Faca na Liga
Pedro Azevedo
Na última semana, o futebol português teve a sua sede em Braga. A pretexto da Final Four da Taça da Liga, o presidente da Liga, Pedro Proença, convidou os clubes para uma reflexão sobre o futebol português. Interrogado por repórteres no final do jogo decisivo da Allianz Cup, Proença declarou, em jeito de balanço, que "tudo correu muito bem". Mas correu?
Comecemos pelos presidentes e pelo que deixaram transparecer: António Salvador disse de um árbitro o que Maomé não afirmou sobre o toucinho, Frederico Varandas classificou as três reacções à perda de um jogo no contexto do futebol português como de "dignidade, histeria e cobardia", e Luis Filipe Vieira pediu a cabeça do "varíssimo". Só Pinto da Costa manteve a boca fechada. Atenção, com esta resenha não estou a concentrar as criticas no que foi dito, muito menos no presidente do Sporting (expressou a realidade) que se não tem falado iria ouvir muitos reparos de adeptos e sócios sportinguistas (preso por ter cão, preso por não ter...), mas apenas sensibilizar no sentido em que isto traduz o actual ambiente à volta do jogo em Portugal, perante o qual não se deve assobiar para o ar.
Dos treinadores também se ouviram os ecos: Abel Ferreira foi (a)bélico, de punho fechado contra a mesa, ar esgazeado, bramindo a voz contra a arbitragem do jogo do Braga. Sérgio Conceição reendereçou a medalha de finalista para as bancadas e tomou a iniciativa de retirar a sua equipa do relvado quando o Sporting se preparava para subir à Tribuna para receber a taça. Mesmo Bruno Lage disparou um timido "entre o é e o não é há uma diferença enorme". Apenas Marcel Keizer se conteve, ele que viu a sua equipa ser coroada como campeã de inverno.
Todos estes sinais demonstram à evidência que as coisas não estão bem e que dificilmente melhorarão se não forem tomadas medidas e/ou se as entidades competentes não agirem, sob pena de a violência verbal se continuar a alastrar aos adeptos até ao limite da insanidade e da violência física. Certos comportamentos em conferências de imprensa são absolutamente inadmissíveis e outros demonstram uma falta de "fair-play" que não se coaduna de forma alguma com o espírito das grandes competições.
Pegando no caso de Sérgio Conceição, alguém imagina as principais ligas europeias, ou a UEFA, contemporizarem com a ausência de uma das equipas na hora da entrega de um troféu? No futebol existem geralmente 3 resultados possíveis, numa final apenas dois. Quem não está preparado para perder, também não saberá ganhar. Há que perceber que, num determinado dia, uma equipa pode ser melhor do que a nossa ou, simplesmente, ter mais sorte. E isso deve ser aceite por todos, na medida em que, fazendo-o, se está a dignificar a própria competição. Sérgio, de alguma maneira, até o reconheceu na análise ao jogo, infelizmente não o fez pelos actos. Acresce que, ao dizer que o adversário não precisava da presença do Porto para levantar a Taça, Conceição nega o espírito que devia nortear as grandes competições, de honra aos vencidos, glória aos vencedores. Porque a vitória do Sporting tem outro mérito por haver outra equipa igualmente bem preparada, como é o caso do Porto, que poderia perfeitamente também ter triunfado. Nesse sentido, abandonar o relvado na hora da consagração do rival é sair sem honra nem glória. E é não saber valorizar o esforço da sua equipa para tentar atingir a glória e a própria competição. Maus sinais, portanto. Por isso, Sérgio Conceição, treinador com quem até simpatizo, desta vez esteve mal. Muito mal. É tempo de arrepiar caminho e todos, efectivamente, reflectirem - mais evidências e menos aparências - , pois o futebol português não pode estar sitiado por um conjunto de "bullyers" que condicionam a atitude dos adeptos - hoje mais mobilizados "politicamente" do que pelo amor ao belo jogo - e não deixam vir à ribalta os verdadeiros protagonistas: os jogadores.