos desde o desconfinamento)
(*) Nova rúbrica