A arte de esconder a guerra
Pedro Azevedo
Rui Santos disse recentemente na Sic Notícias que o Sporting tem um futebol romântico e que se deveria preparar para a guerra (últimas jornadas do campeonato). Não deixando de compreender o pensamento por detrás desta opinião, tendo mais a discordar do que em concordar com ela. Vamos por partes.
Na minha opinião, nos últimos jogos o Sporting trocou o "jogar bem" pelo "jogar bonito", privilegiando mais a densidade do seu meio-campo e a posse do que o ataque rápido e a transição que se revelaram tão letais nos dois terços iniciais do campeonato. Dito assim, até parece que estou de acordo com o comentador televisivo. Simplesmente, eu creio que tal mudança nada tem de romântico e decorre da assunção de Rúben Amorim de que há uma liderança a defender, constatação que o levou a adoptar uma estratégia de maior protecção assente na posse de bola. É, portanto, de um maior pragmatismo que falamos, não sendo neste momento indubitável que tal venha no final a jogar a nosso favor. Sendo certo que em número de oportunidades criadas a passagem do 3-4-3 para o 3-5-2 não alterou grandemente o cenário, também não deixa de ser verdade que essas oportunidades são hoje criadas em zonas onde a densidade de adversários é maior, ao contrário do passado em que os nossos jogadores apareciam frequentemente em zona de golo sem marcação. A meu ver, já o disse aqui, se o terceiro homem do meio campo fosse Matheus Nunes a transição de sistema seria muito mais suave por via das características particulares deste jogador (maior capacidade de chegar à área adversária).
Quanto à questão da guerra, a mim parece-me que estamos em "guerra" desde a 1ª jornada. Ora, quando se fala em confronto logo se elude a Sun Tzu, Maquievel, Frederico ("O Grande") ou Clausewitz. E é exactamente a Sun Tzu que vou colher um pensamento que me parece estar na origem da estratégia adoptada por Rúben Amorim desde o momento em que o Sporting se isolou na primeira posição: "Quando o objectivo estiver próximo, faz com que pareça distante". Foi aliás neste faz de conta, expresso através do inteligente "jogo a jogo", que Amorim conseguiu encontrar uma válvula capaz de aliviar a pressão sobre a equipa. Ora, a meu ver, o pior que poderia acontecer seria o próprio Amorim cair agora na esparrela de vir enfatizar a guerra (não creio que o fará). Ela está aí, presente no subconsciente de todos, mas as atenções devem voltar-se apenas para a próxima batalha: a recepção ao Famalicão.
Foco então na próxima partida para dar conta que talvez seja o momento ideal para o regresso ao 3-4-3 (3-4-2-1). Para o justificar recorro de novo a Sun Tzu e a Clausewitz, que davam tanta importância ao planeamento quanto à adaptação das forças. Se há coisa em que Ivo Vieira difere da generalidade dos treinadores portugueses é na construção das suas equipas, as quais começam a ser trabalhadas pelo ataque e não pela defesa. Embora dessa visão sobre o jogo sempre tenha colhido mais vantagens que desvantagens, a verdade é que se tivermos de apontar uma debilidade comum às suas equipas ela é a transição defensiva. Isso aliás ficou bem patente na temporada passada quando o Vitória visitou Alvalade e encontrou um Sporting de Silas pouco seguro da sua própria identidade. Como consequência, o Vitória assumiu o controlo do jogo. E perdeu. Por 3-1. Por isso acredito que o 3-4-3, que mais potencia o ataque rápido e a transição, será mais eficaz que o 3-5-2, que apela ao jogo posicional de ataque.
Em todo o caso será "só" mais um jogo. E é nesse faz de conta que deveremos continuar. Sem romantismos, mas também sem proteccionismo excessivo que retire a fluidez e os processos simples que estão na origem da tremenda eficácia do nosso jogo.