Apologia da cacetada
Pedro Azevedo
A minha mulher chamou-me hoje à atenção para a blague que Ricardo Araújo Pereira fez sobre aquele cárcere em que os reclusos promovem festas e não fogem e os guardas prisionais estão de baixa ou não comparecem ao serviço. Ao ver aquilo, de alguma maneira comecei a imaginar o ambiente do futebol português dentro das quatro linhas. Nele habitam caceteiros profissionais, cujo entendimento de marcação à zona é qual a zona do corpo do adversário onde é para deixar marca. Neste status-quo, o infractor vive num oásis e o ofendido, mesmo com um galo na cabeça, vai para a rua. Ou então não, desde que aceite levar umas cotoveladas e dê a outra face, ou que encaixe uns pisões nos tornozelos, que isto de ser um Aquiles é coisa para meninos.
Não admira por isso que os jogadores com um mínimo de talento se vão embora. Não, não é por uma questão de dinheiro que eles fogem para a Roménia, o Chipre ou a Grécia, mas sim para conseguirem acabar a carreira com a cabeça, o tronco e as pernas...perdão, com a cabeça, membros e pernas...ora bolas (!!), com a cabeça, tronco e membros intactos e bem preservados. E também para evitarem o Hélder Malheiro, o Manuel Mota (por coincidência, carniceiro de profissão) ou o Jorge Sousa. Nesse particular, é uma pena que um indivíduo com um ouvido tão sensível como o senhor Malheiro não possa arbitrar jogos do senhor Jorge Sousa. Caso contrário, imaginaria um diálogo deste tipo; "Ó Jorge, ouve lá, que coisa é essa do artesanato das Caldas que estás para aí a gritar ao Stojkovic? Vais já para a rua, meu menino".
Se as coisas continuarem assim, vou recomendar que em Alvalade se substituam a aprendizagem das regras de jogo e a prelecção táctica pela leitura da Bíblia. É que nos últimos 4 jogos que disputámos para a Liga, em 3 houve adversários que ficaram indevidamente em campo. Já um dos nossos (ofendidos), porque se insurgiu, foi logo tomar banho mais cedo. Os outros, Bruno e Acuña, com fama de refilões, aguentaram estoicamente. Por isso, mais do que o prémio de homem do jogo, mereciam a beatificação. Afinal, são uns Bons Samaritanos.