Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

Castigo Máximo

06
Fev21

Tudo ao molho e fé em Deus

A Revolução


Pedro Azevedo

Caro Leitor, do Ilhéu de Monchique no Atlântico até Penha das Torres onde se avistam os primeiros raios de sol, uma Cortina de Ferro desceu sobre Portugal. Comunico-vos assim que o momento é grave e está a mexer com as correlações de poder que sempre conhecemos. Para que o entendam, na sua origem parece estar a Muralha de Aço resultante da união entre um pasteleiro (Matheus Nunes) e um operário (João Palhinha), uma coisa de fazer corar de inveja qualquer Vasco Gonçalves ou projecto de Geringonça neste país à beira-mar plantado. E por falar em à beira-mar plantado, tudo isto é sublimado pela Pérola do Atlântico (Pedro Gonçalves), um perigoso subversivo sempre disposto a desafiar a ordem instituída. Sem esquecer aquele que, reza a lenda, numa das suas expedições Fernão de Magalhães registou ter avistado quando viajando de leste a oeste: um monte muito peculiar a que deu o nome de "Monte Vi Eu" (declinado em Montevidéu), o imponente Sebastián Coates. Estejamos pois atentos, porque há que por todos os meios fazer conter esta revolução.

 

O Churchill que me desculpe por ter trocado o Báltico pelas Ilhas e o Adriático por Bragança, mas o pânico que se faz sentir nos nossos rivais justifica a truncagem. É como se tivessem sido tomados de surpresa por este movimento que se formou na clandestinidade e agora está progressivamente ("jogo a jogo") a tomar o poder. Não só no Continente, mas também nas Ilhas. Diga-se entretanto que todas as tentativas de o conter se têm revelado infrutíferas. Disso são aliás ilustrativos o espancamento e a tortura do apito a que ontem, na Madeira, Matheus e Palhinha, respectivamente, foram submetidos, tendo daí resultado uma eficácia nula para os propósitos de quem com tanto afã pretende manter o "status quo". Já o Pote, começou por escapar através de um túnel até ao mar e a última vez que foi visto estava a fazer baloiçar as redes do Amir, que a pescaria foi de alto nível. Quem ficou até ao fim a proteger a retirada em glória foi "El Capitán Barba Rossa" (Coates), um homem que se vem revelando uma fortaleza impossível de expugnar. Desta vez com a ajuda de um marujo que se julgava já reformado, um tal de Antunes ou Vitorino, que mostrou ainda estar para as curvas, ou para os (bom)bordos que envolvam os melhores caminhos marítimos. Ambos apoiados pelo jovem marinheiro Inácio, que do cesto da gávea vislumbrou mais longe.

 

Portuguesas e portugueses, continuaremos a dar notícias sobre estes dias turbulentos que ameaçam a paz e a ordem no nosso Portugal. A fazer fé nos rumores que circulam, à hora em que Vos escrevo as tropas do regime estarão reunidas de emergência na sede do Conselho de Disciplina. O motivo: procurar decapitar a intentona. É a última esperança. Pouco ainda se sabe sobre esta instância, mas Castigo Máximo obteve a informação de a futura acção estar assente num documento. A única coisa que podemos transmitir é que tem oito pontos. Sente-se o desespero...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Gonçalves

 

P.S. Entretanto, parece que o Benfica de Jesus e de Vieira foi empatado por um Tanque nos Paços de Ferreira. (Ou como um treinador de meia-dúzia de milhões tem o desempenho de um outro que é obrigado a usar um boné que mais jeito daria na Luz para esconder os melões.)

pote marítimo.jpg

02
Fev21

Tudo ao molho e fé em Deus

O Evangelho segundo Matheus


Pedro Azevedo

Eis o que era verdade no início da época: o Benfica partia com 100 milhões de euros de avanço, ia jogar o triplo e estava 10 anos à frente da concorrência. Não sei se os deuses andarão loucos, mas recordo-me de Pimenta Machado, que até é benfiquista, um dia haver avisado que, no futebol, o que hoje é verdade, amanhã poder passar a ser mentira. Não surpreende assim que tenham bastado 6 meses para o antigo presidente do Vitória de Guimarães voltar a provar o seu ponto (ou três). É que ontem, após ter perdido com o Sporting, o Benfica recuou vertiginosamente de 2031 até 1859, ano em que Darwin escreveu a sua Teoria da Evolução, publicação que a entourage de Vieira precisa rever com a maior urgência. [Nesse transe provavelmente envolvendo um(a) girafa (Luisão), que ninguém explica tão bem assim Darwin.]

Como se este Regresso ao Passado não tivesse sido já suficientemente doloroso, tal coincidiu com o dia em que o rival e líder Sporting provou também gastar milhões num jogador. E com o quê contrapôs desta vez o Benfica? Bom, teve de se contentar com o Ficanov (segundo o meu enviado-especial à Ucrânia, pronuncia-se "fica a nove"), coisa para ter deixado Vieira com um traumatismo "ucraniano"... [Também pode ter sido da Galinha (agora) à Kiev estar estragada.]

 

Desde o início do jogo, o Benfica procurou encaixar-se no Sporting, recorrendo até a 3 centrais para que a adaptação fosse mais perfeita. Porém, se defensivamente as águias montaram uma linha de 5, ofensivamente o Vertonghen encostava à lateral esquerda e o Grimaldo surgia como joker solto a tentar beneficiar da fixação que Cervi provocaria em Porro. Com esse sistema, o Benfica pretendia não só travar as investidas ofensivas do lateral/ala leonino como também perturbar a definição das funções defensivas deste e de Neto e criar aí envolvências que suscitassem uma superioridade numérica numa zona do terreno já de potencial perigo. Acontece que o Sporting de Rúben Amorim nunca defende a 5 quando a bola é metida nas alas, na medida em que o lateral/ala do lado da bola logo sai ao encontro dela, pelo que amiúde Porro ia ao encontro de Grimaldo e Neto basculava até à lateral para vigiar Cervi. E quando os dois partiam em simultâneo para cima de Porro, Matheus ocorria e evitava a criação da tal superioridade numérica. Com o tempo, desfeito o elemento surpresa que Jesus engendrou sem o efeito positivo do colhido no Dragão (Nuno Tavares e Grimaldo sem posição claramente definida baralharam as marcações portistas), o Benfica acabaria por desistir desta estratégia, procurando outros caminhos por via, primeiro, da substituição de Cervi por Taarabt e, depois, da troca de Grimaldo por Nuno Tavares, tentando então maior predominância no centro do terreno. 

 

Se a primeira parte terminou com uma única grande oportunidade de golo incrivelmente desperdiçada por Neto e mais acções desequilibradoras do Sporting através de Pote e do diabólico Tiago Tomás (sacou dois amarelos durante o jogo a defesas do Benfica em jogadas que de outra forma terminariam com ele isolado para a baliza), no segundo tempo o Benfica começou a aparecer mais perigoso na frente. Todavia, tendo sido os seus avanços bem contidos por Matheus (mais tarde também por Palhinha) e por uma defesa de betão, ainda assim, as melhores oportunidades foram do Sporting: primeiro numa arrancada de TT que, nada egoísta, serviu Pote para um remate que ficou prensado em Weigl; de seguida, numa brilhante investida de Jovane, que substituíra um pouco feliz Nuno Santos, culminada em remate deflectido de Pote que quase surpreendeu o atento Vlachodimos; depois, através de Palhinha (troca com João Mário) cujo remate falhou o alvo por escassos centímetros. 

 

O jogo caminhava para o fim, os nossos mais perigosos TT e Pote, esgotados, já haviam saído e pensei que o jogo terminaria a zeros. Adicionalmente, Bragança estava em campo ainda não há 30 segundos e aparentemente a sua troca por Pote significaria um pouco mais de contenção. Mas eis que surge mais uma tentativa de exploraçao da profundidade, Tabata em esforço e com o calcanhar leva a bola para a frente, Jovane baila já na área e cruza, como tantas vezes repetido em laboratório a bola vai de costa a costa à procura das costas do lateral adversário, Porro ocorre e centra, Vlachodimos soca como pode e Matheus aproveita o ressalto e marca. Estavam decorridos dois minutos do tempo de compensação, três que mais pareceram uma eternidade ainda haveria com que sofrer, mas a vitória, justíssima, já não fugiria. Afinal de contas, ganhou a equipa que tinha o sistema enraizado e rotinado e não aquela que improvisou e mudou para este específico jogo. Tudo normal, portanto, que esta coisa de génio da lâmpada acontece essencialmente em filmes (de série B).

 

Com Jesus indisponível, o Benfica recorreu a Deus, só faltando o Espírito Santo de outros tempos para completar a Santíssima Trindade. Todavia, o milagre não aconteceu e o "Evangelho" acabou por ser escrito segundo Matheus (5:6): "Felizes (Bem-aventurados sejam) os que têm sede e fome de justiça, porque eles serão saciados". (A propósito da injusta penalização a Palhinha que permitiu a Matheus assumir a titularidade, com um obrigado sentido a Fábio Veríssimo.) 

 

Quem deve estar a fazer horas extraordinárias na Luz é o "anjo" (João) Gabriel, porque os tempos estão difíceis e tal não deve ser simples para um porta-voz da boa nova aos benfiquistas... De forma que, como as coisas estão, talvez seja melhor o Jesus desistir de jogar o terço e passar a rezar o triplo, ou então efectivamente começar a jogar o triplo e rezar o terço à espera que tal ainda venha a ser suficiente. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": O "Menino do Rio" Matheus Nunes. Tiago Tomás seria a alternativa óbvia, mas toda a equipa (incluindo os menos inspirados, mas igualmente transpirados) funcionou como um bloco coeso e acreditou na vitória até ao fim. No final, venceu quem teve mais fé, o que não deixa de ser uma ironia atendendo a quem estava do outro lado. O caso Palhinha? Escreveu-se direito por linhas tortas. Aí Leões!!!

 

P.S. Tanto se falou de arbitragem esta semana que é justo reconhecer que Artur Soares Dias esteve em bom plano. Com um senão: amarelou prematuramente Gilberto e Tiago Tomás por "bocas", o que me pareceu desnecessário, acabando depois por ter de contemporizar com uma falta cometida pelo mesmo Gilberto sobre Nuno Mendes que seria um óbvio segundo amarelo e concomitante expulsão (roçar de pitons no gémeo, deslizando posteriormente na direcção do pé e colocando em perigo evidente a integridade física do nosso jovem defesa, o qual acabou atingido no tendão de aquiles e tornozelo).

matheus nunes benfica.jpg

27
Jan21

Tudo ao molho e fé em Deus

O Gozão de Higgs


Pedro Azevedo

Ontem, no Bessa, confirmou-se que este Sporting é muito forte na transição. Tão, tão forte que, tendo entrado no campeonato como "underdog", chegou ao tabuleiro axadrezado com indícios de cão-peão, uma importante evolução na cadeia alimentar. Ainda assim, não suficiente para se ver livre do bispo, que mexe-se de forma enviesada. E, se o cão late, o bispo ladra, o peão, que anda a direito, acaba sempre por ser comido. 

 

O que sofre um Sportinguista não vem descrito na Bíblia. E depois ainda há o Sporar, suspeito de causar taquicardias a um monge tibetano. Por isso a melhor estratégia é fazermos como o Professor Cavaco e nunca assumirmos nada: ah e tal, vamos só ali à Figueira fazer a rodagem, e quando derem por nós estamos a sair de lá entronizados. Tal nunca foi possível com Jesus, que é sabido ter amaldiçoado a figueira (Mateus 21: 18-22), mas pode ser que aconteça com o Rúben. Até aposto que ele anda a ler a biografia de Aníbal e tudo. Se eu estiver certo, a sua rodagem será o "jogo a jogo". E, se no fim vencer, será menino para deixar de "trombas" o Conceição. Seria do car(t)ago! Quanto a JJ, ficaria com o triplo da azia.

 

Para tentar contrariar o 3-4-2-1 do Sporting, o Boavista dispôs-se num 5-3-2. A ideia de Jesualdo Ferreira era povoar o mais possível a defesa, precavendo a entrada desde trás dos interiores leoninos, não deixando porém de ter vantagem numérica no miolo do terreno. Só que Matheus e João Mário foram variando inteligentemente o centro do jogo e a postura defensiva dos do Bessa convidou Nuno Mendes e Porro a montarem um acampamento à entrada da área do Boavista. Não surpreendeu assim que, após um curto período de estudo mútuo, o Sporting desatasse a criar oportunidades de golo. E até marcou à primeira (Nuno Santos), embora depois tenha tido oportunidades de primeira que esbanjou por Sporar, Jovane e João Mário. Atrás a coisa esteve tranquila, tendo o lance mais perigoso criado pelos boavisteiros pertencido a Neto, jogador que continua a mostrar que faz bom balneário tanto fora como dentro do campo, desta vez altruisticamente permitindo a um enregelado Adán brilhar.  

 

O segundo tempo começou na mesma tónica. O Matheus roubou uma bola e com uma chicuelina tirou dois do caminho. De seguida, tocou no Nuno Mendes, que deu mais à frente no Nuno Santos. Bola para um lado, jogador a fugir pelo outro, num jeito nada católico para um axadrezado, o Santos apareceu solto na grande área. E deu de bandeja ao Sporar. O que a aconteceu a seguir é difícil de explicar, pese embora tenha vindo a ser objecto de estudo pormenorizado do "Tudo ao molho...", recorrendo-se à ciência - Princípio da Impenetrabilidade da Matéria - , ou até ao sobenatural - holograma de um ponta de lança morto como goleador - para o tentar compreender, continuando a ser um mistério a forma como a bola insiste em perpassar o esloveno como se do vazio se tratasse. Quer dizer, de vazio somos nós cientificamente quase 100% feitos, mas depois há um campo magnético que liberta uma partícula (dita "de Deus") que faz com que o nosso corpo se adere como uma tela esponjosa e ganhe uma massa. Ora, aparentemente, se o nosso corpo sim, o do Sporar não. O que faz com que o Sporar tenha sido a melhor contratação de sempre do Sporting, na medida do que o seu descobrimento significou para a ciência: é que o esloveno desafia a Teoria do Bosão de Higgs. Mais, diria até que Sporar é o Gozão de Higgs...

 

O jogo ia para o fim e esta coisa da vantagem mínima cria sempre alguma tremideira. Noutras épocas, esta esmerada arte de perdoar pagar-se-ia com língua de palmo, mas este Sporting de Rúben Amorim a tudo parece resistir. Vai daí, o Rúben quis dar mais solidez à equipa. Primeiro entrou o Bragança, depois o Palhinha e o TT. Com isto, o João Mário e o Matheus passaram de médios centro para interiores, procurando resguardar mais a equipa. Até que o Porro apanhou uma ressaca (de bola), tomou consciência da sua recepção e orientou-a para o nosso bem comum, transferindo assim as dores de cabeça que já se faziam sentir na sua e nas nossas cabeças. Ficava sentenciado aí o jogo. Depois, a coisa até deu para o Matheus dar dois ou três metros de avanço a um trio de boavisteiros e ainda ir apanhar a bola à frente mesmo que um deles estivesse fresquinho por acabado de entrar, que o xeque-mate no tabuleiro axadrezado já estava consumado.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hesitei muito na hora de atribuição desta menção. Na verdade, à hora que escrevo ainda estou hesitante, mas se calhar são nervos. Não será assim uma escolha totalmente convicta. Pela primeira parte a menção assentaria bem a Nuno Mendes (de referir que, na segunda parte, salvou um golo certo com um subtil desvio de cabeça). Nuno Santos não esteve assim tanto em jogo, mas fez um golo e quase uma assistência, também poderia ser uma opção. O Porro marcou um golo do outro mundo e fez a minha pulsação voltar a um semi-normal, poderia perfeitamente ser o escolhido. Contudo, acabei por optar pelo Matheus Nunes, que fez um jogo enorme em que alardeou técnica, leitura táctica e disponibilidade física. Assim, até porque tem habitualmente menos visibilidade que os restantes, escolhi-o para Melhor em Campo. 

 

P.S.1: Inacreditável o cartão amarelo a Palhinha que em princípio o retira do derby. Até a hipótese de falta seria difícil de promover, quanto mais a acção disciplinar.

P.S.2: Os meus sentimentos às famílias e amigos de Jozef Venglos (ex-treinador do Sporting) e de John Mortimore (ex-treinador do Benfica), antigos treinadores que faleceram ontem. O mínimo que se pode dizer é que nunca fizeram mal ao futebol. Venglos foi muito conceituado no futebol europeu e devidamente apreciado pela FIFA, Mortimore ganhou títulos em Portugal. RIP!

P.S.3: Após uma nota triste, uma nota alegre: Rúben Amorim completa hoje 36 anos. Parabéns, Mister! 

veríssimo.jpg

16
Jan21

Tudo ao molho e fé em Deus

“The plot thickens!”


Pedro Azevedo

Caro Leitor, depois do Keizer, Leonel e Silas, ficámos convencidos que o Rúben era o careca bom. É certo que sem nível, dizia-nos um Zé Pereira folião e sempre disposto a tocar bombo em carnavais que envolvam o nosso Sporting, mas bom. Bom, na verdade, nós sabíamos de antemão que o Rúben não era propriamente careca, aquilo era mais um pente três ou, melhor dizendo, um pente 3 pontos. E de 3 pontos em 3 pontos, de vitória em vitória, a nação leonina ia regozijando. Mas agora o Rúben deixou crescer o cabelo e ao contrário de Sansão parece que perdeu a sua força. Para piorar o cenário, passou a ter nível. Ora, sobre o nível apropriado para treinar o Sporting os nossos adeptos até podiam ser dramaturgos. Tanto que cada um poderia substituir Ésquilo ou Sófocles e escrever uma tragédia grega sobre o tema. A coisa geralmente envolve peripécias com mestres da táctica, apostas enfáticas em pernas-de-pau (e tímidas na Formação) e rios de dinheiro fluindo qual êxodo ladeira abaixo. Foi o que me ocorreu ontem ao ver o Borja no relvado e o Gonçalo Inácio no banco. Acresce que pouco depois observei que o Vertonghen fez para aí uns 100 passes tensos e bem medidos a lançar o Nuno Tavares no corredor. Ora, o nosso Borja, que foi contratado para lateral e acabou a central por aí supostamente causar menos dano, no seu total inconseguimento não fez mais do que passar a bola para o lado e para trás durante 90 minutos. Além disso, no golo vilacondense que bem poderia ter sido nosso tais os seus protagonistas, não fez linha com a restante defesa, afundou-se no terreno, pôs em jogo todos os rioavistas e ainda ficou a olhar só para a bola saída dos pés do Geraldes e deixou o Mané entrar-lhe pelas costas. Em suma, se fosse possível elaborar um manual do que um defesa não deve fazer, o Borja poderia ilustrar a capa. Outra coisa que me intriga é o futebol do João Mário. Quer dizer, eu já fui um grande fã daquele futebol de corte e costura do João Mário de 15/16, mas a esta versão 20/21 falta muito corte a direito e em viés (com bola), ou mesmo cortar as vazas aos adversários. Tanto assim é que no golo do Rio Ave o João Mário adoptou o seu heterónimo Joãozinho Caminhante e foi acompanhando com os olhos a progressão do Xico Geraldes sem nunca lhe passar pela cabeça pôr o pézinho. Tudo somado, a razão pela qual permaneceu todo o jogo em campo é um daqueles mistérios tipo Roswell que ficará para sempre por desvendar. Mais fácil de compreender será o facto de um treinador levar um ponta de lança para o banco e não o utilizar quando precisa de ganhar o jogo. Neste caso, só pode mesmo ser castigo. Afinal, quem mandou o Pedro Marques marcar golos de contrafacção em Sacavém? O Jovane teve mais sorte e ainda conseguiu jogar 11 minutos. Suponho que está a ser guardado para o jogo do Benfica, caso os problemas musculares não o voltem a atormentar. Ainda assim, deu logo nota da sua principal qualidade ao apanhar uma bola perdida e caminhar frontalmente para a baliza. Depois de atrair 2 defesas, tocou para o Tiago Tomás. Foi a nossa melhor oportunidade do segundo tempo, mas, pronto, já se sabe que o Jovane é o patinho feio para uma grande parte da nossa massa associativa que só usa (cola) Cisne nos cromos que todos os anos se compram para a caderneta. Cromos tipo Plata: um craque, dizem alguns com olhos doces, um jogador de futebol de rua, dizem outros com olhos lassos como eu. E mesmo assim... É que na minha rua havia uns rapazes que tinham o mesmo entendimento do jogo colectivo do equatoriano. A diferença é que os melhores levavam a bola colada no pé, mesmo o piso sendo de paralelipípedo, e não a 1 metro de distância e aos repelões como o Plata a leva em perfeitos relvados enquanto, trapalhão, prepara o choque inevitável com o adversário e o ressalto subsequente. Um homem até ficaria deprimido, não houvesse Pote, Porro, Palhinha e TT (grande jogada individual a finalizar a primeira parte) para aquecer a alma. Diga-se porém que do antigo Rúben ainda resistiu uma jogada de laboratório. Só que desta vez a iniciativa não partiu da esquerda com o Nuno Mendes, mas começou na direita com o Porro. O passe, cruzado para a zona do lateral contrário, apanhou o Plata desmarcado. O cruzamento deste, deflectido ligeiramente, alcançou o Pedro Gonçalves. Até aqui tudo bem, o guarda-redes, expectante, aguardava um sinal proveniente do pé direito do ex-famalicense. Mas eis que o moço antecipa com o pé esquerdo e o polaco Kieszek nem se mexeu. Mais uma vez, o Sporting inaugurava o marcador com uma eficaz triangulação a toda a largura do terreno.

 

Catorze jornadas decorridas, o Sporting é primeiro. Se me dessem tal como certo no início da temporada, eu teria assinado logo por baixo. Esse é o copo meio cheio. O copo meio vazio é o facto de o nosso futebol recentemente se ter perdido algures na Ilha da Madeira. Também o Amorim não parece o mesmo, com substituições à Jesus e tudo e o Coates a ponta de lança. Eu tenho uma teoria, tudo ainda é consequência da Filomena, a tempestade que deve ter revolucionado a cabeça do Rúben e está a deprimir todos os Sportinguistas que queriam mesmo era ganhar o campeonato com 6 pontos à maior (eu por mim já me bastava que o Rúben usasse as 5 substituições permitidas pelo regulamento). Mas acredito que brevemente as coisas irão mudar. A chave? O Rúben volta ao pente 3, não se deixa impressionar com passagens de nível fechadas para circulação de comboios de mercadorias no mês de Janeiro e manda o Ferro às entrevistas rápidas e conferências de imprensa. O nosso pobre coração agradece. Estava tudo a ser tão previsível, para quê estragá-lo com suspense no novo ano? Entretanto, Porto e Benfica empataram e o Braga perdeu. Dir-se-ia que todos os testes realizados pelos candidatos já em pleno confinamento deram resultados negativos. Resta saber se algum é um falso negativo. Ou, se antes houve falsos positivos. "The plot thickens"!

coates3.jpg

09
Jan21

Tudo ao molho e fé em Deus

Contra ventos e marés


Pedro Azevedo

Foi uma semana estranha. Nos EUA, um homem vestido com pele de bisonte tomou o controlo da Câmara dos Representantes no Capitólio em nome de uma alegada revolução popular alimentada por um discurso anti-democrático onde sobra o ódio e escasseiam as subtilezas. Em Portugal, onde os lobos até ver vestem pele de cordeiro, a revolucionária foi a bola: no Domingo porque não rolou (milagre de Santa Clara), anteontem porque não parou de rolar (depressão Filomena). Na Choupana ainda houve quem jurasse que a bola era chata, mas Galileu Mota Galilei sentenciou "e pur si muove" (contudo, ela move-se). Dito isto, a talho de foice cortou a direito e mandou toda a gente para os balneários, adiando para ontem a realização do jogo.

 

Quais intrépidos marinheiros portugueses que em cascas de noz expostas às intempéries se dispuseram a descobrir novos mundos, os bravos jogadores do Sporting apresentaram-se de um imaculado branco perante a chuva tocada por rajadas de vento e um relvado enlameado. Ainda para mais, o comentador da SportTV anunciava - o drama, a tragédia, o horror - que na primeira parte o Nacional ia atacar no sentido para onde sopravam os ventos da Filomena. Estava lançada a epopeia. Num terreno onde os Ferraris atascariam, primeiramente houve que adaptar a forma de circulação. Muito jeito deu então o tractor de Palhinha e o arado de Pedro Gonçalves, oferecendo mobilidade e ajudando a revolver o último reduto nacionalista. Mesmo João Mário fazia por não desmerecer. Ainda que se sentindo como um bailarino do Bolshoi num hexágono do MMA, o internacional emprestado pelo Inter lá ia procurando através de processos simples soltar a bola o melhor possível. Não se aventurando no ataque, algo que Pote agradeceu para cultivar a sua semente de médio centro e daí criar raizes que dessem fruto ao nosso caudal ofensivo. Até que surgiu o golo. Como não há coincidências, o lance que inaugurou o marcador nada teve de acaso. Tanto assim foi que pareceu tirado a papel químico do nosso primeiro golo com o Braga, trocados apenas os protagonistas das duas acções decisivas: o Nuno Mendes como de costume centrou para as costas do lateral esquerdo adversário, o Pote antecipou-se e assistiu, o Nuno Santos finalizou. Íamos para o intervalo em vantagem e o Nacional mancomunado com a Filomena não havia sequer incomodado o Adán. Filomena? Ainda se fosse a Eva...

 

Na etapa complementar a toada manteve-se, agora com o vento a nosso favor. Na frente, o Pote prometia ganhar o Arado d'Ouro, no miolo o intratável Palhinha fazia e desfazia como se nada fosse com ele e lá atrás o Neto afastava para longe com o pé mais à mão. Puro azar, ou sede a mais ao pote, o Pedro Gonçalves por três vezes não conseguiu marcar: uma foi do Pote ao poste, outra o guarda-redes defendeu, outra ainda mostrou que os grandes jogadores até em cima de uma cama de pregos sabem jogar. O Palhinha também tentou de longe, mas o mais que conseguiu foi encher de lama a cara do desafortunado brasileiro que defende as redes do Nacional. Quem diria que este viria a precisar de uma viseira, e não necessáriamente devido ao Coronavírus? Com o tempo sentiu-se que o Nacional subira um pouco no terreno. O Rúben também o sentiu e mandou entrar dois tractores (Matheus e Jovane) e um todo-o-terreno (TT) para não sofrermos mais sobressaltos. O jogo lá se foi encaminhando para o fim. Estávamos em período de descontos. Tempo ainda para o Matheus avançar pela direita e centrar. Um defesa madeirense afastou atabalhoadamente. A bola ficou ali ao pé do TT que de pronto a endereçou para o coração da pequena área. O Jovane, que não precisa de muitos minutos para marcar um golo, não perdoou e sentenciou o jogo. "Pormaior": passava dos 90 minutos e nesse lance tínhamos 3 jogadores na área. 

 

Esforço, dedicação, devoção e glória, ou a superação da pista de lodo da Choupana como uma parábola da nova vida do leão com Rúben Amorim ao leme. Uma equipa híper-solidária, física e mentalmente fortíssima, ao ponto de até comover vê-la a laborar (a de Silas também comovia, o problema é que o sentimento depois perdurava durante toda a semana e quando dávamos por nós estávamos encharcados de Prozac). Com este carácter, o Sporting produz um "statement", impondo-se e mostrando a qualquer equipa que nos defronte que esta está sempre à beira de sofrer um golo. Ou, como se diz em carvalhalenglish, "You are here, you are eating", lema que talvez melhor reflicta a vontade quase "brutânica" com que estamos em campo. 

 

Tenor "Tudo ao molho..." : Pote

pedrogoncalves10.jpg

02
Jan21

Tudo ao molho e fé em Deus

Predestinação


Pedro Azevedo

Se não há campeões sem estrelinha, o Sporting precisou da Ursa Maior para bater o Braga esta noite em Alvalade. O facto nem é novo e parece dar razão a quem acredita que o título nacional desta época está predestinado, teoria que começa a reunir simpatia entre místicos e deterministas Sportinguistas. Um dos maiores místicos que alguma vez escreveu sobre futebol foi o famoso cronista Nelson Rodrigues. Fanático do Fluminense, criou o personagem do Sobrenatural de Almeida para explicar fenómenos aparentemente incompreensíveis que assolavam negativamente o tricolar carioca. Porém, quando o Flu finalmente voltou a vencer um campeonato, Nelson jurou ver o fantasma do Gravatinha, o protector do Fluminense, popular adepto que segundo o cronista havia falecido em 1958 em consequência da gripe espanhola. Assim, para os místicos, o Sporting também terá o seu Gravatinha, o que até fará algum sentido na medida em que 1958 marcou a última vitória leonina no campeonato com o que ainda restava (Vasques e Travassos) dos majestosos 5 Violinos, entrando então o clube num ciclo menos virtuoso. Nesse transe, para fechar o ciclo e começar um novo virtuoso, o nosso Gravatinha terá regressado agora como fantasma em tempo de pandemia de Covid-19 com o propósito de nos oferecer o tão desejado título. Já para os deterministas, tudo se deve ao controlo das causas e seu prévio conhecimento. Da mesma forma que o atrito de pau e pedra explica o fogo, um bom treinador e a sua concomitante escolha do plantel adequado estarão na origem do desempenho que nos conduzirá à glória. Não sei se o António Salvador acredita no destino, ele que deixou sair o Rúben Amorim sem que o Sporting batesse a cláusula de rescisão, mas o mais certo é começar a ser acometido de superstições a cada nova visita a Alvalade. É que nunca se sabe o que poderá encontrar à noite no Museu... 

 

O Braga criou e o Sporting marcou, eis o sumário do que foi o jogo. Os arsenalistas tiveram 5 oportunidades claras de golo, os leões responderam com 100% de aproveitamento das ocasiões geradas. Outras situações não foram tão claras, como das duas vezes que Nuno Santos foi desarmado na "hora h", ou quando os pézinhos mágicos de Coates e Feddal impossibilitaram o que parecia inevitável por via dos remates de Iuri e Galeno, respectivamente. Todavia, se a maior ou menor eficácia faz parte do sortilégio do jogo, há que dar mérito às substituições operadas por Rúben Amorim que conseguiram estancar a supremacia que durante meia-hora os arsenalistas tiveram no miolo do terreno, zona nevrálgica onde por muito tempo Palhinha foi impotente para travar a superioridade numérica dos pupilos de Carvalhal. Valeu nesse período Adán, o poste e a desinspiração de Ricardo Horta. E se Adán deve melhorar com os pés, Raúl Silva teve dificuldade em ficar de pé, o que indica que os próximos tempos em Braga deverão ser de intensa terapia: como se já não bastasse o complexo de inferioridade do Salvador, ainda ter-se-ão de avir com o Síndrome de Ménière...  

 

Apesar de ser católico, acredito que Deus terá coisas muito mais importantes com que se entreter em detrimento do futebol, o que em parte ajuda a explicar o livre arbítrio que se vê por aí. Ainda assim, creio que há destinos que são factos inquestionáveis. Por exemplo, a viagem de metropolitano para o Campo Grande é um destino que está antecipadamente programado. Porém, isso não quer dizer que infalivelmente lá chegará, podendo por exemplo descarrilar por motivo de imprudência ou negligência do maquinista. Assim também é no futebol, onde o maquinista que transporta a mais apetecida taça anda geralmente de apito na boca. (E contra isso não há misticismos ou determinismos que nos valham.)

 

P.S. Se eu tivesse antecipadamente escrito o guião deste jogo, dificilmente escolheria um desenlace melhor. Ou não tivessem sido os meus dois jogadores preferidos - Pote (coitadinho, está tão mal que só leva 11 míseros golos no campeonato) e Matheus - os autores dos nossos dois golos. Mas, atenção, que não haja confusões: eu ainda sou de carne e osso e ao fim de semana não uso gravatinha. Outra nota: não conheço a lei do jogo que manda admoestar com amarelo chicuelinas como aquela aplicada pelo Matheus Nunes a um defensor do Braga. É que, em vez de cortar a jogada ao brasileiro, quanto muito o árbitro deveria ter-lhe pedido para cortar as unhas, a única parte do seu corpo que eventualmente terá tocado no bracarense (um pedido de autógrafo também não lhe ficaria mal, o soberbo drible assim o mereceria).

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Porro (um leão de raça a dar o "Rugido" de Ipiranga) 

Festejosbraga.jpg

28
Dez20

Tudo ao molho e fé em Deus

Futebol “brutânico”


Pedro Azevedo

Caro Leitor, é com orgulho que observo que as autoridades desportivas do nosso país, sempre muito escrupulosas na atenção às melhores práticas, têm importado para Portugal o melhor da cultura anglo-saxónica no que ao futebol diz respeito. Essa influência é tão marcante que ontem até tivemos um Boxing Day tuga, um dia de futebol "brutânico", que culminou na visita do Sporting ao pantanal do Estádio Nacional, propriedade do Estado Português. E quem é que se domicilia nesse estádio de todos nós, vizinho da Cidade do Futebol que abriga o Video Assistant Referree (VAR) ? A equipa que não tem nome, uma espécie de Manhattan no directório dos clubes portugueses se trocarmos o Rio Hudson pela peculiar fragrância da Ribeira do Jamor.  

 

O espectáculo também não escapou à influência externa de outros desportos. Por exemplo, verificaram-se rotinas típicas do Ice Skating, embora a nota artística tenha predominado sobre a nota técnica devido às inúmeras quedas observadas durante a "patinagem". Também o rugby foi chamado à colação, com as duas equipas a procurarem recorrentemente colocar pontapés tácticos nas costas do último reduto do adversário. Por via disso, receosa, a nossa equipa baixou a linha defensiva. Porém, a restante equipa não acompanhou esse movimento, tendo Inclusivé João Mário se deixado atrair inúmeras vezes pela armadilha da pressão alta na saída de bola dos azuis. Colocando a bola rapidamente por cima da nossa primeira linha de pressão, "comendo-nos as peças" mais adiantadas como se de um Jogo de Damas se tratasse, os azuis atingiam com facilidade o miolo do campo, criando assim uma boa plataforma para municiarem os seus atacantes. Com Palhinha em inferioridade numérica no sector, os pupilos de Petit imediatamente optavam por lançar ataques rápidos em detrimento de tentar contornar o médio mais defensivo do Sporting, retirando a oportunidade a este de fazer prevalecer o seu físico. Mesmo com bola, a lentidão de processos de centrais e médios foi destruindo sucessivas linhas de passe, restando os lançamentos longos como arma. E foi em duas dessas situações que Tiago Tomás se viria a revelar providencial. Na primeira, ganhou a bola nas alturas e endereçou-a a Tabata para a ir recuperar mais à frente (era o único), rodopiar na área e marcar o primeiro da noite. Na segunda, recebeu um milimétrico passe em profundidade de João Mário, isolou-se e sofreu uma grande penalidade que o jogador emprestado pelo Inter se encarregaria de transformar no nosso segundo golo. Pelo meio, os azuis marcaram exactamente através da exploração do espaço nas costas da nossa defesa, beneficiando ainda da momentânea troca posicional dos nossos centrais (Coates estava na esquerda, Neto no meio e Inácio mais descaído sobre a direita), de escorregadelas diversas e da sorte no ressalto da bola que enganou traiçoeiramente Adán, uma espécie de "Triple Witching" típico dos mercados financeiros (volatilidade elevada causada por datas de expiração simultânea de futuros e de opções sobre índices e acções) aplicado ao último dia do ano do futebol do Sporting. E poderiam até ter-se adiantado no marcador, não fora Adán ter adivinhado o lado para onde o penálti foi direccionado. Até ao intervalo, por mais duas ocasiões o Sporting esteve à beira de sofrer golo após momentos desastrados de Neto, mas Adán defendeu ambas. Contra a corrente do jogo, Tiago Tomás poderia até ter dilatado o placard, mas um defesa azul intrometeu-se no caminho da bola após fífia do seu guarda-redes. 

 

A tónica do segundo tempo não se alterou, pese embora a fluência de jogo dos azuis não tivesse sido a mesma devido ao desgaste sofrido no primeiro período. Ainda assim, as melhores oportunidades continuaram a ser do emblema da Torre de Belém, destacando-se uma saída em falso de Adán a um cruzamento por via de uma descoordenação com Coates.

 

Com o passar do tempo, é notório que as equipas que nos defrontam vão conhecendo melhor a nossa forma de jogar, encontrando antídotos para parar a nossa fluência de jogo. Assim, as vitórias são cada vez mais sofridas. Precisamos de soluções novas, nomeadamente sob a forma de ligação entre os médios centro e os interiores. Nos últimos jogos foi particularmente visível que os adversários expuseram a nossa inferioridade numérica no miolo do campo, condicionando aí a nossa forma de jogar. Tem faltado quem salte linhas de pressão nesse sector do terreno e se aproxime dos interiores. O passe nem sempre é opção porque a distância entre linhas é razoável e faz com que muitas vezes se perca a bola. Ontem acabámos o jogo em dificuldade com mais 1 homem em campo. Com dois interiores que na verdade são dois alas, não tirámos partido da superioridade numérica e faltaram-nos soluções pelo centro do campo. Talvez o regresso de Jovane nos proporcione as movimentações, explosão e imprevisibilidade que vêm faltando, permitindo-nos evoluir o nosso jogo para fora do standard que os nossos adversários já conhecem. Porém, não tenhamos ilusões, um pouco por toda a Europa quem está na liderança enfrenta dificuldades. A maior densidade competitiva neste período retira alguma frescura. Por outro lado, a sagacidade dos treinadores vai colocando mais grãos na engrenagem. Adicionalmente, campos em mau estado como o do Jamor reduzem assimetrias. Ontem, o Liverpool perdeu dois pontos em casa contra o penúltimo classificado da Premier League, algo perfeitamente inesperado. Nesse sentido, ganhar, mesmo sem jogar bem, é determinante. E o Sporting ganhou de duas formas: três pontos e tempo para rectificar o que está menos bem. Agora é preciso fazer valer esse tempo. Para já, passaremos o ano no primeiro lugar. Não me parece mal. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Tiago Tomás

 

P.S. O problema da evolução da nossa espécie futebolística não se coloca só no Sporting. No Benfica a questão é mesmo epistemológica, com Jesus e Darwin presumivelmente em desacordo quanto à Teoria da Evolução, o que explica o desconforto com girafas (Luisão) que é atribuído ao primeiro...

b sad.jpg

20
Dez20

Tudo ao molho e fé em Deus

Liberais, keynesianos e monopolistas


Pedro Azevedo

Até ontem supunha-se que o Sporting de Ruben Amorim não se daria bem com o liberalismo. Desde a amarga experiência com a escola austríaca até ao "laissez faire, laissez passer" adoptado pelo nosso Adán Smith (ontem providencial) em Famalicão, os contactos com a versão mais pura do capitalismo não haviam sido nada encorajadores. Como consequência, o afastamento da Europa tornou irrelevante a questão do livre funcionamento dos mercados e chegaram até a ouvir-se justos pedidos de intervencionismo por parte de uma estrutura com uma sensibilidade mais próxima do keynesianismo. Esta introdução é importante para procurar explicar a dualidade dos acontecimentos de ontem, na sequência dos quais uns (os liberais) dirão que um jogador (Feddal) movido pelo interesse próprio foi levado por uma mão invisível (?) a promover o bem-estar do clube e dos seus associados e adeptos, outros (os keynesianos) colocarão a tónica nos méritos do intervencionismo vis-a-vis o livre funcionamento do mercado.

 

Sendo um clube um microcosmos, não será de todo de estranhar que também nele este eterno debate se coloque. Afinal, a disputa entre os partidários de Hayek e os de Keynes é de sempre, com os primeiros a serem preponderantes até à 2ª Guerra Mundial e depois da crise de 70 e os segundos a preencherem o intervalo entre esses acontecimentos e a ganharem novo fôlego após a crise do subprime (2008) que abalou o sistema financeiro e as economias mundiais. A diferença é que no Sporting uma década passa à velocidade de uma semana, podendo até a necessidade urgente de adaptação a uma realidade muito volátil exigir que um hoje convicto keynesiano amanhã venha a ser um Frederico Hayek. Habituados que estavam os dois a jogar alternadamente ao monopólio, funcionando bem nesse sistema e mandando às malvas as preocupações doutrinárias, é possível que esta matéria comece a não passar ao lado dos presidentes de Porto e Benfica. Mas isso será só após o Dia de Reis, que a época agora é de boa-vontade. Feliz Natal a todos os amantes do desporto e aos Sportinguistas em especial (estamos em primeiro!). O Natal é verde!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Porro. Bruno Tabata voltou a mexer no jogo quando entrou e Pedro Gonçalves parece afectado desde o jogo de Famalicão. João Mário está muito abaixo em termos ofensivos daquilo que mostrou antes da sua transferência para Milão. 

P.S. Os últimos dois jogos do Sporting a contar para o campeonato vieram acompanhados de uma intrigante musiquinha. Quiçá pela época natalícia, foi perfeitamente audível ontem durante a transmissão (tal como em Famalicão) a presença do coro de santo Amaro. A diferença é que desta vez o coro não assentou arrais em Oeiras (Cidade do Futebol), mas sim na Alameda dos Oceanos (SportTV)...

sportingfarense1.jpg

12
Dez20

Tudo ao molho e fé em Deus

Um móvel TT feito à medida do Paços de Ferreira


Pedro Azevedo

Muito se fala no futebolês em adaptação ao adversário e ontem a esmagadora maioria dos nossos adeptos deu o exemplo. Vai daí, se de um lado vem o clube da capital do móvel, do outro a gente recebe-os no sofá, assim homenageando o mobiliário e fazendo deste jogo aquele porventura com um maior sentido em tempo de pandemia. Diga-se de passagem que no relvado cada um dos intervenientes também se procurou adequar ao momento: o Paços trouxe Castanheira, a arbitragem fez-se representar por um Pinheiro e o Adán deu umas madeiradas na bola. Houve ainda uma centena de adeptos que louvavelmente foi dar um empurrãozinho até à entrada no estádio, o que não surpreendeu porque já se sabe que nas mudanças requeridas (edifício do futebol português) quando há móveis envolvidos dá sempre jeito uns Urbanos. 

 

Também não foi preciso VAR para se observar que o Sporting é de longe a equipa que melhor futebol pratica em Portugal. Bem sei, não sou o Jorge Jesus e por isso não estou dentro do que é a moda. Ainda assim, não preciso de nuances para constatar o óbvio: dá imenso gozo ver esta equipa jogar. Deste modo, podemos não jogar o triplo, mas ganhamos pelo triplo. É que o jogo de Famalicão ensinou-nos que para evitar azares nada como bater três vezes na madeira...

 

E por falar em madeira, ontem o primeiro golo pareceu Snooker às três tabelas: tacada de Coates para Nuno Santos, carambola deste para Tiago Tomás e bola na rede (caçapa). O segundo já foi mais artístico, com Bruno Tabata a fazer rodar a bola com efeito e caprichosamente a colocá-la no canto oposto. E o terceiro, em "free style", começou no taco de João Mário e teve de passar por um(a) Palhinha até ver a rede. 

 

Durante o resto do tempo, ao melhor estilo da Beatriz Costa em "ai chega, chega, chega, chega, chega ó minha agulha, afasta, afasta, afasta, afasta o meu dedal", o Sporting foi dando a ilusão aos pacenses de que poderiam lá chegar para assim melhor poder coser o avental à sua volta e no fim tudo acabar com a mesma (des)ventura para os pupilos de Pêpa. Impotentes para contrariar a superioridade leonina, estes ainda foram distribuindo alguma lenha com a ajuda de um Pinheiro ali à mão. Mas nada pôde obstaculizar a superioridade dos leões no marcador, naquela que foi a exibição mais uniformemente conseguida da equipa nesta época e que como tal mereceu que o seu treinador a ela assistisse de camarote com o beneplácito de Luis Godinho. Com a noite chuvosa que estava, é de esperar nas próximas horas um comunicado do Sporting a agradecer a gentileza.

 

 Tenor do "Tudo ao molho...": TT. Palhinha, uma espécie de abafador do jogo de berlindes, seria uma excelente alternativa. 

TT.jpg

06
Dez20

Tudo ao molho e fé em Deus

Conto de Natal


Pedro Azevedo

Em cada conto de Natal há geralmente uma moral associada. Em sintonia, aquele que ontem foi narrado em Famalicão versou sobre a precariedade do esbanjamento de recursos em face daquilo que pode vir a ser necessário mais tarde por via de uma conjuntura desfavorável inesperada (ou talvez não).

 

Para ilustrar a alegoria, os jogadores do Sporting desataram a oferecer presentes aos do Famalicão. Um dos pais natais de serviço foi o esloveno Sporar, um "omniausente" capaz de permanecer em campo durante cerca de uma hora sem que se vislumbrasse uma razão plausível para o efeito. Nuno Santos também não resistiu à chamada e aos 21 minutos perdoou uma grande penalidade. Já Adán começou por cometer um pecado original quando permitiu que a bola o sobrevoasse no lance do primeiro golo, para mais tarde vir a orientar audivelmente a barreira para a direita aquando da conversão de um livre em que acabou por se lançar tarde a uma bola que entrou pela sua esquerda. Pedro Gonçalves não quis ficar atrás e fez-se expulsar infantilmente por alegadamente pontapear a bola para longe quando o jogo estava parado. Ainda assim, essa acção tem mais que se lhe diga, pelo que a incluirei num capítulo à parte dedicado ao Scrooge de serviço na Cidade do Futebol. Também João Mário desperdiçou a oportunidade de incensar a exibição leonina, mas o senso do seu pé direito apontou mais para o desporto da bola oval e lá foram 3 pontos para Gales e só um para Alvalade. Por fim, como se os presentes não fossem já em número considerável, Borja entrou e logo entregou o ouro ao bandido, perdendo a bola infantilmente e permitindo o desequilíbrio que viria a resultar no livre que empatou o jogo. É certo que pelo meio houve dois momentos maravilhosos protagonizados por pedros que afagaram o coração dos Sportinguistas: num, o Pote fez recordar o que terão sido os natais dos portistas quando imitou a arte de Deco em jogada e golo de finíssimo recorte técnico terminada com um daqueles passes à baliza indefensáveis a que já nos habituou; no outro, o Porro deu ares de Alexander-Arnold quando de livre fez abanar as redes famalicenses. A estes dois momentos contrapôs Palhinha com um tempo inteiro, noventa minutos de alta intensidade a procurar contribuir para um Natal de felicidade de todos os Sportinguistas.

 

Ilustrada a oferta em demasia, passemos então à conjuntura. Para tal, sirvamo-nos de Luis Godinho, o árbitro que apitou os dois únicos jogos em que o Sporting perdeu pontos no campeonato. Sendo certo que Godinho não deverá ser neste momento benquisto em Alvalade, a verdade é que dentro do campo, tanto no lance de Pote com Zaidu - aquando da deslocação do Porto - como ontem no golo tardio anulado a Coates, sempre decidiu em primeira instância a favor do Sporting. Vendo intensidade no encosto do defesa portista (mais duradouro) e não a vendo no encosto do defesa Sportinguista (um ligeiro toque). Todavia, em ambos os casos reverteu a sua primeira decisão. E porquê? Devido a conselho do VAR, uma espécie de legião de scrooges com suposto apoio tecnológico que ameaça atormentar o Natal dos Sportinguistas. E assim, Tiago Martins não viu suficiente intensidade em Zaidu e Artur Soares Dias viu intensidade suficiente em Coates. Ou, pelo menos, colocaram a dúvida razoável na cabeça de Godinho. Em ambos os casos as decisões finais foram contra nós, pelo que talvez não fosse mal pensado que o Conselho de Arbitragem e os homens do VAR no próximo Natal fossem presenteados com um amperímetro. Com um amperímetro, ou mesmo com um pontapé no rabo. Tudo por motivos científicos, claro está, que o importante é que se possa testar a intensidade. A intensidade e a uniformidade de critérios, bem entendido. Adicionalmente, também me preocupa que nos queiram partir o Pote de Ouro. Começando por o amarelar de uma forma que deixa muitas dúvidas, para depois o tirar deste e de um outro jogo após uma falta que só existiu na imaginação prodigiosa do senhor Godinho. Mesmo dando de barato que a segunda demão de amarelo tenha surgido após extemporânea reacção do Pote e não pela infracção em si, algo que à hora a que escrevo não consigo garantir com toda a certeza, certo certo é que no próximo jogo o Pote será jarra.  

 

Conclusão (para além da moral inerente ao esbanjamento): o futebol português é difícil de compreender mesmo à luz da sapiência de um Aristotéles. E este foi aluno de Platão, o qual por sua vez aprendou com Sócrates, pelo que imagine o Leitor o conhecimento que acumulou! Entre outras coisas não menos célebres, deixou-nos o seu silogismo. Ora, o VAR foi-nos vendido como suficiente para que a verdade desportiva prevalecesse. Seguindo o silogismo aristotélico, se o VAR é composto por árbitros, então os árbitros também seriam suficientes para que a verdade desportiva prevalecesse. Mas então não foi por os árbitros não serem suficientes à verdade desportiva que se criou o VAR? O que nos leva a deitar fora o silogismo aristotélico e evoluir para a adaptação do silogismo nietzschiano à realidade da arbitragem portuguesa: se o árbitro "não existe", então vale tudo, tudo é permitido. Para não sermos tão radicais, recorramos então a Wittgenstein e ao seu "Tractatus Logico- Philosophicus", em que estabelece que uma proposição é uma representação figurativa dos factos, tal como uma maquete é uma representação figurativa de um edifício. Assim, recorrendo ao filósofo austríaco, juntando duas proposições e não perdendo de vista a maquete e o edifício, é possível formular a fortíssima hipótese de que a verdade desportiva está para os árbitros ou ex-árbitros que compõem o VAR como a obra-prima do Mestre está para a prima do mestre-de-obras. Porém, para os mais optimistas do Conselho de Arbitragem a coisa ainda provavelmente ficará inconclusiva na medida em que representará dois estados hipotéticamente reais (o VAR é a verdade desportiva, a prima do mestre-de-obras é a obra-prima do Mestre), sendo certo no entanto que a única salvação do edifício onde se alicerça a arbitragem portuguesa será o mestre-de-obras ser sobrinho do Mestre e a filha deste ser a Kate Beckinsale. Ou isso, ou o VAR ser constituído por não-árbitros. Estamos entendidos? 

 

P.S. Na geometria descritiva aprende-se que duas rectas paralelas só se encontram no infinito. Ontem aprendi que a excepção a esta regra é um ponto localizado no Conselho de Arbitragem onde as rectas se reunem apressadamente aos sábados à noite. Que outra forma haveria para justificar a intersecção de pontos de vista entre alguém conhecido por não ver o que toda a gente viu (João Ferreira, mão de Ronny) e outro alguém famoso por sancionar o que mais ninguém viu (Lucílio Baptista, "mão" de Pedro Silva)?  Enfim, deve ser um erro de paralaxe... 

 

Charles Dickens do "Tudo ao molho...": João Palhinha

palhinha2.jpg

29
Nov20

Tudo ao molho e fé em Deus

O presente de César


Pedro Azevedo

Como em termos de organização o futebol jogado em Portugal ainda está na Idade Média, disposto a tomar de assalto um grupo de irredutíveis com sede a noroeste de Lisboa, o Clero Regular uniu-se a um César para conquistar a Sportingália. Com esta associação, os cónegos julgaram assim poder ditar leis em terra conhecida por não se governar sozinha nem se deixar governar por outrém. O problema é que com o advento da Idade Média e as invasões bárbaras a influência dos César perdeu-se. E nem o Clero Secular, de estricta obediência aos bispos, ajudou às pretensões dos cónegos. 

 

Em Alvalade, 1 ano corresponde a 1 segundo em termos de tempo de Humanidade. Assim, se ontem estávamos entre o triássico e o paleolítico inferior - assistindo à dança do T-Rex Jesérássico e vendo uns cromagnons a desenhar pinturas rupestres com os pés - , amanhã poderemos chegar à Modernidade. Um dos responsáveis por esta metamorfose é Potix, assim designado por ter tomado um pote de poção mágica em pequenino. O outro é Amorinix, o chefe da Sportingália. Ao contrário do seu antepassado Abraracourcix que tinha medo que o céu lhe caísse em cima da cabeça, Amorinix só tem medo que a cabeça dos seus pupilos toque na lua. Por isso, insiste em que todos ponham os pés bem assentes na terra e não vão em cantos de sereia. O mínimo que se pode dizer é que o combate de ontem deu-lhe inteira razão.

 

Ainda não estavam decorridos 3 minutos e já Palhinix era abandonado por Analgésix no meio da batalha, ficando assim impotente para travar um cónego que de forma nada canónica revelava más intenções. Esquecendo-se de que junto ao seu aquartelamento a correlação de forças era-lhe favorável em 5 para 2, Feddalix não saiu a campo aberto para ajudar. Para piorar as coisas, o jovem Mendix adormeceu na formatura e permitiu que a cavalaria moreirense o flanqueasse. Nesse transe, Geriatrix (também conhecido como Agecanonix ou Decanonix), o ancião da aldeia, assustou-se e abriu as portas à invasão dos cónegos. Determinados a contra-atacar, os homens de Amorinix não desarmaram. Mendix avançou com Santix, e este deu a munição para que os poderes sobre-humanos de Potix restabelecessem a igualdade de forças. Dada a forma célere como as tropas de Amoranix haviam recuperado de um duro revés no dealbar da batalha, pensou-se que a derrota dos cónegos estaria iminente. Puro engano. É certo que Sporarix podia até ter sentenciado cedo a contenda, mas um intrépito cónego também teve tudo para causar dolo se bem municiado quando, após um risco mal calculado por Feddalix, ganhou 2 metros a um Geriatrix que na correria pareceu transportar um menir às costas.

 

Dada a dureza inaugural da refrega, ambos os exércitos optaram por se estudar. Nesse transe, acabou por ser decretado um intervalo na contenda. Não se sabe se tal foi acompanhado por um pequeno repasto, o provável é que ao bardo de serviço não tenha sido impedido que entoasse melodias para um campo de batalha vazio e uma arena envolvente sem assistência até que escrivães e narradores voltassem ao serviço. Reatada a contenda, cedo se notou que a infantaria de Amorinix enfrentava dificuldades tamanhas na nevrálgica zona central do terreno, optando sempre por circular em "U" e utilizar a cavalaria. O problema é que, mesmo desbravado o terreno pelos flancos, Sporarix (onde andava o Marquix?), o guerreiro encarregue de conquistar o estandarte moreirense, tardava em dar a estocada final. Como tal, a situação caiu num impasse. Para quem conheça bem a vida na Sportingália, quando as coisas se complicam a solução está no Potix. E este não desiludiu. Assim, se num primeiro momento fez abanar as fundações da fé moreirense, num segundo momento conseguiu ultrapassar o trôpego "passionato" guardião dos cónegos, um presente de César que antecipou o período natalício que vem aí. Consta que tudo acabou em bem e que, observado o devido distanciamento social, o bardo Assurancetourix lá acabou amarrado a um canto para não suscitar reacções enérgicas da parte dos restantes aldeões. Comme il faut! (O Linguistix da aldeia ao lado é que não deve ter ficado nada contente com o desfecho e em Janeiro lá estará a pedir a um Ordralfabétix de ocasião mais munições para arrasar a malta.)

 

Menir d'Ouro "Tudo ao molho...": Potix. Outra boa opção seria Palhinix.pote moreirense.jpg

08
Nov20

Tudo ao molho e fé em Deus

A Supernova equipa e o “Lucky number seven”


Pedro Azevedo

Durante o jogo de ontem veio-me à memória por diversas vezes uma frase de William Blake. Filósofo e poeta pré-romântico que atravessou os séculos XVIII e XIX, Blake ficou célebre por várias tiradas, de entre as quais destaco esta: "Como saberes o que é suficiente, se não souberes o que é demais?" A frase de Blake pretendia demonstrar que o equilíbrio se obtém através do excesso, e que é da sabedoria adquirida nesse transe que se evolui para situações mais sustentáveis. Se olharmos para o nosso Universo, ele move-se de ordem para desordem e de estrutura para desestrutura (entropia), e ainda assim consegue gerar complexidade no meio da fragilidade. Nasce um átomo, energia gera matéria, quarks, protões são libertados, há hidrogénio e hélio, as nuvens de grande densidade são atraídas pela gravidade, produz-se energia, criam-se estrelas. Com a Supernova, diversos elementos da tabela periódica são libertados, organismos vivos criados pela química que enfrentam forças electromagnéticas. No espaço intergaláctico os planetas criam-se por estarem suficientemente longe das estrelas. Aproveitando-se a combinação com a água dos oceanos, criam-se moléculas. Diversos átomos interagem de forma exótica. As moléculas estabilizam-se através do ADN, o seu código replica-se. Nessa cópia há erros, produzem-se imperfeições, gera-se diversidade, organismos multicelulares (fungos, plantas, répteis, dinossauros). Um asteróide que cai na Península do Yucatan recria o efeito de uma bomba nuclear. Os dinossauros desaparecem, criando as condições para a sobrevivência do ser humano. Estes começam a migrar pelo mundo, procurando meios de sobrevivência. Com a aprendizagem, descobrem a riqueza dos solos, começam a trabalhá-los. Desafiando a 2ª Lei da Termodinâmica, o mundo evolui agora da desestrutura para a estrutura, da desordem para uma nova ordem criada por condições especiais.   

 

Nem sempre porém o que se passa no Universo é replicado no futebol. Este é como aquela irredutível aldeia gaulesa cercada por romanos que ainda assim obstinadamente se recusa a capitular e a ceder perante a nova ordem. O cúmulo disso é o futebol português. Neste, o demais nunca é suficiente, e por isso o suficiente é sempre um bocadinho demais. Mas ainda há quem aprenda.  

 

O Sporting deslocou-se ontem à Cidade-Berço. Confesso que estava apreensivo. Não tanto pelo valor dos vimaranenses, mas devido às fragilidades do futebol português. Ademais, com 3 filhos, de berçários percebo uma coisa ou outra. Por exemplo, sei o que é chorar por auxílio e também sei que tal por sistema se resolve com colinho. Porém, a entrada da nossa equipa em campo sossegou-me. Nesta nova era de Ruben Amorim a energia dos nossos jogadores é contagiante. Dessa energia produzem-se diversas associações, nascem estrelas como Pedro Gonçalves. Nesse sentido, o Pote é a nossa Art Deco, a habilidade fina que gera luxo e glamour durante a nossa presença em campo. Com apenas 1 minuto observado já tínhamos desperdiçado duas oportunidades. Em ambas o denominador comum foi João Mário. Na primeira, na assistência para Sporar. Na segunda, no remate. Bola na barra. Pouco depois, Sporar voltou a falhar. O esloveno é um ponta de lança que consegue gerar complexidade mesmo no meio da sua própria fragilidade. Exemplo disso é a desordem que provoca de cada vez que isolado falha um golo fácil, logo compensada pela ordem que o norteia em transições rápidas e lhe permite vislumbrar matéria à solta em ponto de ruptura. Tantas vezes o barro foi atirado à parede que o Pote apareceu. A bola foi metida no Nuno Santos e este fez tudo aquilo que não é recomendável nos compêndios do futebol. Resultado final: golo. Houve ainda uns bons 10 minutos, mas a partir daí a equipa começou a criar desestrutura. O Neto ia mostrando ter mais propensão para o hara-kiri que para o tiki-taka, o João Mário teve um eclipse penumbral e as nossas vagas de ataque deixaram de ter a lua como orientação. Nessa fragilidade, sem iluminação, o nosso jogo entrou nas trevas. As tatuagens de Quaresma e de Edwards mostravam o mapa da mina, mas por uma razão ou por outra esse caminho tardava em ser encontrado. O Sporting sofria em campo. Tempo então para a magia de Harry Pote aparecer. Desta vez num remate. Fatal. Haveria melhor maneira de terminar o primeiro tempo?

 

A etapa complementar começou com um golo anulado ao Guimarães e outra soberana oportunidade. Só que, subitamente, um momento de desconcentração, aliás recorrente também neste Vosso autor, sentenciou o jogo. Eu explico: há dias em que saio de casa, chego ao carro, e de repente lembro-me que deixei as chaves da viatura em casa. Volto para trás, subo as escadas, abro a porta, tudo isto para descobrir que afinal as chaves do carro estão num outro bolso do fato que trago vestido. Lá regesso à primeira forma, encaminho-me de novo para a rua, por entre a cólera e um sorriso, ciente de que já não compensarei o atraso provocado por este meu lado lunar. Algo do género terá ocorrido na cabeça do Sulliman. O Pote agradeceu. E voltou a facturar. No banco, o Ruben Amorim percebeu que isto era demais, a equipa não estava a jogar para esses números, o nosso meio-campo por essa altura era uma dique preste a desmoronar. Vai daí, entendeu que o suficiente seria introduzir Matheus no jogo. E o brasileiro entrou e estabilizou o meio campo. E o brasileiro entrou e em duas arrancadas que nem um André ao quadrado conseguiu suster fez-se notar ao mundo, explicando a injustiça da natureza de certas críticas de quem não compreende que a única limitação do seu jogo é a que reside na sua própria mente, que físico, táctica e técnica coexistem perfeitamente em si. Se a primeira arrancada terminou ingloriamente no pé direito de Nuno Santos, a segunda chegou a Jovane. E o Patinho Feio não a desperdiçou. Nem poderia, porque não há nada de feio na forma como Jovane encara o jogo e uma baliza. O Bruno Fernandes, a quem dedicou o golo, sabe-o bem.

 

Por esta altura dirão Vós: mas o que é que Blake, a 2ª Lei da Termodinâmica e a criação do Universo têm a ver com um jogo de futebol? Tem tudo a ver, senão vejamos: temos uma equipa super nova, o que não é uma novidade. O que é novo é Ruben Amorim e Pote, duas Supernovas, que fazem com que o nosso universo particular tenha evoluído de desordem e desestrutura (excessos) para uma nova ordem que até permite vislumbrar uma suficiente Estrutura.

 

Nessa complexidade, até a fragilidade da maldição do número 7 se dissipou. Ora vejam: ganhámos no dia 7, na 7ª jornada e ficámos 7 pontos à maior (ainda que à condição) sobre o último lugar que dá acesso directo à Champions de 2021/22 - um jackpot de Setes. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pote 

 

P.S. A arbitragem esteve em bom plano, VAR incluído (embora aquele lance de hipotética mão na área do Vitória possa prestar-se a diferentes interpretações).

pote2.jpg

02
Nov20

Tudo ao molho e fé em Deus

Pote em brasa


Pedro Azevedo

Depois de um Jogo do Galo a meio da semana que só se começou a resolver quando finalmente conseguimos meter 3 em linha - Nuno Santos, Jovane e Sporar, no lance do primeiro golo -, o Sporting voltou ao José Alvalade para desta vez receber o Tondela. 

 

De Tondela vem bom fumeiro, e já se sabe que isso pede um Pote ao lume. Quem diz ao lume, diz em brasa, e assim foi, para gáudio de todos os Sportinguistas que puderam assistir pela televisão, que isto de encher chouriços ao vivo só seria possível se o entendessemos de forma figurativa, havendo então liberdade por exemplo para ir à Festa do Avante ou deixar o pimba em paz no Campo Pequeno. Uma "tourada" (e não uma corrida de touros), ou não se fiassem os nossos políticos em cidadãos com olhar bovino. 

 

Assim sendo, imediatamente antes e depois do intervalo para compromissos publicitários, a SportTV lá mostrou as imagens do Pote "on fire", iguaria que foi sendo acompanhada por uns tintos encorpados de uma bem equipada (adega da) região do Dão tão cara aos de Tondela. A festa estava bonita, tanto que até houve quem jurasse ter visto fumar um Porro. Quem não estava para folias era o Trigueira e com ele o Sporar durante muito tempo não fez farinha. De outro modo, com tanto chouriço beirão à sua volta, teria "enchido a mula". 

 

A noite já ia alta e os convivas foram saindo de cena. Fui então espreitar a sede da Liga, e não é que vi fumo verde e branco a sair da chaminé? "Habemus Ducem", que é como quem diz: temos líder. É verdade, trinta e sete jornados depois, ainda que à condição, o Sporting volta a comandar a classificação da Primeira Liga! Assim sendo, vou também eu "passar pelas brasas". Bons sonhos e uma noite descansada a todos os Sportinguistas!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Gonçalves "Pote" (2 golos e participação num outro). Marca de cabeça, pé esquerdo, pé direito, ao todo são já 5 golos em outros tantos jogos do campeonato (ausente em Paços de Ferreira). Pedro Porro (1 golo, 1 assistência, 1 participação em jogada de golo) seria uma alternativa óptima. Destaque ainda para a estreia a titular de João Mário, a qual seria coroada mesmo no fim com uma assistência para golo (a assistência para não-golo havia ocorrido logo nos primeiros momentos de jogo).

pote tondela.jpg

29
Out20

Tudo ao molho e fé em Deus

Um Sporting à Benjamin Button


Pedro Azevedo

O Sporting começou o jogo de uma forma lenta e muito previsível, foi-se revigorando à medida que os laterais passaram a ser alas puros e a saída via médios trocada pelo jogo em "U", e acabou rejuvenescido por um banho de golos sucessivos nos últimos 10 minutos que não expressa minimamente as dificuldades sentidas na maioria do tempo. Em suma, um Sporting à Benjamin Button que nasceu para o jogo com um Neto já avô e só deu a volta quando o avô deu lugar ao neto. 

 

Diga-se em abono da verdade que as dificuldades sentidas pelos leões se deveram à astúcia do treinador gilista. Sagaz, Rui Almeida bloqueou durante todo o tempo a saída de bola leonina pelo centro, dispondo para tal de um losango que enquadrava o par de médios do Sporting. Em permanente inferioridade numérica (2 contra 4) e sem centrais com qualidade técnica para conduzir a bola por entre as linhas da equipa de Barcelos e assim ajudar a diminuir a desproporção de homens no miolo, os leões viram-se bloqueados e sem soluções. Não se estranhou por isso que ao intervalo o resultado permanecesse inalterado. 

 

Para agravar a situação, uma desatenção imperdoável numa bola parada permitiu ao Gil Vicente adiantar-se no marcador logo após o reatamento. Ruben Amorim procurou mexer à hora de jogo, mas nenhuma das suas soluções resolveu o problema central e o Sporting continuou com apenas dois homens no meio-campo. Por essa altura (substituição de Neto), Nuno Mendes era o central pela esquerda, Pote recuara para fazer dupla com Palhinha e Nuno Santos já jogava mais como ala do que lateral. Porém, só aos 71 minutos, com a troca de Porro por Daniel Bragança, é que o Sporting conseguiu encontrar um antídoto para o espartilho em que o Gil Vicente o colocou. Não porque a equipa tivesse conseguido circular pelo meio - para tal recomendar-se-ia o 4-3-3, que além do mais nos teria exposto menos às transições adversárias que poderiam ter sido fatais assim houvessem tido uma melhor definição - , que continuava obviamente bloqueado, mas sim devido à adopção do 3-2-5. Ruben a imitar Herbert Chapman e a recriar o WM popularizado pelo Arsenal, com Tiago Tomás e Nuno Santos como extremos, Jovane e Pote como interiores e Sporar como avançado centro. Evidentemente, para além dos sistemas existem as dinâmicas, e de uma troca de posição entre Pote e Nuno Santos viria a surgir o golo do empate: o ex-famalicense cruzou, Nuno Santos antecipou-se a Jovane - estava com marcação - e apareceu ao primeiro poste a desviar a bola e Sporar cabeceou com êxito ao segundo pau. Estavam decorridos 82 minutos, um minuto que se viria a revelar de grande galo para os de Barcelos. Isto porque logo de seguida, o Sporting voltou a marcar: transição rápida, Sporar recuperou a bola e passou-a a Bragança, e o menino mete um passe frontal de grande classe a isolar Tiago Tomás que chutou no tempo certo e sem dar a possibilidade a Dennis de ser um pimentinha e estragar a noite aos Sportinguistas. Com dois golos num só minuto os gilistas desorientaram-se e, após uma perda de bola infantil dos de Barcelos, Pote encerraria a contagem com um passe à baliza de categoria. Foi um momento Art Deco, na medida em que misturou a exuberante beleza plástica da sua movimentação com o toque fino e suave que trouxe à memória a inteligência e a técnica rendilhada do ex-internacional português Deco. Ruben bem havia alertado que o jogo com o Gil seria a nossa Champions, e o golo de Pedro Gonçalves a fazer lembrar um moderno Deco foi o mais próximo que estivemos de ouvir a magistral composição de Handel. Música para os meus ouvidos, o único dos meus sentidos que por essa altura ainda parecia estar a funcionar após uma noite muito sofrida e em que as imagens que surgiam através do ecrã pareceram durante muito tempo inverosímeis.  

 

Tenor "Tudo ao molho...": Sporar

danielbragancasporar.jpg

25
Out20

Tudo ao molho e fé em Deus

Pote de ouro na casa de Matheus


Pedro Azevedo

Em nenhuma outra modalidade é tão possível o David bater o pé ao Golias como no mundo do ludopédio. Por isso, o futebol possui um sortilégio inigualável entre os diversos desportos. Muitas vezes a equidade provém da falta de eficácia do mais forte, outras vezes do engenho e da organização do mais fraco que permite que o todo valha muito mais que o somatório das partes. Na maioria dos casos porém esse equilíbrio é fruto das conjugação destes factores. Isto em condições de pressão e temperatura constantes do sistema, claro. Infelizmente, nas últimas décadas, em demasiadas ocasiões quando o Sporting joga, ou o termostato se avaria ou temos bar (e var?) aberto. Concomitantemente, o sistema desregula-se. E sempre que falha um sensor, nunca falta um censor.

 

Hoje à tarde, nos Açores, o Sporting podia e devia ter resolvido a contenda na primeira parte. Com Palhinha imperial no centro do campo, Matheus é como um elástico à sua volta que se vai esticando ou apertando consoante as necessidades da equipa. Durante o primeiro tempo esticou-se tanto que isso provocou suficientes desequilíbrios para matarmos o jogo. Faltou eficácia, que é como quem diz faltou um "Matador", um ponta de lança. Quem não tem cão, caça com gato, e Pote (a passe de Jovane) desfez a igualdade com um remate certeiro de pé esquerdo executado de ângulo difícil. Dir-se-ia que o pior já tinha passado, mas isso é coisa que nunca passa pela cabeça de um Sportinguista. Anos e anos de improbabilidades que se reverteram contra nós fazem com que em cada Sportinguista haja um ser muito desconfiado e cínico. Não se infira daí que temos medo de ser felizes. Nada disso. Aquilo que efectivamente tememos é voltarmos a ser apanhados desprevenidos. É que depois não haveria coração que aguentasse o Coates ensarilhar-se com a bola e abrir uma improvável autoestrada numa pequena ilha. Assim, lá fomos nós para o intervalo com mais uma daquelas vitórias morais do nosso passado recente.

 

No recomeço, o Sporting não voltou tão desenvolto. A relva, em péssimo estado, fofa e cada vez mais solta, também não ajudava. Mas fundamentalmente deixámos de controlar o meio-campo tão bem como no primeiro tempo. Para tal muito contribuiu o elástico ter-se partido. Esgaçado, tanto pelo uso (vai-vem constante) como pelo atrito (entradas a matar dos insulares), Matheus não conseguiu contribuir como anteriormente e a equipa ressentiu-se. O jogo tornou-se muito menos fluído e nem mesmo a entrada de João Mário o abanou suficientemente. Ainda assim tivémos duas soberanas ocasiões de golo, ambas ingloriamente desperdiçadas por Sporar (substituiu Jovane). Na primeira, o esloveno cabeceou sozinho e não acertou na baliza; na segunda a bola parece que o perpassou como se ele fora um holograma dos balcãs, efeito sobrenatural já avistado em duas ou três situações com idêntico protagonista em Alvalade. Porro e João Mário, respectivamente, fizeram as assistências com mel. Até que Pote, correspondendo a um passe longo de Feddal, beneficiou de um momento de apanhados em que o guarda-redes contrário se retirou a si próprio e a um defesa do lance e, novamente de pé esquerdo, marcou. 

 

Vitória justíssima do Sporting, ainda que tanta caridade cristã, embora neste caso com a atenuante de ser com (o) Santa Clara, não seja recomendável no futuro a não ser que também se pretenda fazer um voto de pobreza. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Gonçalves ("Pote")

pote santa clara.jpg

18
Out20

Tudo ao molho e fé em Deus

O “worst case scenario” do Sporting


Pedro Azevedo

O "worst case scenario" é um conceito de gestão de risco inerente ao planeamento de uma determinada estratégia que contempla o pior cenário que se pode perspectivar com razoabilidade a uma determinada situação a fim de melhor se poderem acomodar eventuais futuras contingências relacionadas com eventos muito improváveis. Muito aplicado na banca, empresas e forças armadas, ainda assim ontem voltou a ficar provado que o "worst case scenario" não serve ao Sporting. Acham que estou a exagerar? Imaginemos hipoteticamente o seguinte: um defesa do Porto põe a mão continuamente em cima do ombro de um avançado do Sporting que se isola na área e na sequência dessa acção cai. Perante esta situação, considerando a mais recente jurisprudência resultante do golo anulado a Coates em Portimão por mínima pressão (não continuada no tempo) com a mão, se eu fosse treinador do Sporting e estivesse a planear o jogo, na antevisão de um lance desses daria 95% de probabilidade a ser marcada uma grande penalidade contra o Porto e expulsão do jogador portista (último defesa). Todavia, na realidade - a hipótese formulada aconteceu mesmo em campo - tal vir-se-ia a revelar insuficiente, pois embora o efeito prático da decisão do árbitro tenha sido o mesmo, o jogador não viu o vermelho mas sim o amarelo (no caso, o segundo). Assim sendo, esta observação apontaria para uns 99% de probabilidade (mínimo: grande penalidade e cartão amarelo), intervalo de confiança para a gestão de risco que na história da humanidade só não resistiu ao 11 de Setembro de 2001 e à crise do subprime. Dir-se-ia então razoavelmente imbatível. Eis então que, consultado o VAR, não só o "penalty" é revertido como também o segundo amarelo. Nesse estádio, a probabilidade de contingência em termos de risco para essa situação específica já era equiparável à de um massivo ataque terrorista (ou à de uma emissão de obrigações hipotecárias tóxicas). Mas não ficaria por aí, pois o treinador do Sporting foi expulso por alegados protestos que não terão caído bem ao árbitro que anteriormente havia observado a grande elevação dos responsáveis do banco portista que no português mais irrepreensível e sem vislumbre de qualquer vernáculo lhe haviam pedido por favor, por entre tratamento de V.Exª., digníssimo e ilustríssimo, para consultar o revolucionário amperímetro com que ligado à corrente o VAR na Cidade do Futebol mede a intensidade. Conclusão: no futebol português nem o "worst case scenario" nos acode. Perante o que acabo de descrever, o empate final registado no marcador acabou por ser uma contingência menor em termos globais face a uma situação não-razoável que ocorreu durante o jogo, circunstância essa que me fez evocar os tempos de um certo treinador croata que por cá passou e tão boa impressão deixou pela coragem de apostar nos jovens e estoicismo cavalheiresco com que aguentou os sucessivos atropelos às regras da arbitragem que acabariam por desviar da rota do título uma equipa que no campo exibia um belo futebol.

 

O jogo? O Sporting foi mais equipa e o Porto teve melhores jogadores. A uma boa organização leonina responderam os portistas com as individualidades Luis Diaz e Corona. Matheus Nunes falhou à primeira e Nuno Santos não perdoou à segunda oportunidade. Numa diagonal entre os centrais, Uribe empatou. Luis Diaz ia semeando o pânico na direita da defesa leonina e, após um contra-ataque rápido mal desfeito pelo jovem Nuno Mendes, Corona espalhou o vírus do seu futebol no marcador com toda a defesa leonina em isolamento forçado. Em cima do intervalo, o "worst case scenario" descrito em cima.

 

No reatamento, a toada mantinha-se igual por entre terços e até rosários rezados de cada vez que a bola assomava a Neto. Até que ao fim do segundo terço (do jogo), Sérgio Conceição trocou Diaz e Marega por Martinez e Anderson e o Sporting aproveitou para tomar conta das operações. O Porto limitava-se ao tão enganador quanto ilusório "controlo do jogo", expressão do futebolês que já se sabe não augura nada de bom e precede um imediatamente posterior ar de estupefacção do treinador tuga com uma "batata" com que não estava a contar enquanto alegremente especulava com o jogo, ou seja, entregava a bola ao adversário. Simultaneamente, o Sporting ia progressivamente arriscando mais e mais a partir do banco. Até que uma transição dos dragões virou numa ainda mais rápida transição leonina - ou não tivesse vindo do carrinho de Palhinha - e Vietto empatou a partida após defesa de Marchesin a um toque de calcanhar do entretanto regressado Sporar. 

 

O segredo do Sporting esteve na labuta do miolo do terreno, onde Palhinha (segundo tempo) e Matheus Nunes (primeira parte) estiveram em bom plano e Pedro Gonçalves deu uma ajuda preciosa. Palhinha foi para mim o melhor em campo, por sozinho ter assumido a secção de metais e a percussão quando Ruben Amorim precisou de violinistas para as cordas com que subtilmente agarrou a equipa ao jogo face aos tocadores de bombo que vieram do Norte. Quanto ao brasileiro, voltou a ser massacrado com inúmeras faltas que, para além de nunca resultarem no cartão amarelo correspondente, acabam por o enfraquecer durante o jogo. Exemplo do que acabo de escrever foi a inacreditável inacção disciplinar do árbitro numa acção grave de um portista onde o Ma theus ficou partido em duas sílabas de dor numa palavra aguda, em lance que viria a terminar num remate de Porro a rasar o poste. Quanto a Pote, andou sempre abaixo e acima, defendendo e atacando, recuperando bolas, rematando sempre que pôde e cruzando como no lance do qual resultou o empate final que se viria a registar no marcador. Relevo ainda para a estreia de João Mário, um regresso a casa ao fim de 3 anos de ausência.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Palhinha

palhinha.jpg

(Imagem: A Bola)

05
Out20

Tudo ao molho e fé em Deus

Solar dos Nunos


Pedro Azevedo

Há muitas formas de sofrer a ver um jogo de futebol. A mais radical implica ouvir os comentários da SportTV quando em campo está o Sporting, momento em que a experiência adquire contornos de uma realidade paralela que nos deixa em constante sobressalto. Vou dar-vos alguns exemplos: uma pessoa vê o Matheus Nunes e o Pote a serem ceifados como o trigo e é obrigada a esfregar os olhos várias vezes até concluir necessitar com urgência de uma consulta oftalmológica quando ouve o inefável comentador a defender que não há espiga e, por conseguinte, amarelo. Numa outra ocasião, até fui arrancado do sofá. O brasileiro é pisado no pé e de dentro do aparelho surge o som: - "Quem anda à chuva, molha-se!" - , sentencia um orgulhoso Sousa. Assim mesmo, figurativamente, porque precipitação só mesmo na cabeça do senhor e a "chuva" a que ele se refere é de pitóns de alumínio que literalmente incidem sobre o pobre do Matheus e só "molha" os tolos que ainda se dão ao trabalho de manter o som da televisão ligado. Mais à frente, o Coates tem uma entrada perigosa que é logo apelidada de "duríssima". Depreende-se assim que a chuva quando cai não é para todos. Mas quando um algarvio se pendura num dos nossos, logo surge um "É bem!". Faz sentido, quem anda à chuva molha-se, especialmente se não tiver uma sombrinha. Às tantas o Portimonense ia atacando cada vez mais e o bom do comentador saiu-se com um "É um massacre!". Concordei e tirei o som ao aparelho...

 

Comi qualquer coisa ao pé do televisor e o que vi, ao contrário do que ouvi, não foi um calvário. Calvário onde fica o Solar dos Nunes, que por acaso nem é calvário nenhum mas sim um paraíso epicurista. Só que a noite foi mais de "Solar dos Nunos", do Mendes e do Santos, o berço onde nasceu a nossa vitória. O primeiro, o Mendes, caiu mesmo agora do berço e já marca golos deste mundo e do outro como se fora Rei do reino de Aquém e Além Dor, local imaginário onde não há sofrimento dos adeptos Sportinguistas. Pelo que o jogo, em vez do proverbial "Florbela" espanca-me, começou por oferecer uma flor bela do canteiro de Alcochete cujo aroma nos inspirou. E tanto assim é que ainda mal refeitos estávamos da emoção e eis que o Santos aparece à matador e de cabeça, qual lilliputiano investido de Gulliver, faz o segundo. Surpreendidos? Quem anda à chuva, molha-se!

 

Não queiram saber a choradeira que houve antes do jogo. "Ai que o Wendel isto, ai que o Wendel aquilo", segundo a crítica agora é que estávamos feitos ao bife. Acontece que o Wendel para mim sempre foi como os anos bissextos, que acontecem de quatro em quatro. Assim era ele, em jogos. Quando o calendário era comum, o Wendel tornava-se um caminhante. E um contemplativo. Um indivíduo que partia sozinho, sem destino, por estradas secundárias. Parando aqui e ali para observar a paisagem. Eu não percebia bem para onde e por onde ia ele, mas os peritos diziam que ele cumpria a importantíssima função de transporte. Enfim, para essa missão eu até preferia aquela miúda do gás Pluma da Galp, mas com tanta gente a cair-me em cima às tantas conformei-me. Só que o Matheus começou a aparecer na equipa principal e eu, que o tinha visto nos sub-23, achava-o muito atado e longe do que já lhe tinha visto antes do senhor Sousa me levar a crer que precisava de óculos. Se a mim se me oferecia estar atado, para alguns peritos ele era de uma irrelevância total, a velha dicotomia entre o estar e o ser que pendia contra ele (e mim). Até que o Wendel foi para São Petersburgo e o Matheus com toda a sede ao Pote fez-se finalmente ao caminho. Porém, em vez de picadas escolheu vias rápidas, mais directas. E nunca parou. Entregando sempre (não perdeu uma bola) e voltando de seguida para recolher mais inventário. Às tantas o Sousa até disse estar surpreendido por não conhecer essa faceta do Matheus. E não é que quando acabou o jogo fiquei a pensar nisso? Bom, até recuperei o som da SportTV e tudo. Arrependido, porque afinal o senhor até mostrou sabedoria e honestidade intelectual ao não hesitar dar valor a alguém que anteriormente havia desvalorizado e eu calei-o. Olhe, caro Sousa, é como você para os árbitros: para a próxima prometo ter um critério mais largo consigo.

 

Os primeiros 30 minutos foram muito bons, depois a equipa acusou o desgaste físico e psíquico do jogo de Quinta. Primeiro físico, deixando de se desdobrar tanto ofensivamente. Depois psíquico, procurando apenas afastar a bola da sua área, sem critério. Naturalmente, chegado esse momento, os jogadores mais experientes resistiram melhor. Quase todos, com a única excepção de Feddal. Assim, Neto fez provavelmente o seu melhor jogo de leão ao peito, cortando imensas jogadas de perigo. Mesmo cansado, com a bola nos pés não se lhe afiguraram mil novecentas e seis alternativas sobre que destino dar-lhe, mostrando que nem sempre a falta de irrigação do cérebro causada pela falta de oxigenação é contraproducente. Coates foi o colosso a que nos vem habituando e Adán à falta de ter de orientar a barreira foi ele próprio uma barreira às intenções dos algarvios. Nos mais novos, Porro foi um queniano, Pote mostrou qualidade de passe e disciplina no posicionamento à frente da defesa e o TT desta vez fechou mais espaços do que os que abriu. Vietto deu-se ao jogo enquanto durou, perdoando-se-lhe o já habitual desacerto na hora da finalização pela assistência que deu para golo. E, claro, os Nunos foram decisivos.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Matheus Nunes

portimonense sporting.jpg

28
Set20

Tudo ao molho e fé em Deus

Cartão amarelo


Pedro Azevedo

Não sei qual o espanto da generalidade dos comentadores, mas se durante todo o fim de semana só se ouviu falar em cartão amarelo a propósito da actualidade do Sporting teria sido muito difícil isso escapar aos ouvidos do Fábio Veríssimo, não é verdade? É que estas coisas sempre influenciam um bocadinho. Outra coisa: desde o Rui Costa, os árbitros vão todos àqueles cabeleireiros onde lhes fazem um penteado à voleibolista americano dos anos 80 e 90 e à saída começam logo a ouvir piadinhas fáceis do tipo de "sim, senhor, bonito serviço, merece um cartão amarelo!". De seguida vão até Paços, cidade conhecida por o clube da terra ser um submarino amarelo daqueles à portuguesa que já não submerge e anda sempre na linha de água. Como um árbitro gosta sempre de dar nas vistas, um amarelo aos pacenses quase nem se nota, não faz contraste. Vai daí, aponta para o lado, que no caso é verde e branco. Só assim se explica que quem comete 18 faltas escape com 2 amarelos e quem infringe a regra uma dúzia de vezes apanhe com meia-dúzia de admoestações de tom icterícia. É  a mesma razão que justifica o Benfica raramente vêr cartões vermelhos. A excepção só está ao alcance de árbitros daltónicos. E o daltonismo no futebol português não costuma augurar grandes vôos...

 

Por falar em amarelo, quem não se deixou levar em cantigas foi o Ruben Amorim. Sabendo que os eslovenos andam habitualmente de camisola amarela (Tour), não quis arriscar colocar de início o Sporar contra o Paços para não ficar em inferioridade numérica. Perspicaz, o nosso treinador! Assim, o Tiago Tomás foi titular. E não se deu mal. Se é verdade que a abrir falhou um golo cantado, de seguida engendrou uma sofisticada carambola bilharistica que aprendeu com o Theriaga numa daquelas acções de "team-building" leoninas e levou a bola por fim a embater na mão de um incauto pacense que cometeu a ingenuidade de pensar que se podia usar os braços mesmo fora do enquadramento da baliza. O Totói, do União de Tomar dos anos 70, neste futebol actual seria um craque...

 

Quem passa o tempo a esbracejar é o Neto. Já sem o avô (Mathieu) em campo, entretanto reformado, o único que o atura é o Coates. É que o homem, de cada vez que tem a bola nos pés, pensa em 1906 coisas ao mesmo tempo, tempo mais do que suficiente para um adepto em casa sobreaquecer as sinapses antes do nosso defensor acabar por despachar a bola à queima. E, quando não tem bola, geralmente fica a contemplar a sua trajectória, esperando que o pronto-socorro uruguaio faça o resto. Em todo o caso, não há lance por si protagonizado que não acabe em recriminação a alguém. Menos a ele próprio, claro. Dizem que é sintoma de liderança...

 

Anda por aí muito boa gente a embirrar com o Matheus Nunes. Coitado do rapaz, já provou nos sub-23 o que pode fazer com a bola nos pés. Acontece que não é isso que o Ruben lhe pede nos seniores. E ele lá vai fazendo o que lhe é pedido, o que não será o melhor para ele, mas será certamente o que fará mais sentido à equipa na ideia do Ruben Amorim. E, como este não o tira, admitamos que se calhar está a fazê-lo bem. Ontem pelo menos correu o campo todo. Ele e o Wendel. Ambos sem o brilhantismo de um Porro ou de um Nuno Mendes, há que dizê-lo, mas com grande utilidade para uma equipa onde na tracção atrás o Vietto não engrena a marcha. 

 

Mas o Homem do Jogo foi o Coates. Poemas homéricos deveriam ser elaborados sobre a exibição do uruguaio ontem na cidade do móvel. Em tempo de pandemia que recomenda o uso de máscara, o homem parece viver sob o efeito do Mask do Jim Carey, transfigurando-se, com elasticidade desdobrando-se à esquerda e à direita consoante as desatenções dos homens que lhe colocaram ao lado. Na ausência de um ponta de lança, investindo-se ele dessa qualidade. E é verde, obviamente. E grande capitão! Se há quem tenha beneficiado do sistema de 3 centrais para dar um salto de qualidade, esse jogador é Sebastián Coates, El Patrón! 

 

Como o futebol não é só luta e é também arte em movimento, deixem-me destacar para o fim o Daniel Bragança. Pobre do Eustáquio, que ainda deve estar a perceber "o que passou-se" quando o menino lhe passou a bola por cima da cabeça e foi buscá-la mais à frente. Passo a passo, ou paço(s) a paço(s), o miúdo vai mostrando o valor de quem habita a nobre residência leonina sita em Alcochete. E, no entretanto, evidenciando que a celebérrima teoria do "gap" da Formação foi um passo no caminho para o abismo que nos fez ingloriamente perder 1 ano (e muitos jogadores que poderiam estar aqui). 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Sebastián Coates. Vamos!

CoatesLUSA.jpg

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Mensagens

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D

Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

Siga-nos no Facebook

Castigo Máximo

Comentários recentes