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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

Castigo Máximo

29
Jun20

Possibilidade de desenvolvimento do nosso jogo


Pedro Azevedo

Uma equipa que pratique um futebol atacante como a do Sporting está na maior parte do tempo instalada no meio campo adversário. Ora, atendendo a que habitualmente um campo tem as dimensões de 110 m/70m - considerando que a linha defensiva estará posicionada um pouco atrás do grande círculo, o ponta de lança andará nas imediações da grande área contrária e os laterais/alas abrirão em largura - , então na maior parte do tempo a equipa ocupará um espaço de 45 metros de comprimento e 70 metros de largura.  

 

Com bola, o Sporting de Ruben Amorim ocupa 4 linhas, guarda-redes excluído. Existe uma primeira linha defensiva de 3 centrais, uma segunda que compreende dois médios centrais e dois laterais/alas, dois avançados interiores como enganche e um ponta de lança. Ora, fazendo as contas, supondo que a distância entre todas as linhas é uniforme, teremos uma distância entre linhas igual a 15 metros, o que é superior àquilo que seria unanimemente recomendável para praticar um futebol posicional (à volta de 10m). Acresce que é possível ver à vista desarmada que médios centro e centrais estão demasiado próximos, o que faz com que o espaço compreendido entre os médios centro e os dois enganches ascenda por vezes a 20/25 metros, o que, ou inibe o passe e engasga o nosso jogo (lateralizações), ou acaba por estar na origem da perda de tantos passes, ambas as situações contribuindo para piorar a qualidade do nosso jogo. Se a isso adicionarmos a falta de conhecimento por parte de Plata daquilo que é requerido a um interior e as características individuais de dois enganches que pensam muito mais como avançados do que como médios (acelerando e não temporizando), fica explicada a razão pela qual tantas vezes a solução de recurso para os médios é colocar a bola directa em Sporar. Tal permite também perceber porque habitualmente a circulação de bola do Sporting é em "U", procurando parcerias entre os laterais/alas e os interiores por detrás do ponta de lança que essencialmente têm características de extremos e acabam por procurar muitas vezes a bola junto às linhas laterais. 

 

Uma solução para este problema, que se poderá vir a manifestar de forma nefasta nos resultados contra equipas mais evoluídas, poderia passar pelo recurso a mais uma linha no meio campo. Existem duas possibilidades de colocação dessa nova linha no terreno, mas só um jogador ideal para a ocupar: Francisco Geraldes. A meu ver, ambas as possibilidades trazem vantagens, todavia uma delas poderá incluir inconvenientes. A primeira possibilidade passaria por Chico substituir Plata, recuando um pouco face a Jovane, assumindo-se mais como um médio atacante do que como um enganche de Sporar, dando uma componente mais cerebral ao nosso futebol. O senão desta alternativa é a equipa poder perder alguma capacidade de explosão na frente. A segunda possibilidade, aquela em que mais acredito, envolveria a saída de um dos médios centro actuais e a criação de uma linha à frente onde actuaria Geraldes. A ideia seria haver uma clara definição entre as posições "6" e a "8", o que ajudaria o nosso jogo interior a desenvolver-se mais. Acresce que, com 3 centrais atrás, me parece excessiva a utilização de dois médios a par na linha imediatamente à frente, situação que leva muitas vezes a um engarrafamento na saída de bola e cria até indefinição sobre quem atacar a bola no processo defensivo (vidé o segundo golo, de carambola, do Vitória de Guimarães). Com 5 linhas, o espaçamento entre sectores seria mais próximo do ideal (11,25m) e a equipa poderia ligar muito melhor e variar mais o seu jogo ofensivo, incluindo aí as entradas frontais do "8" que hoje em dia não temos. Por outro lado, aquando da perda de bola a equipa estaria muito mais inteligentemente disposta no terreno para a recuperar rapidamente, não dando espaço entrelinhas nem permitindo transições. (A grande vantagem para mim deste 3-4-3, ou 3-4-2-1, ou 5-4-1 quando sem bola, é a possível inclusão de Geraldes como "8", algo que não seria tão credível num 4-3-3 onde ao "8" é pedido muito mais trabalho defensivo.)

 

Não sei o que Ruben Amorim pensará disto, porque no actual contexto da comunicação nos clubes portugueses poucas vezes há a possibilidade de questionar um treinador sobre o futebol jogado. Mas que gostaria de lhe perguntar como vê esta possibilidade de desenvolvimento do nosso jogo, lá isso gostaria. 

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27
Jun20

Tudo ao molho e fé em Deus

The Karate Kid e o Koffi ora gigante, ora anão


Pedro Azevedo

Na vida é sempre importante sabermos as linhas com que nos cosemos. O Ruben Amorim tem isso presente e, vai daí, aplica-o literalmente ao futebol. O problema é que muita intersecção de linhas gera obviamente demasiados passes laterais e essa tem sido a óbvia consequência de um sistema táctico do promissor técnico leonino que privilegia o engarrafamento na zona central, com dois médios a par e três defesas por detrás ("O Pentágono"). Assim, muitas vezes o Matheus cose e coze o Wendel e este responde assando (as pernas de) o Matheus com passes miudinhos que no rugby se denominam de "para o hospital", auto-anulando-se os dois no que diz respeito ao processo ofensivo e criando indefinição quando toca a defender. Evidentemente, havendo linhas sobrepostas atrás, faltarão sempre linhas à frente, algo que tentamos contornar com a solução do chutão à procura do Sporar, o 112 dos inermes. Quando o esloveno consegue segurar a bola, então aí aparece Jovane, um cabo-verdiano que se descreve melhor recorrendo ao poeta Régio: "a minha vida é um vendaval que se soltou, uma onda que se alevantou, um átomo a mais que se animou". É tudo isto que o Sporting ganha quando Jovane está em campo, os tais últimos 30 metros que comprometeriam irremediavelmente a eficiência da geringonça de passe/repasse outrora montada por Silas ("A Posse")...

 

Andávamos nós neste empastelamento quando os de Belém meteram também as mãos na massa e, pumba, espetaram-nos um pastel: defesa completamente desposicionada e larga no relvado, transição rápida e golo. Mas eis que o Coates foi gigante e o Koffi anão. Qual alto signatário das Nações Unidas, o burquinês estendeu a passadeira a bem da paz e cooperação entre os povos. O uruguaio dedica o golo ao seu antigo camarada de armas, Monsieur Mathieu. Um-dó-Li-cá, e eis que o Codecity volta a marcar. Anulado, por fora de jogo. Por essa altura andava o Plata numa das suas inconsequências quando avista o Ristovski. O macedónio põe a bola com olhinhos na área, o Sporar arrasta marcações e o Jovane mostra que um leão também pode ser um dragão como o Bruce Lee. Depois, o Matheus consegue sair da cabine telefónica onde o meteram com o Wendel e faz um passe longo para o Nuno Mendes. Este dá ao Jovane e o menino inicia intermináveis tabelinhas com o Sporar que acabam com o esloveno caído na área. Penálti, diz Molero, perdão, Malheiro. O Jovane chuta, mas o Koffi dá 2 passos à frente e defende miraculosamente. Tempo então para nos interrogarmos sobre a identidade Sportinguista e os caminhos possíveis para a sua coabitação com uma pluralidade de formas artísticas no futebol português. Molero, perdão, Malheiro também reflecte sobre o tema e eis que perante a incredulidade de todos os leões confinados nos seus lares vemos um árbitro a cumprir com as regras num jogo do Sporting. O Ristovski, desta vez sem galo, sorri. Novamente chamado a tentar converter a penalidade, Jovane desfere uma bazuca de fazer inveja ao António Costa. 

 

Para a etapa complementar o Jovane ficou no banco. Aparentemente, devido a um traumatismo (que provocou no resultado). Entrou o Geraldes e o cão de Pavlov que existe no subconsciente de cada leão Sportinguista começou a salivar. E a verdade é que o Chico até fez um bom jogo, desmarcando-se sucessivamente e assim dando linhas ao portador da bola. Iniciou então um duelo em 3 actos com o Koffi, agora gigante, com o burquinês sempre a levar a melhor. Do Ensaio sobre a Cegueira para o Levantado do Chão é o mesmo Caminho (NA: editora), um caminho que se faz lendo nas entrelinhas do que são os posicionamentos do Chico, uma alternativa aos atalhos à procura do Sporar. Até ao fim pouco mais houve a declarar e o jogo ainda deu para ver entrar o Ilori e o Doumbia e para que o Borja fizesse os 90 minutos sem que o excesso de desconfinamento contagiasse toda a equipa do vírus da tragicomédia. 

 

P.S. Dois livres directos, igual número de penáltis, um canto - eis o balanço de golos de bola parada pós-desconfinamento (4 jogos). Ristovski substituiu Camacho e com um aproveitamento superior, prenúncio de que Amorim está atento à meritocracia. Muitos jovens lançados na equipa principal, sinal muito positivo. Jovane, com 4 golos, duas assistências e participação nos dois desequilíbrios de onde resultaram os penáltis, está em grande. Coisa para logo se agitarem muitos milhões que não mendilhões. Que continue por cá a afagar-nos os corações!

 

Tenor "Tudo ao molho": Jovane Cabral (póquer de menções e de golos desde o desconfinamento)

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26
Jun20

Resiliência


Pedro Azevedo

Sou adepto de causas difíceis. Não, não pensem que o Sporting é a única. Vou dar alguns exemplos. Em Espanha ganhei afecto pela Real Sociedad, equipa do País Basco cujo último campeonato conquistado data de 82. Ainda recordo a bigodaça do Zamora, o cérebro contra o fúria espanhola daquele tempo, e a arte da revienga do Lopez Ufarte, mais tarde colega do Paulo Futre no Atlético de Madrid de "El Flaco" Menotti. Em França, o meu coração bate pelo Saint-Étienne, outrora o clube de Platini, Rocheteau e Jean-Michel Larqué, este último mais tarde jornalista da revista ONZE que eu devorava na minha adolescência. Ao longo dos anos, muito "Allez les Verts!", mas "Les Verts ne marche pas"... O último título de campeão data de 81! Em Itália torço por uma Roma que só me deu 2 Scudettos desde que vim ao mundo. Nos recreios tentava replicar as fintas do Conti, o meu jogador preferido da história do clube da cidade eterna. Falcão e, mais tarde, Giannini também me marcaram com a sua imensa classe. E Totti, pois claro, cuja história se confunde com a do clube romano. Já em Inglaterra nasci campeão. O problema é que depois tive de esperar 26 anos para que a geração de Giggs, Beckham e Cantona substituísse a de Best, Law e Charlton. Desconfiado, na Alemanha fui com duplas. Mas nem assim: o Borussia Dortmund não vence desde 2012, o Werder Bremen está quase condenado à descida de divisão. Os de North-Rhine Westphalia ainda levantaram a "Orelhuda". Eram os tempos gloriosos de Sammer, Chapuisat, Riedle ou Paulo Sousa, o português que com Redondo e Makélélé completa o trio de melhores "6" que vi jogar. Já os de Bremen estão cada vez mais distantes dos tempos gloriosos dos "Bomber" Rudi Voller (alemão), Wynton Rufer (neo-zelandês) ou Claudio Pizarro (peruano) e do Super Mário Basler. Pelo que alegrias só fora dos Big5, nomeadamente através de um campeonato periférico como o holandês onde o Ajax nunca me deixa ficar mal, não só pelos campeonatos que vence mas também pela convicção com que defende o seu modelo estratégico (e nunca conjuntural) de aposta na Formação. De onde saíram Cruijff, Keizer (o tio do outro), Krol, Rep, Van Basten, Bergkamp, Davids, Seedorf, Kluivert, entre tantos outros. Mas, não Vos escondo, aquele último segundo da meia final da Champions contra o Tottenham deixou-me com uma azia das antigas...

 

Se estes, perdendo mais do que ganhando, hão-de ser sempre os meus clubes, porque razão o meu coração não haveria de bater sempre com intensidade pelo Sporting? Os clubes têm ciclos, tal como a paixão. Mas o amor é incondicional. Com altos e baixos, por certo, mas para quem não desespere a recompensa estará sempre no fim do arco-irís que se formará após os primeiros raios de sol desanuviarem os dias cinzentos. Vejam o caso do Liverpool. Eles nunca caminham sozinhos, no dizer sempre apaixonado dos seus adeptos. E puderam enfim festejar, numa catarse colectiva onde se pôde ver um alemão (Klopp) a dar azo às suas emoções como um latino e a chorar perante o olhar embevecido do monumental Kenny Dalglish. Quem é que não teria gostado ontem de ser do clube da cidade dos Beatles e do rio Mersey? E vieram para ficar, não duvidem um só momento desta afirmação. Até cansa só de os ver jogar...

25
Jun20

Liverpool é campeão de Inglaterra!


Pedro Azevedo

Trinta anos depois, o Liverpool sagrou-se finalmente campeão de Inglaterra. Foi também o primeiro título dos "Reds" na era da Premier League (desde 92/93). Com esta vitória o Liverpool obtém o seu 19º título inglês, ficando assim a apenas 1 vitória de igualar o Manchester United (13 vitórias na Premiership) como o clube com mais vitórias na prova.  

 

Sou adepto incondicional do Man U desde pequenino, mas não posso deixar de ficar satisfeito por este título tão ansiado pelo clube de Mersey. A vitória do futebol espectáculo. Verdadeiro rolo compressor, o Liverpool de Klopp lidera o campeonato inglês com 23 pontos de avanço sobre o Manchester City (actual segundo classificado), 31 sobre o Leicester e 32 sobre o Chelsea, quando ainda faltam 7 jornadas para terminar a competição. (Manchester United, a 37 pontos, Tottenham, a 41, e Arsenal, a 43 e com metade dos pontos dos "Reds", ainda distam mais na tabela.) 

 

Impressiona vêr jogar este Liverpool tal a dinâmica empregue pelos seus jogadores. Com bola, desmarcações constantes e grande qualidade de passe. Sem bola, imediato campo pequeno e pressão asfixiante sobre o portador de bola. Transições ofensivas e defensivas vertiginosas (Mané deveria ser multado por excesso de velocidade). Fortíssimos nas bolas paradas, seja livres (Salah, Arnold) ou cantos à procura de Van Dijk. Como cereja em cima do bola, um trio atacante de puros-sangue verdadeiramente indomável que quando complementado pelo belga Origi se transforma numa quadriga Ma-Fi-O-Sa.  

 

Parabéns Liverpool, parabéns Klopp! E viva o futebol como ele deve ser!

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25
Jun20

PED Talks

Modelo para o futebol/Política desportiva


Pedro Azevedo

O futebol cumpre uma importante função social, ele é o circo romano dos tempos modernos. Por paixão pelo jogo, amor ao clube, desejo de vencer, necessidade de pertença e/ou de partilha ou, simplesmente, como escape para frustrações diversas do quotidiano, os adeptos vão aos estádios. Se for possível contribuir para que de lá saiam mais felizes do que entraram e não totalmente entediados, quando não enervados, então penso que o clube cumprirá uma função importantíssima do ponto-de-vista social. Defendo, por isso, que o Sporting tem de oferecer um bom produto aos seus adeptos sob a forma de um futebol positivo, onde o rigor táctico possa ser compatibilizado com os desequilíbrios provocados pelos "gladiadores" que fazem o bilhete valer a pena. Nesse sentido, entendo que o treinador principal do clube deve ser escolhido por conseguir conciliar a aposta nos jovens com uma boa ideia de jogo que permita algum deleite ao espectador e não transforme um campo de futebol numa repartição pública. Um perfil semelhante ao que em tempos tivemos com Malcolm Allison, ainda que não necessariamente tão "bigger than life" como o inglês. 

 

Há demasiados erros conceptuais no projecto de futebol do Sporting. Creio, por isso, que o elemento mais importante deverá ser o Director Técnico. O Sporting precisa de alguém que seja um pensador de todo o futebol do clube e que possa actuar com total autonomia, numa abordagem "top-down", definindo o tipo de jogo que se pretende praticar a nível sénior - se a Direcção, como entendo que o deve fazer até em função de poder chamar mais gente aos estádios, definir como prioridade uma ideia de "futebol positivo", então o Director Técnico deve procurar modelizar princípios de jogo compatíveis com tal - , sugerindo à Direcção treinadores que se possam adequar a esse desiderato, coordenando o futebol juvenil, de forma a que as rotinas implementadas - a partir dos escalões competitivos, porque no início não se deve estereotipar as crianças mas sim dar-lhes liberdade para que desenvolvam as suas qualidades técnicas - se assemelhem tanto quanto o possível à realidade dos seniores, trabalhando com os treinadores da Formação no sentido de serem desenvolvidas determinadas características em futebolistas jovens que mais tarde possam constituir uma mais-valia no plantel principal. A meu ver, esse Director Técnico deveria também ser responsável pelo complemento da formação de jovens treinadores a trabalhar na Academia, facilitando assim o seu crescimento na Estrutura até, alguns deles, poderem assumir-se futuramente como timoneiros da equipa principal do clube, ganhando assim o projecto por haver técnicos bem identificados com o processo. Com isto conseguiríamos ter um Futebol de Autor como oposição ao futebol de cada treinador que tem sido a nossa realidade, o que evitaria estarmos sempre a recomeçar a obra de construção do nosso futebol (Castigo de Sísifo) de cada vez que vamos buscar um novo treinador, perdendo-se inúmeros jogadores promissores no processo. 

 

Da forma como entendo o modelo, de cada vez que o treinador principal necessitar de um jogador com determinadas características, o Director Técnico deve primeiro procurar se elas existem na Academia, ou se é possível desenvolvê-las em tempo útil. Caso tal não seja possível, então, sim, dever-se-á recorrer ao mercado. (Se tivermos um miúdo nos escalões jovens que precisa de mais 1 ano para amadurecer, mais vale ir buscar um veterano tipo Mathieu que me faça uma temporada do que investir bastante dinheiro na compra de um jovem promissor que depois vai tapar o lugar ao produto da nossa Academia.) Como profundo conhecedor que será das necessidades da equipa principal, o Director Técnico deverá sempre ter a última palavra, ficando a liderar Scouting e Gestão de Activos, de forma a que sejam limitados ao máximo os erros de "casting". 

 

Um edifício futebolistico constrói-se pelos seus alicerces. No nosso caso, a nossa fundação é a Formação. Investimos dinheiro no projecto da formação com o objectivo de virmos a colher benefícios disso, tanto a nível desportivo como económico. Ora, é extremamente importante saber balancear estas duas vertentes e, através delas, assegurar a sustentabilidade do projecto. Por isso, defendo que tem de haver outra ligação entre o que é feito no terreno e a gestão do clube. Desde logo, através de um planeamento decorrente de um diagnóstico, tão precoce quanto possível, do valor intrínseco de cada jogador da nossa Academia. Nesse sentido, constituiria um Gabinete Técnico, conectado com a área de gestão de activos, que catalogaria os nossos jovens em 4 categorias:

  • jogador de classe extra(4), tipo Futre, Figo ou Ronaldo
  • jogador muito bom(3), tipo Adrien, William, Rui Patrício ou João Mário 
  • jogador bom(2)
  • jogador de classe média(1)

 

Quando o jogador chega aos juniores, haverá um ano para completar o seu diagnóstico. Com estas conclusões na mão, a gestão de activos e o treinador principal deverão seguir este plano: o jogador da classe 4 deve ser considerado um "eleito" e deveremos tentar mantê-lo o tempo possível para que nos ajude a ter êxito desportivo, sem prejudicar a sua valorização enquanto "activo". Nesse sentido, idealmente só o libertaremos por volta dos 23 anos, permitindo-nos 4/5 épocas na equipa principal e concomitante rendimento desportivo. Este tipo de jogadores nunca deverá ser vendido por valor inferior a 50 milhões (para quem ache pouco relembro que Futre saiu a custo zero, Figo por 2/3 milhões e Ronaldo por 15 milhões); os jogadores da classe 3 não despertarão tanta cobiça imediata por parte dos tubarões europeus. Aparecerá certamente uma segunda linha de clubes de topo interessada neles, mas os valores não serão assim tão sedutores. Preconizo que se tente fixar uma bitola entre os 25/35 milhões para venda destes "activos" e que se tente mantê-los até uma idade próxima dos 27 anos. Se, como no caso de João Mário, o valor oferecido pelo mercado for superior ao preço por nós definido, então aceitaremos libertar o jogador mais cedo; ligo muito a classe 2 à nossa sustentabilidade financeira, até porque tenho a firme convicção de que aqui há um trabalho importante de racionalização e optimização dos recursos a fazer. Se não trabalharmos bem esta classe ficaremos com os tais plantéis de 70/80 jogadores que, todos juntos, acabam por pesar bastante na conta de exploração da SAD.  Na minha opinião, é com as vendas destes jogadores - a esmagadora maioria dos quais condenados a empréstimos e pré-épocas na equipa principal fracassadas - que pagaremos por longo tempo os custos incorridos com a nossa Formação. Imagine-se que definimos um preço entre os 10 e os 15 milhões para venda de um determinado jogador. Em vez de "aquecer" o banco ou andar de empréstimo em empréstimo até ao final do seu contrato, um jogador destes, só por si, pagaria 3 anos da nossa Academia. Não podemos querer ter os "cromos" todos e se percepcionamos que o treinador principal não o vê a entrar de caras na equipa nos seus 3 primeiros anos de sénior, então o melhor é tirar algum proveito económico/financeiro do investimento que fizemos na formação do atleta; finalmente, o jogador da classe 1 deve ser alienado no final do seu primeiro ano de juniores ou na passagem para sénior, de preferência a clubes com que tenhamos boa relação e protocolo e com quem se possa estabelecer um acordo de opção de recompra (valor que não deverá superar 0,5/1 milhão de euros), precavendo o caso de o jogador vir a desenvolver-se de uma forma surpreendente que suplante o pré-diagnóstico feito.

É de superior importância que se reconheça e aprove o processo e que este não possa estar dependente de um eventual diagnóstico falhado. No futebol, infalíveis são apenas os ferros das balizas e a bola que rola (quando não fura), até a relva nem sempre cumpre como bem sabemos (e todo o mérito, independentemente de outras considerações, a quem finalmente resolveu esse problema), pelo que não será o erro que nos deverá desmobilizar de tentar introduzir alguma ciência na gestão dos activos. Os desvios devem ser corrigidos, substituindo ou reforçando pessoas no tal Gabinete Técnico se for caso disso, mas não deveremos nos afastar do processo nem duvidar das suas vantagens. (nota: os valores apontados para venda não dispensam que o valor das cláusulas de rescisão dos jogadores permaneça elevado, na ordem dos 60 ou 100 milhões, até de forma ao clube poder ter maior liberdade negocial)

 

De seguida, passarei a abordar ideias sobre o futebol profissional e a sua articulação com a Formação. O modelo de aposta na Formação deve ser imposto pelo clube, sem trangiversações e como parte integrante da sua política desportiva. É que, independentemente dos resultados desportivos que o treinador consiga obter, a factura é paga pelo clube/sociedade anónima desportiva e cabe a ela garantir a sustentabilidade económico/financeira do projecto.

 

  • Princípios de jogo/Sistema de jogo: (Ponto prévio: a visão da ideia de futebol positivo é da competência da Direcção, a forma de lá chegar é definida pelo Director Técnico e adoptada pelo treinador que comunga dessas ideias e está integrado no projecto.) Mais do que o 4-3-3 ou o 3-4-3, o mais importante no futebol são os princípios de jogo. Por exemplo, se eu quiser adoptar os princípios da escola holandesa de Michels e Cruijff, então eu vou jogar um futebol posicional, em que desenho triângulos constantes à frente do portador da bola de forma a que este tenha sempre linhas de passe. No fundo, quem se desmarca é que define para onde vai o passe, não quem tem a bola. A ideia é tentar ver o jogo o mais possível de frente, começando a construção na posição "6" ou, até ainda mais atrás, através de um central com boa saída de bola, razão porque Cruijff no Barcelona fez recuar Koeman ou Guardiola para essa posição. O futebol um pouco como o rugby, partindo de trás, sem chutões para a frente e tentando levar o máximo de jogadores em futebol apoiado até à baliza adversária. Sem bola, pressão inteligente. Por exemplo: se vou fechar o lateral direito adversário, devo tapar-lhe o lado do seu melhor pé, dando-lhe apenas a opção de bater com o pé esquerdo. Logo, imediatamente, faço subir um médio para tentar fechar a saída de bola pelo centro. E se subo esse médio, e dou espaço ao médio contrário, tal deve ser compensado por um defesa imediatamente. Tudo isto deve ser treinado e rotinado desde cedo, nos escalões de formação competitivos. O que para mim não faz qualquer sentido é andarmos anos a formar Daniel Bragança como "6", o que sugere uma ideia de futebol posicional em que a construção começa a partir dessa posição, para depois nos seniores querermos um "6" essencialmente repressivo, exemplo acabado de uma articulação inexistente entre formação e futebol profissional.
  • Treinador Principal do futebol profissional: a meu ver, o treinador tem de ser alguém com especial vocação de artífice, no sentido em que está na última estação de produção de talento da linha de montagem que é a nossa Formação. Ao seu nível, tratará dos “acabamentos”, a dimensão táctica do jogador. Se este chegar aqui com deficiências técnicas, a nível do passe e recepção orientada, dificilmente terá um crescimento tão exponencial quanto aquele que se poderá esperar no plano táctico (olho para Ristovski, por exemplo, um jogador rápido e todo-o-terreno, mas nota-se a falha na sua formação a nível de recepção orientada). Já a finta ou o remate poderão mais facilmente ser trabalhados, burilados pelo treinador. Ao mesmo tempo, o treinador tem de estar habituado à pressão de ganhar, mesmo quando com orçamentos inferiores aos seus rivais. 
  • Adjuntos: um dos adjuntos da equipa profissional deve ser uma velha glória do Sporting, campeão pelo clube e com capacidade para passar a cultura Sporting ao plantel. Deve também ser um homem leal e que ajude na integração do treinador principal e restante equipa técnica, especialmente se forem estrangeiros.
  • Gabinete Técnico do futebol profissional: formada por Director Técnico para o futebol profissional (superintende Scouting e Gestão de Activos), treinador principal do futebol profissional, Coordenador do futebol de Formação, treinador dos sub-23 (e/ou treinador da equipa B) e treinador dos juniores. Reunindo semanalmente, espaço onde se pode ir avaliando a evolução dos jogadores jovens com potencial para subirem à 1ª equipa do clube, bem como estabelecerem-se pré-diagnósticos (com base em informação constante do Gabinete Técnico da Formação, onde estarão os treinadores das várias camadas da nossa Formação, que produzirá relatórios anuais sobre o desenvolvimento dos jogadores) dos mesmos em articulação com a área de gestão de activos. Decisões como “queimar etapas” na Formação, posições em que é necessário intensificar o treino do jovem, com mais conteúdos tácticos, para mais rapidamente suprir uma lacuna da equipa principal, empréstimos para rodar ou dispensas devem ser aqui definidas, de forma a que o Director Técnico possa saber com a máxima antecedência possível com o que pode contar na equipa principal e as posições em que terá de ir ao mercado.
  • Política de quotas da Formação até que a aposta se consolide: não sou muito fã das quotas, mas a verdade é que se tem de começar por algum lado. Por exemplo, em tempos não muito distantes, foi a única forma de as mulheres poderem subir na sua carreira profissional. Uma discriminação positiva e que, no início poderá mais privilegiar a quantidade do que a qualidade, mas creio ser a única forma de impedir desvios ao que deveria ser o nosso ADN. Julgo, por isso, que deveria haver um número mínimo de jogadores provenientes dos nossos escalões de Formação na equipa principal e nem me chocaria que isso fosse integrado nos Estatutos do clube.
  • Tecto máximo de jogadores: o plantel principal deve ter um número máximo de jogadores. Na minha opinião deveria ser de 24: dois por cada posição, 3 pontas-de-lança e 3 guarda-redes. Havendo lesões, subiriam jogadores dos sub-23 (ou B) à equipa principal para as posições em défice. Seria uma maneira inteligente de optimizar recursos, com consequências positivas em termos de custos com pessoal e resultados líquidos da sociedade anónima desportiva.
  • Política de empréstimos: do meu ponto-de-vista, cumprindo-se os pressupostos dos dois pontos anteriores não seria necessário emprestar muitos jogadores (existe a equipa sub-23 e a B). Em todo o caso, estes, a acontecerem, por motivos de maior competitividade, deveriam privilegiar clubes que tenham treinadores com histórico de aposta em jogadores jovens e da nossa Formação (Couceiro, por exemplo, que nos melhorou João Mário, Ruben Semedo ou Ryan Gauld) ou com ligações históricas ao nosso clube (filiais). A meu ver, nessa política o treinador é mais importante do que o clube. Pode-se ter óptimas relações com o clube, mas o treinador não apostar em jovens. A não ser que se queira influenciar a escolha do treinador por parte do clube, mas isso já seria passar aquela linha que a mim me começaria a causar alguma urticária, pois a possibilidade de a coisa entrar no domínio do conflito de interesses seria considerável.e tenho como certo que o Sporting é um clube que não pode estar ligado a essas situações.
  • Contratação de novos jogadores: só deveriam ser contratados jogadores cirurgicamente e para as posições em falta. No máximo 3 jogadores por época e de muita qualidade, que efectivamente produzam a diferença, em detrimento de "contratações cirúrgicas" em classe média/baixa do futebol mundial. Qualidade e não quantidade. Posições como as de ponta-de-lança, que a nossa Formação geralmente não produz, por exemplo, e outros que conjunturalmente seja necessário colmatar. De qualquer forma, a qualidade das “fornadas” da Academia não é uniforme de ano para ano pelo que que haverá anos em que será necessário actuar mais no mercado. Evidentemente, uma boa oportunidade de mercado não deve ser desperdiçada, obedecendo ao tecto contemplado em cima. Vi o Sporting a contratar um jogador de qualidade média como Marcelo (defesa), com 28 anos, e fez-me uma certa confusão. O mesmo se passou com Ruben Ribeiro. Sobre Jesé, Bolasie e Fernando, que chegaram por empréstimo, é melhor nem falar. Outros não falo porque ainda são nossos jogadores. Eu proporia que só se contratassem jogadores com idade máxima de 23/24 anos (numa óptica de rendibilização de investimento) e alguns jogadores mais velhos apenas quando pudessem efectivamente fazer a diferença (Mathieu, por exemplo) e trouxessem a experiência que faltasse à equipa. Se eu tiver fundadas esperanças num craque da Formação e achar que precisa de 1/2 anos de estágio para que possa vir ao de cima todo o seu potencial, então será melhor contratar um jogador mais veterano (prematuro envelhecimento em cascos de carvalho) de créditos firmados - que vem cumprir esse período e que anteriormente já foi informado que se pretende que contribua para o crescimento desse jovem - do que estar a ir buscar ao mercado um jogador igualmente jovem e que depois, devido ao seu preço, vou ter a pressão de o pôr a jogar, prejudicando assim a ascenção do jogador formado na nossa Academia. Quantos casos destes ou semelhantes já não tivemos? Nunca contrataria nenhum jogador por empréstimo, excepto se tiver uma cláusula de opção com um valor acessível para as nossas finanças. Eu tenho a certeza de que se deve falar a verdade aos sócios e adeptos. Não temos dinheiro para de uma vez só actuarmos eficazmente no mercado, pelo que precisaremos de ir compondo a equipa em 2-3 anos, a fim de então podermos discutir o título.
  • Introdução do treino por sectores na Formação: vemos as melhores práticas dos desportos profissionais americanos e fica sempre a sensação que a Europa está muito atrás em diferentes matérias. Desde logo na interligação com os adeptos, mas aqui vou falar do treino por sectores, algo que é particularmente visível no futebol americano. O futebol ganhará muito com os ensinamentos de outros desportos. Por exemplo, a basculação (mudança de flanco) é uma coisa que se vê com frequência num jogo de andebol. Como é possível termos um homem como Manuel Fernandes nos nossos quadros e continuarmos sem produzir um ponta-de-lança com qualidade? Manuel Fernandes daria um bom treinador de avançados e pontas-de-lança em particular, transversal aos diferentes escalões de Formação, ensinando os miúdos em questões de posicionamento no campo, colocação do pé na bola, cabeceamento (vemos muitos que chegam ao plantel principal com défices nesse aspecto – Gelson, Matheus, etc). Não seria o Manél mais útil para nós aqui que no Scouting?
  • Scouting: conseguir cadastrar a base-de-dados com o maior número possível de jogadores, nacionais e internacionais, ainda em idade juvenil e ter a capacidade de os ir acompanhando até que as regras FIFA (jogadores estrangeiros) não impeçam a sua contratação. Isto traria menores custos na sua aquisição. Quando se chega a um jogador “já feito”, os custos são necessariamente superiores. Procurar mercados emergentes (Argentina, Uruguai, Chile, os brasileiros já estão muito inflacionados), mas também afluentes. No tempo de Sousa Cintra (outro tempo) chegaram ao Sporting, pela mão do empresário Lucídio Ribeiro, uma série de jogadores muito interessantes, provenientes do centro da Europa e do Magrebe. Balakov, Iordanov (bulgaros), Cherbakov (Ucrânia), Valckx (holandês) ou Naybet e Hadgi (marroquinos) foram jogadores que chegaram ao Sporting por valores acessíveis e que tiveram excelente performance desportiva, além de, alguns deles, proveitos extraordinários para o clube após venda. Abandonaram-se esses mercados e não se percebe bem porquê.
  • Propriedade Intelectual vs Academia: julgo que a maioria dos adeptos e até alguns dirigentes confunde muito a nossa Formação com a Academia de Alcochete. A Academia é um espaço físico, com excelentes condições é certo, mas o que faz toda a diferença é a propriedade intelectual, o enorme talento de homens como Aurélio Pereira ou João Couto, por exemplo, ou dos falecidos César Nascimento e Osvaldo Silva que fizeram escola. Se alienarmos isto, podemos ter a melhor Academia do mundo que os resultados não aparecerão. E depois há outras coisas: aquele campo pelado, ali ao lado do antigo pavilhão, viu nascer jogadores como Futre, Figo e Ronaldo (apanhou a Academia já no final da sua formação). Esses campos irregulares estimulavam a técnica e a habilidade dos jogadores, obrigados a dominar a bola após ressaltos inesperados ou a fintar entre umas covas ou lombas no terreno de jogo. Hoje em dia, os campos são perfeitos mas os talentos escasseiam. Dá que pensar, mas talvez não fosse má ideia ter um campo pelado em Alcochete, que pudesse recriar um pouco as condições do futebol de rua, onde craques como os já citados, para além dos ultramarinos Peyroteo, Hilário, Eusébio, Coluna ou Matateu, aprenderam o ofício. E continuem a recrutar formadores de excelência para enquadrar os nossos jovens.do ponto-de-vista desportivo e educacional. Houve quem brincasse quando eu falei a primeira vez dos campos pelados, mas eis que o Ajax decidiu ultimamente seguir esse caminho, construindo 3 campos baldios na sua academia. E porquê? Porque os jovens precisam de ser desafiados com novas dificuldades e as irregularidades de certos campos, que se assemelham às condições do futebol de rua, melhoram o tempo de reacção do jogador e aprimoram-lhe a técnica.
  • Independência total face a agentes de jogadores: no Sporting não podem nunca ocorrer situações de conflito de interesses que envolvam profissionais com vínculo com o clube e agentes de jogadores. O clube precisa de ter rigorosos procedimentos em matéria de prevenção desse tipo de situações, seja a nível do plantel profissional ou da sua Formação. Precisamos de ter a certeza que o único interesse instalado no Sporting é a defesa intransigente do clube.

 

É evidente que um clube como o Sporting não pode apostar só na Formação. Mas, temos é de saber estrair dela todo o seu potencial e não prejudicar o nosso investimento com redundâncias vindas de fora. Todo o jogador de categoria e que seja empenhado no trabalho é bem-vindo ao Sporting e o clube não pode estar de costas voltadas para o mercado, mas não faz qualquer sentido gastar dinheiro com suplentes ou suplentes de suplentes e colocá-los em cima dos jovens por nós formados, criando uma pirâmide que retira qualquer possibilidade de afirmação a estes. E com custos que se reflectirão no aumento do nosso Passivo e na Demonstração de Resultados. Do mesmo modo, a sintonia entre a Direcção/Administração e o treinador deve ser total (algo facilitado pelo facto do Director Técnico ter equiparação a COO no meu modelo de governação) e este último deve comungar das directrizes traçadas acima. Como tudo na vida, não basta ter (boas) ideias, igualmente importante é saber implementá-las e ter a força para, acreditando no projecto, não nos desviarmos nunca do mesmo, independentemente de acertos cirúrgicos que se venham a fazer, sem prejuízo da integridade do processo pensado e criado. Na verdade, isso tem falhado e há décadas. Melhorou nos primeiros anos de Bruno de Carvalho, mas regrediu pós aposta em JJ, ficando sempre a ideia de que o processo era demasiado empírico e muito assente na maior ou menor sensibilidade do treinador principal.

 

Uma equipa de futebol não pode ser a soma das competências de cada um. Para isso, existe um treinador, o qual cabe a atribuição de criar um todo que seja superior à soma de cada um. O envolvimento de toda a Estrutura no processo é importante, assim como a relação com os adeptos e a forma como os jogadores sentem o projecto e o clube. 

 

Para finalizar, gostaria de abordar as diferentes academias que temos espalhadas por Portugal e pelo mundo, constatando que existem actualmente diferentes modelos de negócio. Em algumas, o Sporting tem uma participação; noutras receberá um “fee” (100% franchising). Seria interessante que estes modelos e respectivos Business Plan fossem apresentados aos associados e que se percebesse, através de planos plurianuais, quais os custos em que o clube incorre e os proveitos que se podem esperar destas apostas. Igualmente, no plano desportivo, perceber-se quais são os objetivos. Há algumas informações dispersas que indicam que já há alguns jovens a treinar nas equipas de Formação do Sporting (Lucas Dias, muito bom jogador dos nossos juvenis, creio que veio de Toronto) e que são provenientes deste tipo de academias, mas não são claros quais são objectivos (quantificáveis). É importante uma clarificação aos sócios dos objectivos económicos e desportivos da aposta nas academias, a nível nacional e internacional, e perceber-se qual a política de expansão e como se conjuga com o merchandising e a promoção da marca, áreas onde haverá muito trabalho a desenvolver.

 

PED Talks - Princípios, Estratégia, Desporto

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24
Jun20

A notícia que eu não queria ler


Pedro Azevedo

Segundo o jornal A Bola, Jeremy Mathieu lesionou-se com gravidade num joelho e não jogará mais esta época. Será porventura também o seu fim de linha connosco, uma vez que o seu contrato expira no final desta época. Uma notícia muito triste por variados motivos: primeiro, porque gosto de futebolistas de fina técnica e superior visão de jogo, coisa que não abunda por cá, e ainda tinha a secreta esperança que o gaulês ficasse mais uma época no Sporting; segundo, na medida em que, com a sua experiência, poderia em campo, com os seus conselhos, ajudar no posicionamento dos jovens que têm vindo a ser lançados; finalmente, visto que o plantel ainda fica mais pobre, restando Acuña (Porthos) ao grupo de Mosqueteiros (Bruno/D' Artagnan, Dost/Aramis e Mathieu/Athos) que com grande brio contribuiu decisivamente para a conquista de duas taças na época passada (Renan também foi muito influente, mas entendo que se tenha dado uma oportunidade a Max). Sabendo-se que finalmente seguimos a opção correcta de apostar nos jovens em detrimento da classe/média baixa onde durante anos delapidámos as nossas finanças, que enquadramento de superior qualidade estamos a criar para melhor os potenciar? 

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24
Jun20

Milagre de Santa Clara


Pedro Azevedo

O Santa Clara venceu ontem o Benfica na Luz. Logicamente, a derrota dos encarnados marcará a actualidade noticiosa, mas seria injusto não reconhecer o mérito desta equipa açoriana que tem, à condição (Sporting e Braga, ambos com o dedo de Ruben Amorim, ainda podem superar essa marca nesta jornada), o segundo melhor registo em pontos da segunda volta do campeonato. Nesses 11 jogos (seis vitórias, três empates e duas derrotas), o Santa Clara fez 21 dos seus 38 pontos na Primeira Liga, o que dá uma média de 1,91 pontos/jogo. Acresce que em apenas 3 jogos actuou verdadeiramente na condição de visitado, no seu estádio, na medida em que os açorianos estão há 1 mês instalados no continente como providência, exemplar diga-se, de contenção da pandemia no arquipélago. Deste modo, tanto do ponto de vista da responsabilidade social como no plano desportivo está de parabéns o emblema açoriano, felicitações extensíveis aos seus dirigentes, jogadores e, naturalmente, ao seu treinador João Henriques. 

 

P.S. Desde que começou a segunda-volta, o Benfica perdeu 10 pontos para o FC Porto, 5 para o Santa Clara, 4 para Sporting e Braga (ambos com menos 1 jogo), 3 para o Rio Ave e tem os mesmos pontos que Boavista e Moreirense (menos 1 jogo). Belenenses SAD e Vitória de Guimarães (ambos com menos 1 jogo) fizeram apenas menos 1 ponto que os encarnados. 

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23
Jun20

PED Talks - Carlos Santos(*)

Ser Sporting


Pedro Azevedo

Individualmente todos temos uma ou mais razões que justificam o sermos do Sporting. Há até quem o seja sem necessariamente saber dizer o porquê. Também todos nós temos os nossos ódios de estimação ou aqueles com quem menos simpatizamos. Faz parte, todas as famílias são algo disfuncionais. É sem dúvida no que nos une que nos devemos focar. Isto claramente não está a ser feito pelos corpos sociais actuais. Estes, muito mais do que outros anteriores, estão a dividir o clube. Também não está a ser feito pelos sócios e adeptos. Já falei na disfuncionalidade das famílias, mas o Sporting inova porque tão militantes como os antis são os antis dos antis. Eu diria que este é mesmo um dos grandes problemas actualmente, mais do que a existência de um grupo de antis com os quais o resto vai lidando e isolando, o aparecimento de vários focos de antis cria uma divisão, essa sim, problemática e potencialmente disruptora. É que os primeiros antis, ainda que lunáticos, estão “umbilicalmente” ligados ao assunto central, neste cenário o Sporting, mas quanto mais ramificações de antis aparecerem, mais o assunto central se vai afastando e esbatendo para se centrar no que cada facção tem contra a outra.



Voltando ao tema do post, formação, ecletismo e integridade são para mim os três pilares base do Sporting.



Formação: o Sporting sempre foi um Clube formador, foi com a formação que alcançou os maiores triunfos e com a qual ganhou renome. Sempre formou para benefício próprio, mas também para representar o país (e apesar de constantemente nos apoucarem, bem deviam agradecer ao Sporting. Tenho a certeza de que sem o nosso contributo, nem metade dos títulos teriam sido ganhos). É com e através da formação que se deve continuar a distinguir sempre.



Ecletismo: é óbvio que em termos de mediatização nada bate o futebol, mas em toda a sua história, o Sporting sempre significou muito mais do que futebol. Diria que todos nós sorrimos quando recordamos, ouvimos e/ou lemos as histórias sobre aqueles nossos multifacetados atletas que nos representavam em múltiplos desportos durante a primeira metade do século passado e vibramos com os milhares de títulos alcançados em todos os desportos. Todos nós recordamos a velhinha nave, os jogos míticos que presenciou e as fantásticas memórias que nos deu. Pessoalmente, parte da minha memória Sportinguista faz-se com as idas à nave e só depois ir para o estádio ver o futebol. Mesmo actualmente, com as assistências do pavilhão (de longe as melhores de Portugal), fica provado que grande parte da força do Clube são as modalidades e que é criminoso voltarmos a um passado recente em que não as tínhamos ou que fazíamos apenas figura de corpo presente.



Integridade: Mais uma vez, bem sei que eram tempos e gentes diferentes, mas creio que todos partilhamos os valores sobre os quais o Clube foi erigido e que o guiaram durante muitos anos. É um facto que com a chegada destes tempos “modernos” temos feito um caminho mais sinuoso, um caminho que a maioria não pretende caminhar, mas julgo que isso se deve ao futebol indústria. Estou convencidíssimo de que o Sporting no fim dos anos 70, início dos anos 80, não soube fazer a transição do futebol para o futebol indústria (e todas as ramificações que esta expressão implica). Isto não é uma crítica, prefiro isso e não ganhar títulos do que ser corrupto. Isto não exclui as nossas próprias culpas no cartório, apenas justifica que muito do que se passou e passa actualmente se deve ao futebol jogado fora de campo. Com certeza não teríamos ganho os 40 títulos jogados entretanto, mas, caramba, pelo menos 4 ou 5 (não sendo “lambão”) sei que nos foram escandalosamente tirados. Vi-o com os meus próprios olhos. De forma a exemplificar e clarificar o que pretendo dizer com integridade, e que em parte vai algo ao encontro do reformismo que o Pedro fala, aconselho uma série, The English Game. São valores como os retratados nesta série que devem reger o desporto, seja em 1900, seja em 2020. Não me alongo nisto para evitar spoilers, cada um tirará as suas conclusões.

 

(*) Contributo do nosso Leitor Carlos Santos, a quem desde já agradeço.

 

PED Talks - Princípios, Estratégia, Desporto 

21
Jun20

PED Talks(*)

Ser Sporting


Pedro Azevedo

Tão importante quanto uma política desportiva criteriosa, a sustentabilidade financeira, boas práticas de gestão ou adequados princípios de governação, a Cultura de um clube é o elo identificador entre todos os seus dirigentes, treinadores, atletas, funcionários, sócios, adeptos e simpatizantes. 

 

Porém, estranhamente, este tema costuma ser explorado de uma forma redutora, geralmente circunstanciando-o às claques, como se à margem destas a identidade e alma do clube não tivesse também já vivido melhores dias. Tal é perfeitamente claro quando vemos adeptos afirmar que o Sporting é um clube diferente, ao mesmo tempo que demonstram querer ganhar de qualquer forma. 

 

A meu ver as tergiversações constantes na gestão do clube ajudam muito a confundir os seus adeptos. Se já existem dúvidas sobre o que fazemos (Formação, sim ou não) e como fazemos (formar para vender vs formar para ganhar), imagine-se quanto à razão de aqui estarmos, o porquê da nossa existência. O Sporting em que me revejo é um clube conservador no que respeita a valores e princípios, mas ao mesmo tempo com matizes reformistas e inovadoras quanto ao seu papel no desporto português. Simplesmente, se tal não for doutrinado a todo o momento, ou se a mensagem for confusa e os conceitos não estiverem bem interiorizados por quem dirige, então gera-se um vazio, e vazio é algo a que a natureza na sua rebeldia tem horror e logo procura preencher de uma forma desordenada. (Quando a cultura é forte, todas as pessoas directa ou indirectamente relacionadas adoptam uma postura diferente daquela que têm lá fora, absorvendo assim os valores da Organização.)

 

A desordem a que assistimos hoje advém de um problema conceptual. A pior coisa que se pode fazer à identidade de um clube é multiplicá-la. Já se sabe, o Sportinguismo é igual à identidade dividida pelas suas espécies. Se só houver uma espécie, a dos Sportinguistas, então seremos muito mais fortes e unidos (Sportinguismo=100%). Ora, nos últimos anos, as gestões do Sporting não têm cessado de dividir os Sportinguistas em sub-espécies. Umas vezes os sócios e adeptos são "sportingados", outras vezes "esqueletos", consoante a dissidência face à linha programática e conforme a liderança conjuntural. Se pensarmos bem tudo isto é um enorme disparate, pois todos somos essencialmente Sportinguistas, aquilo que verdadeiramente nos une.

 

Depois, existe o problema das claques. Quanto a isso vou ser muito claro: o papel de uma claque é apoiar as equipas e os atletas do Sporting Clube de Portugal nos estádios, pavilhões, pistas ou piscinas onde actuam. Não é constituirem-se como anti-poder ou contra-poder, serem guarda pretoriana ou um grupo de pressão sobre a Direcção do clube (muito menos usar o tempo do Sporting que vai a jogo para expressar a contestação a uma Direcção). E isto que se aplica às claques é igualmente válido no que toca a formas alternativas de poder para o Grupo Stromp (que aliás no seu regimento proíbe que o grupo se imiscua nas decisões dá Direcção), os Cinquentenários ou aqueles signatários colectivos que por vezes aparecem mais os seus manifestos, pois na nossa Organização a única forma colectiva com intervenção política que deve existir é o próprio clube (os Leões de Portugal e a Fundação Sporting, que são associações de solidariedade leonina com uma obra notável de entrega a quem precisa, têm uma componente essencialmente social), . Quero com isto dizer que o clube não deve ser discutido? Nada disso. Simplesmente, estou certo que isso deve ser feito numa base individual. Qualquer adepto, em democracia, é livre de exercer o seu sentido crítico, propondo melhorias ou simplesmente tecendo loas a quem nos dirige. Por isso é tão natural aquilo que eu faço aqui em Castigo Máximo como ver Tito Arantes Fontes, em nome pessoal e não do Grupo Stromp, aclamar a actual Direcção, simultaneamente aproveitando para promover a importância do ponto de exclamação enquanto sinal de pontuação da língua portuguesa. O que não é natural é o Congresso Leonino, espaço de reflexão entre todos os Sportinguistas, ter sido adiado aquando da primeira vez, algo nada restaurador (Olex?) no sentido de que contrariou os Estatutos e impediu a salutar troca de ideias entre sócios no local próprio, transmitindo uma imagem de um clube nos antípodas do Renascimento.

 

Há 2 anos atrás lancei o slogan "Ser Sporting", em que o "ser" era simultaneamente verbo e substantivo, juntando o sentimento de pertença (verbo) à nossa existência enquanto tribo, organismo vivo, pessoa física e moral (substantivo). É da maior importância que nos reencontramos com um caminho onde nos perdemos algures, entre tergiversações sobre ecletismo e Formação, no meio dos nossos valores seculares e da urgência de ganhar. Não somos o “glorioso”, nem temos a "causa do Norte" e da descentralização, pelo que temos de descobrir a nossa própria cultura, o que é “Ser Sporting”, a razão de aqui estarmos. E depois, partilhar o nosso sonho com o nosso mercado-alvo. William Bruce Cameron um dia disse que “nem tudo o que pode ser contado conta, nem tudo o que conta pode ser contado”. Atendendo a que somos um clube com menos títulos que os outros dois, mas que sempre pugnou por um comportamento desportivo exemplar, julgo que estas frases se aplicariam como uma luva à nossa narrativa. Para além de que deveríamos reflectir na razão pela qual ganhando muito pouco (no futebol) conseguimos manter, passando sportinguismo de geração em geração, um número de simpatizantes que representa cerca de 3 milhões de portugueses.

 

Nesse sentido, urge encontrar factores de diferenciação face à concorrência. Oiço, recorrentemente, críticas de sócios à aposta nas modalidades e fico atónito. Na verdade, uma constante narrativa pós-moderna, emanada do início do milénio, produziu em sócios e adeptos a ideia que as modalidades impediam a canalização de maior investimento para o futebol. Nada mais errado, o desinvestimento que fizemos nesses tempos nas modalidades acabou foi por retirar identidade ao clube, o qual sempre se afirmou pelo ecletismo. O efeito prático disto foi o fecho de uma série de modalidades, seguido de enormes gastos na construção de um novo estádio, o qual teve um orçamento que resvalou em dezenas de milhões de euros e, ainda por cima, apresentou durante anos um relvado que mais parecia um batatal. (É o que se chama confundir cultura com agricultura.) Convém não nos esquecermos que a história do Sporting é feita do Professor Mário Moniz Pereira, de Carlos Lopes - primeiro campeão olímpico português -, de Fernando Mamede - antigo recordista do mundo dos 10.000 metros -, de Joaquim Agostinho, 3 vezes seguidas vencedor da Volta a Portugal (2 pódios na Volta a França, 1 pódio na Volta à Espanha) e melhor ciclista português de todos os tempos e de Chana e Livramento, os melhores hóquistas que o mundo viu.

 

O Sporting deve afirmar-se como um clube do Renascimento, com uma capacidade criadora, reformadora, de mudança de paradigma (o status-quo) e que valorize os seus sócios e as suas opiniões (não podemos querer discutir tudo externamente e internamente reduzir a discussão), com respeito pela integridade das competições, o objectivo de promover um desporto melhor, mais justo, equilibrado e íntegro, tudo assente numa necessária cultura de excelência, compromisso e superação aplicada de forma correcta e no respeito por quem nos representa. Nunca, em circunstância alguma, deveremos importar modelos que funcionem com outros, mas que não respeitem a nossa idiossincrasia e/ou os nossos valores e que criem um choque com o que são os valores tradicionais sportinguistas. A cultura de uma organização não pode estar nos antípodas do que é a personalidade e o carácter dos seus colaboradores e accionistas/sócios.

 

A ideia de exigência no plantel profissional de futebol é algo que me agrada e que penso necessita de ser reforçada, mas isso não pode ser imposto de uma forma autoritária, repressiva e, perdoem-me, imatura. Deve, isso sim, ser obtida com inteligência através de um conjunto de práticas, procedimentos e atitudes, em que o exemplo deve sempre vir de cima. Para tal, o papel do líder é fundamental, pois dele deve vir sempre o exemplo, para lá de ter de saber criar as condições para a implementação dessa cultura. Hoje em dia, as maiores empresas mundiais recorrem a gurus de atitudes comportamentais com resultados rápidos e bem visíveis, pelo que o Sporting deve sempre seguir os melhores exemplos e ser capaz de exibir as melhores práticas.

 

Finalmente, emparedado em Lisboa pelo Benfica e no Norte pelo Porto, o Sporting necessita de ser um “first mover”. Como tal, tem de ser inovador, ter uma orientação para o crescimento e estar disposto a correr alguns riscos. 

 

Em resumo, e de forma a afirmarmos a cultura Sporting, temos de perseguir os seguintes factores de diferenciação (isso sim justificará a expressão "somos diferentes"):

  • Boas práticas de gestão
  • Respeito pela integridade de todas as competições
  • Ausência de conflito de interesses
  • Transparência
  • Limitação dos mandatos de um presidente (2 mandatos)
  • Compliance
  • Clube renascentista, com ideias e sempre virado para os seus sócios
  • Inovação constante
  • Research&Development: scouting de jovens valores/desenvolvimento na Formação
  • Sustentabilidade assente na Formação
  • Dois Bolas-de-Ouro e 1 Bola-de-Prata formados no nosso clube
  • Sustentabilidade assente em défice de exploração ZERO
  • Gerador das grandes transformações do futebol português
  • Orgulho no nosso ecletismo
  • Clube do primeiro campeão olímpico português
  • 37 Títulos europeus em Atletismo, Andebol, Hóquei em Patins, Futebol e Goalball
  • Excelência, compromisso e superação

 

(*) PED Talks by Pedro (Azevedo) e Leitores de Castigo Máximo, o nosso humilde contributo para pensar o Sporting. Fica aberta a discussão a todos os Leitores.

PED= Princípios, Estratégia e Desporto.

 

P.S. Queria expressar aqui o meu profundo pesar pelo falecimento do Pedro Lima, conhecido actor e antigo nadador internacional do Sporting, que muitas vezes vi por Alvalade no apoio ao seu (nosso) clube do coração. Enquanto portugueses e sportinguistas, ficámos duplamente mais pobres. À família, os meus sentimentos.

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20
Jun20

Matheus Pereira sai definitivamente


Pedro Azevedo

Com o 30º jogo hoje efectuado pelo WBA, Matheus Pereira passa a ser em definitivo jogador do clube de Birmingham. Ao contrário do que vinha sendo divulgado em alguns círculos leoninos, Castigo Máximo sempre defendeu que não havia incumprimento do clube de Birmingham, simplesmente o Championship havia sido interrompido quando faltava apenas 1 jogo para que a cláusula de compra fosse automaticamente accionada. A fazer fé no que vem na imprensa, a transferência renderá cerca de 9,5 milhões de euros. Relembro que o Sporting já tinha recebido 500.000 euros pelo empréstimo do jogador (informação prestada à CMVM em 22 de Outubro de 2019). Até Junho de 2019, na rúbrica Passivos Contingentes havia uma nota que indicava que o Sporting teria de pagar 10% de uma futura mais-valia sobre o valor de 300.000 euros. Como essa nota desapareceu nas contas de Dezembro de 2019 e de Março de 2020, presumo que este valor recebido não tenha qualquer dedução por essa via. Não existe informação sobre uma eventual comissão paga por este negócio. 

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19
Jun20

Tudo ao molho e fé em Deus

Retrato de um Jovane


Pedro Azevedo

Em Alvalade há um pintor retratista de grande qualidade. Na semana passado já havia pintado uma tela representando Ricardo Ribeiro, ontem retratou Cláudio Ramos. Em qualquer dos casos bastaram poucos segundos de preparação, pelo que quando os modelos utilizados se mexeram já o quadro estava finalizado. Mas a vida de um artista não é fácil e Jovane teve de vencer o preconceito daqueles que achavam que ele só servia para pintar rodapés, tendo para tal contado com o valioso apoio do inspirador Mestre Bruno Fernandes. Agora, finalmente vencido o anátema da sua formação, ele é o mestre do renascimento leonino. 

 

Qual Ticiano, Jovane não se limita ao retrato, ele também é influente na ilustração de momentos mitológicos. Nesse sentido, "O Calcanhar" foi uma pincelada de génio que valeu um castigo máximo aos tondelenses que desacreditaram da sua arte e "O Roubo de Bola" tornou-se uma extravagante obra inacabada apenas por falta de definição final. Mas foi em dois instantes de representação da religiosidade pagã do futebol, nomeadamente em "Coroação com Espinhos" onde descreve um deus rodeado por um grupo de quatro homens que o açoita, que Jovane mostrou toda a qualidade do seu traço. 

 

Bem sei, Jovane não nasceu naquela Escola de Belas Artes do Seixal que costuma ser muito popular no Médio Oriente. Por isso será improvável que apareçam ofertas das mil e uma noites pelas suas telas. Em todo o caso o seu sucesso recente serve para relembrar os mais distraídos que ali na Pensínsula de Setúbal existe uma outra academia que certamente não por acaso ao longo dos anos vem fomando os melhores artistas do mundo, constatação que deveria sempre ser preservada de politiquices internas que nos deixam de bolsos vazios e só estimulam a promoção dos nossos concorrentes. Ontem, o mais novato do grupo, Nuno Mendes, de 17 anos, fez a sua primeira exposição colectiva, no que foi acompanhado inicialmente por mais 5 jovens que ainda receberam a visita de outros 2 na parte final da referida mostra. E passou com distinção. De forma que se quiserem transformar o ateliê  num caso de sucesso a 2-3 anos não tem nada que saber: dispensem (se possível, recebendo uma compensação) todos aqueles que os mais jovens destronaram e não cabem realisticamente no grupo de 18 (poupando assim nas tintas), mantenham cada um dos putos mais umas épocas (pelo menos até haver opções igualmente  interessantes provenientes das gerações abaixo) e todos os anos contratem só 2 (se sobrar algum, 3) grandes mestres para os enquadrar e melhorar. E guardem a experiência de Mathieu e a combatividade de Acuña para o casamento ser perfeito.

 

Ticiano do "Tudo ao molho...": Jovane Cabral (hat-trick para "Castigo Máximo"). Menções honrosas para Nuno Mendes, Eduardo Quaresma e Matheus Nunes. Camacho esteve um pouco abaixo do nível regular de toda a restante equipa.  

 

P.S. O Sistema? Continuamos com alguma dificuldade de penetração pelo meio, hoje resolvida pela pujança da Ala dos Namorados, a banda esquerda, com bonitas combinações entre os jovens Nuno Mendes, lateral/ala e Jovane, interior.

 

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18
Jun20

Tudo ao molho e fé em Deus

O Lampionato voltou!


Pedro Azevedo

O futebol português é muito divertido. Por exemplo, na conferência de imprensa após o jogo em Vila do Conde, os jornalistas indagaram Bruno Lage sobre as razões da reviravolta benfiquista. O tom geral entusiástico das perguntas fez-me por um momento acreditar que estariam a interrogar um Prémio Nobel da Física sobre a descoberta da radiação cósmica de fundo e seu contributo para um melhor conhecimento da estrutura do Universo. Em resposta, não perdendo a compostura, o próprio treinador benfiquista pareceu personificar o papel de laureado, valorizando muito as virtudes da tal Estrutura e das opções de fundo que tomou. Curioso, fui ver as imagens do jogo. Devo dizer que fiquei um bocadinho decepcionado. É que se por um lado confirmei, e por duas vezes, a (ir)radiação de fundo, vermelha por sinal, por outro verifiquei que ela deveria ter sido atribuída a Luis Godinho e não a Lage. E ainda apanhei o Carvalhal a dizer que já conhecia muito bem o futebol português. Qualquer adepto do Sporting também. Como tal, nem estranhei que o treinador vilacondense, certamente com medo de um castigo, não tenha apontado o dedo a ninguém. O problema é que, se o braço estiver sempre encostado ao corpo (*), não só apontar o dedo se torna humanamente impossível como o contorcionismo e o ilusionismo irão continuar. E, para completar o circo, os palhaços também. Diz(em) que é da educação (física, não cívica)... 

 

(*) O braço encostado ao corpo não cauciona que um jogador o use ostensivamente para desviar a trajectória da bola dentro da área. Na minha opinião, ficou um penálti por marcar a favor do Rio Ave quando o jogo estava empatado e os vilacondenses tinham menos 2 jogadores em campo. 

16
Jun20

Os jogos da minha vida (VII)


Pedro Azevedo

25.05.1980  Vitória de Guimarães - Sporting 0-1

 

A nossa equipa: Fidalgo; José Eduardo, Eurico, Bastos e Barão; Meneses, Ademar (Freire, aos 75 minutos) e Fraguito (Zezinho, aos 87 minutos); Manoel, Manuel Fernandes e Jordão.

 

O Sporting entrou pelos meus ouvidos em 1974 com um rugido tão sonoro que me foi impossível ignorar. Tudo se deveu à narração de um jogo a contar para o campeonato de 73/74 que a aparelhagem instalada no carro do meu pai reproduziu ao longo de uma viagem domingueira de automóvel. Nesse dia o Sporting recebia o Oriental e o relatador de serviço, de forma prolongada e estridente, um a um, ia assinalando cada novo golo de Yazalde (naquele tempo chamavam-lhe "Jázalde"). Despertou ainda a minha atenção o facto de, por sortilégio, ter calhado ao meu homónimo Azevedo a ingrata tarefa de dançar o tango com o argentino, mas à agressividade de Yazalde contrapôs o pobre guardião dos de Marvila a tristeza de por cinco vezes se ter de resignar submissamente a ir buscar a bola às suas redes. Um Tango de "mão-cheia"! O Sporting acabaria por aplicar ao Oriental uma chapa 8, o número do equilíbrio cósmico e das possibilidades infinitas que não deveria andar longe de ilustrar o meu sentimento nesse momento. Mais tarde, no início de 76, a onda média da rádio transformou-se num tsunami de emoções aquando da minha primeira visita ao José Alvalade. Jogo Grande, o Sporting como anfitrião do Porto de Gomes, Oliveira, Seninho e Cubillas. E ganhámos. E goleámos, numa reviravolta que terminou num cinco-a-um, dava Manuel Fernandes (1 golo) os seus primeiros passos no Sporting ao lado de um Fraguito (1 golo) que, sambando, pautava o nosso jogo. 

 

Com um início tão auspicioso, achava eu que isto ia ser uma maravilha. Mas o tempo foi passando e 4 anos depois, uma eternidade na vida de uma criança, continuávamos sem ganhar o campeonato. Até que se levantou a esperança, decorria a época de 79/80. Ganhámos ao Benfica por 3-1 e com isso o direito ao tudo ou nada. O cenário era o Estádio das Antas. O Conselho de Arbitragem, num esforço para eliminar o ruído à volta do jogo havia decidido salomonicamente nomear 3 árbitros internacionais, dois deles com a missão de pela primeira vez na vida fazerem de juízes de linha, coisa peregrina. O principal, António Garrido, apitaria o jogo. Não desfeita a igualdade até ao intervalo, logo no início do segundo tempo o Freire colocou-nos na frente. De pronto, o Manuel Fernandes marcou o segundo. Anulado. Por fora de jogo. Inexistente. Um clássico dentro do clássico. Pior, a um quarto de hora do fim, o Biffe fez-se ao bife, que é como quem diz ao penálti, e o Garrido fez-lhe a vontade, aquilo a que o José Maria Pedroto, sentado no banco do Porto, se fosse contra ele apelidaria de "roubo de igreja". Penalidade marcada e o Vaz defende. O Homem de Preto manda repetir e assim começa o nosso enterro. Quer dizer, o Vaz, que era de Setúbal e já chegou entradote a Alvalade, no meio daquela caldeirada ainda voltou a defender o penálti do Oliveira, mas Romeu, o Cenoura que ainda viria a jogar por nós, recargou para golo. Confesso que chorei, para um miúdo tinham sido emoções a mais, e o sabor a injustiça acelerou a minha perda da inocência. Foi aí que o meu pai se aproximou de mim, deu-me um abraço e disse-me que se porventura o Porto não ganhasse na Póvoa me levaria pela primeira vez a ver um jogo fora de casa, em Guimarães. Faltavam jogar 3 jornadas e esta promessa deu-me suficiente alento para não baixar definitivamente os braços e depositar ainda fé no Varzim. E os poveiros, gente briosa e habituada aos Adamastores que andam pelos mares, fincaram o pé a um gigante terreno e empataram (com) o Porto, pelo que eu iria a Guimarães com o Sporting na frente do campeonato.

 

A jornada começou pela manhã, no Comboio Verde (what else?), ali no Rego, para onde me desloquei com o meu pai e onde ele se reuniu com os amigos Sportinguistas. E lá fui eu, todo pimpão, cachecol ao pescoço, carruagem adentro, para ver o meu Sporting. Durante a viagem recordou-se o último campeonato, o de 74, e o Yazalde que eu já só vi pela televisão. Recordo que o comboio parou em Campanhã (Porto) e que aí tivemos de mudar de composição em direcção a Guimarães. Chegados à Cidade Berço, logo uma vimaranense me levou o cachecol. Corri, alcancei-a e recuperei o objecto da minha devoção como se dele dependesse a minha própria vida. O meu pai sorriu. Entrámos no estádio, que na altura se chamava Municipal, e posicionámo-nos atrás de uma baliza. Com o coração aos saltos, aguardei cheio de esperança o início da partida. 

 

O Sporting começou por atacar para a "minha" baliza. A todo o vapor, com Fraguito a puxar os cordelinhos, o Sporting era dominador e as oportunidades iam-se sucedendo. Porém, provavelmente devido à ansiedade, os nossos na hora da verdade não conseguiam desfeitear o Melo, guarda-redes que dois anos depois se juntaria a nós. Até que Manoel saltou com Manaca, a bola resvalou na nuca, ou nas costas, do nosso antigo campeão de 74 e, zás!, lá para dentro. Euforia da imensa mole humana que por amor ao Sporting se deslocou a Guimarães. O título estava já ali, agora era preciso segurá-lo. O intervalo permitiu regularizar o ritmo cardíaco, mas nada poderia preparar o meu coração para as emoções que ele viria a viver no segundo tempo. A bem da verdade, o Sporting teve mais do que chances para resolver o jogo, mas Manuel Fernandes e Jordão sempre falharam por uma unha negra. Negras não eram, mas ruídas já estavam as minhas (unhas) quando o Jordão é carregado para penálti. Se fosse o Manél tinha ficado no chão, mas qual Gazela de Benguela o Rui levantou-se, ainda isolado, correu e falhou um golo certo. Desespero geral, não havia maneira de matar o jogo. E o pior estava para vir: num último fôlego, o Vitória lança o Vítor Manuel, um avançado que tinha jogado no Sporting na época anterior. Cheio de ganas de mostrar o seu valor à sua antiga casa, começou a pôr a cabeça em água aos nossos defesas. Subitamente, arranca um remate seco, rasteiro, rente ao poste. Mesmo ali à minha frente, eu vi o golo. Ia ser golo, só podia ser golo, foi o que pensei nesses milésimos de segundo em que sustive a respiração. Mas, eis que, embora felino, o Fidalgo se lança já tarde. Tarde demais, pensei eu tal a potência do remate, enquanto o Fidalgo se espreguiçava todo e, espreguiçando-se, se esticava mais e mais, "frame a frame" na minha memória fotográfica em câmara lenta, tempo quasi-suspenso tal como o título ali à mão de semear. E o Fidalgo toca na bola e afasta-a do seu destino mais do que certo. E o Fidalgo bate com a cabeça no poste. E o Fidalgo parece perder os sentidos. E o Fidalgo volta de cabeça entrapada, brioso, voluntarioso, guerreiro, grandioso, a ocupar o seu lugar entre os paus. E o Fidalgo... para sempre será para mim o Homem do Título!

 

Ainda mal recarregadas as baterias dirigimo-nos para o comboio. Muitas, muitas emoções para digerir. O título estava mesmo ali. Nova paragem em Campanhã. Vou à janela, o João Rocha, grande presidente, vai entrar. Vai ser bonita a festa, mas ainda falta ganhar ao Leiria, penso. Penso, logo existo. Mas por pouco, um pedregulho enviado por algum relapso embate na quina da janela. O meu pai ordena-me, vocefera-me, grita-me desesperadamente que saia dali. Imediatamente. Nem tive tempo de processar, o título ali tão perto tinha prioridade. Faltava uma semana, uma semana que pareceram anos a contar os dias. E finalmente a catarse, o José de Alvalade cheio até às linhas que enquadravam o relvado. O Peão, orgulhoso, a ulular as bandeiras ao vento. E eu na bancada a ver o Jordão a desaparecer no meio de um magote de gente após um golo. Era nosso o título. Que emoção! (Foi há 40 anos, mas parece ter sido hoje.)

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15
Jun20

O futuro do futebol


Pedro Azevedo

Ao contrário do que muitos analistas têm vindo a antecipar, eu tenho as maiores dúvidas que o valor dos direitos económicos dos jogadores de futebol tenha uma descida pronunciada. E há boas razões para acreditar que tal não venha a ocorrer no horizonte próximo. Vou tentar explicar o porquê dessa minha convicção. 

 

Desde 2008, devido à crise financeira, os bancos centrais, um pouco por todo o mundo, têm perseguido uma política monetária expansionista a fim de estimularem o consumo e o crescimento económico. Esta política, dita Keynesiana, porque baseada em teoria expressa por John Maynard Keynes, tem implicado impressão de moeda, redução de juros e monetização da dívida (recompra de obrigações do Tesouro e de empresas) por parte dos bancos centrais. Com isso, os juros em todo o primeiro mundo desceram até O% (ou abaixo). Alguns dos bancos centrais, como o americano, já tinham iniciado o processo de reversão da descida dos juros, outros, como o BCE, ainda não, quando eis que se se instala a pandemia. Com os juros novamente em baixa, assistimos nos últimos 2 meses a subidas significativas dos índices accionistas e obrigacionistas. Para muitos pode parecer um absurdo, dadas as expectativas macroeconómicas de recessão (mínimo de 2 trimestres consecutivos de PIB negativo) para o 2º semestre do ano e perspectivas de aumento dos défices orçamentais, mas a verdade é que tal resulta de um efeito de dissociação entre activos financeiros e a economia e do intervencionismo dos bancos centrais inerente ao modelo keynesiano em curso. 

 

Como tal, e enquanto os mercados financeiros continuarem suportados (os analistas não põem de parte a possibilidade de o próprio FED poder comprar acções e uma antiga governadora da Reserva chegou a admiti-lo como cenário possível!!!), os investidores continuarão a apostar nos mercados financeiros em contraponto a depósitos que dão um rendimento nulo. Evidentemente, haverá sempre riscos no horizonte, pelo que a dado momento dar-se-á uma lógica de diversificação. O mercado imobiliário, por exemplo, sendo outro mercado que beneficia muito do crédito barato, será um destino possível para essa lógica de distribuição dos activos. Logicamente, nem todos os países ou cidades serão interessantes e alguns haverá que estarão sobreaquecidos. Não se sabe, por exemplo, como os preços das casas em Portugal e Lisboa aguentarão se os turistas que suportam o Airbnb não regressarem, os pedidos de residentes não  habituais diminuirem acentuadamente e os investidores estrangeiros se retraírem. 

 

Por muito que o desemprego suba, que o poder de compra das famílias de classe média se reduza, a consequência imediata do keynesianismo será acentuar as assimetrias entre ricos e pobres, criando ao longo do tempo múltiplas bolhas especulativas à espera de uma desculpa para rebentarem. Ora, seja por uma lógica de diversificação do risco, por ser um nicho interessante a explorar, infeliz menor escrutínio dos capitais alocados ao futebol por oligarcas, visibilidade que o futebol dá que pode potenciar outros negócios, ou simplesmente por interesses geo-políticos e económicos de estados soberanos asiáticos, a verdade é que continuará a chegar ao futebol muito dinheiro. Sob a forma de entrada no capital de sociedades (capitais próprios) ou de empresas especializadas no financiamento da indústria/engenharia financeira (capitais alheios) que em breve tomarão a posição outrora da banca. Logicamente, devido ao cenário macro, serão de esperar no imediato menos receitas comerciais, a nível de publicidade e patrocínios directos. Também a nível de bilhética, acentuadas pelas regras de distanciamento social. Porém, não estou tão certo de vir a haver retracção no que diz respeito aos DireitosTV, opinião resguardada no recente acordo (1 semana) anunciado pela Liga alemã, que vendeu por um valor recorde de 1,4 mil milhões de euros por ano, a um consórcio formado por Sky, Eurosport e ZDF, os direitos de transmissão televisiva para as próximos 4 épocas, confirmando-se assim o futebol como um fenómeno muito atractivo para os operadores de TV mundiais e, indirectamente, para empresas que através da televisão publicitam os seus produtos. Simplesmente, também no futebol é expectável que as assimetrias entre grandes e pequenos venham a aumentar, aspecto que a não ser resolvido pela regulação da UEFA - fortemente pressionada pela possibilidade de uma Superliga - , através de regras como a limitação do número de jogadores inscritos, maior equidade no acesso à Champions entre Big Five e clubes de países fora desse círculo restrito e fundos de compensação para países periféricos, ir-se-á acelerar nos próximos tempos. É por isso mais do que nunca importante apostar no que se produz, isto é, na Formação. O investimento em pesquisa e desenvolvimento de jovens jogadores continuará a ser muito mais acessível que o mercado de transferências. E essa será sempre uma realidade que não deve ser desprezada por clubes de países adjacentes aos Big 5, que irão ainda mais constituir-se como o viveiro de jogadores dos principais campeonatos europeus, sob pena de, sem eles, a falência do negócio futebol ser inevitável dada a discrepância geral entre custos e proveitos e o valor de mercado dos jogadores das grandes Ligas. 

 

P.S. Antigamente havia uma dicotomia entre FED (continente americano) e Bundesbank em termos de política monetária que garantia um sistema com algum equilíbrio em que os mercados não tinham tanta vida própria quando comparados com a economia. A Reserva Federal americana, com o seu mandato dual, de controlo da inflação e promoção do pleno emprego, sempre teve um cariz mais expansionista, mais keynesiano. Por outro lado, o banco central alemão, perseguiu sempre uma política monetária adepta da escola austríaca, de Hayek, tomando apenas como referência o crescimento da massa monetária em circulação (M3) e sendo por isso mais austero na rapidez da descida dos juros. Essas duas visões diferentes, protagonizadas nas figuras de Alan Greenspan e de Hans Tietmeyer, não caucionavam tantos excessos nos mercados. Durante os primeiros anos do euro, esse equilíbrio manteve-se, com o BCE a herdar a filosofia do Bundesbank. Mas a crise financeira provocada pela dívida subprime e a subjacente crise da dívida soberana periférica europeia acabou por aproximar a política monetária europeia da americana, dando-se até o caso de hoje em dia ela própria ser mais expansionista, como já estava a ser notório antes da pandemia da Covid-19. Os ganhos de produtividade inerentes à revolução tecnológica a que temos vindo a assistir na nossa geração e a diminuição dos custos de produção por deslocalização dos factores produtivos para a Ásia (China, Índia,...) terão contribuído para conter a pressão inflacionista subjacente a uma política monetária expansionista e isso acabou por gerar uma dissociação entre o mercado accionista (a subir desde Março de 2009) e a própria economia, aumentando as assimetrias entre as populações por via de rendimentos extra que não provêm do trabalho e aparecimento de novos milionários provenientes essencialmente de empresas tecnológicas europeias e americanas, de companhias que exploram e gerem recursos naturais e de oligarquias do leste europeu e da Ásia, uns e outros beneficiando da especulação accionista e do forte investimento estratégico do novo gigante China em ambiente de juro zero.

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13
Jun20

Pensamento do dia


Pedro Azevedo

A intolerância combate-se com educação, cultura e inteligência, e não contrapondo igual intolerância. Num mundo povoado por maniqueístas sobrará o ódio e o ressentimento, faltará sempre a racionalidade e a nobreza de sentimentos e não haverá espaço para a criação de obra que perdure.   

13
Jun20

Tudo ao molho e fé em Deus

“Jovanotti”, o rap(az) da Formação a dar música em Alvalade


Pedro Azevedo

Três meses depois, o Sporting voltou a apresentar-se em Alvalade. Ou àquilo que as televisões garantiram ser Alvalade, podendo perfeitamente ter sido um estúdio na Venda do Pinheiro, que isto dos Reality Shows que apresentam a banalidade do quotidiano só precisa de um cenário a condizer. Com o suposto regresso a casa, retornou também a ladainha da inexperiência e juventude dos jogadores como causa próxima de uma exibição menos conseguida, reminiscência daquelas conferências de imprensa de Silas em que ele encontrava sempre uma boa justificação para a derrota na utilização de jovens da Formação. O problema destas coisas é termos memória e a alternativa aos jovens da Academia remeter-nos sempre para aqueles "gloriosos" meses vividos anteriormente com as cantorias de Jesé, os tropeções na bola de Bolasie e a enfermaria de Fernando. Aquilo é que (não) era! Para quem já se esqueceu, nada como o momento revivalista que consistiu na troca do jovem Matheus Nunes pelo Eduardo Pés de Barro, esse personagem tão vítima da sua própria inocência que mais parece saído de um filme de Tim Burton (Batman, o argentino, hoje não actuou) com enredo baseado num sonho do rei Nabucodonosor da Babilónia (*). Foi elucidativo!

 

(Verdade seja dita que pelo menos Ruben Amorim tem o mérito de ser consistente nas suas apostas, não desistindo dos jovens à primeira contrariedade e dando-lhes estabilidade e confiança para desempenharem o seu papel da melhor forma.) 

 

O Departamento da Defesa do Sporting voltou a ter a sua sede no Pentágono, realidade que só por si já faz de Ruben Amorim um líder NATO (ou será 'nato'?) em tempo de Guerra Fria em Alvalade. Hoje a missão era passo a Paços destruir o submarino amarelo. O Pentágono, como já se sabe, é compreendido por três centrais e dois trincos que jogam tão perto uns dos outros que o objectivo será certamente entre eles existir um "Ground Zero". Para complicar um pouco mais a tarefa, Mathieu, o Ministro da Defesa e aquele que tem mais saída de bola, não jogou. Valeu então a maior desinibição de Matheus Nunes face ao jogo de Guimarães e o regresso após lesão de Wendel para que o Sporting conseguisse ter algum jogo interior de aproximação à área adversária. Ainda assim, a circulação fez-se essencialmente em zonas muito recuadas do terreno, entrecortada por chutões para a frente (ou atrasos para Max) quando a pressão pacense era mais eficaz e deixava a nu a falta de saída com bola de Coates e Borja. Apesar do controlo geral das operações, os leões na primeira parte só conseguiram criar perigo numa desmarcação subtil de Vietto para Sporar que o esloveno desperdiçou em frente da baliza. Com esta acção, a sua única digna de registo, Vietto deu por terminada a participação no jogo, pois pouco depois sofreu o que pareceu ser uma luxação num ombro. Entrou Plata, e o Geraldes lá ficou a fazer contas aos 10 minutos da ordem que lhe haveriam de caber quando o jogo estivesse em desordem e a bola só andasse pelo ar. No fundo, àquilo que os especialistas designam de uma oportunidade perdida...

 

Regressados do balneário, os leões voltaram a ter em Jovane um dinamitador do jogo. Logo a abrir, o cabo-verdiano entrou em aceleração pela esquerda, driblou dois pacenses sem passo para o acompanhar e serviu um desmarcado Sporar para um golo que teria sido fácil caso o esloveno não tivesse tentado antecipar a jogada dando um passo a mais. Não conseguindo assistir, Jovane procurou resolver por ele próprio: chamado a cobrar um livre directo à entrada da área, o avançado arrancou um míssil indefensável que bateu na quina da barra e ressaltou para dentro da baliza. Matheus Nunes ainda recargou para golo, mas, como a transmissão televisiva esclareceu, a bola já tinha entrado. O Sporting apanhou-se merecidamente na frente do marcador, mas nos últimos 20 minutos, com a substituição de Matheus por Eduardo, acabaria por perder o controlo das operações a meio-campo. Os pacenses começaram a explorar debilidades nossas, como a falta de velocidade de Coates, o deficiente posicionamento de Borja, ou as perdas constantes de bola de Camacho - Quaresma foi de longe o nosso defesa mais competente - , e tiveram uma óptima oportunidade nos pés de João Amaral. Max esteve à altura e defendeu, mas Rui Costa apitou penálti por alegada falta cometida pelo colombiano Borja. O VAR acabou por aconselhar a mudança de decisão e nos lares Sportinguistas por todo o mundo respirou-se de alívio. Até ao final do jogo, os leões não conseguiram segurar a bola, com Plata a ligar o complicómetro vezes de mais para o pobre coração de um adepto, pelo que o resultado esteve sempre incerto. Acuña, fora de forma, saiu e deu lugar a mais uma estreia a assinalar, a do jovem Nuno Mendes. Max, por duas vezes, voltou a evitar o pior na melhor fase do Paços de Ferreira. No entanto, o jogo não terminaria sem que mais uma magistral arrancada de Jovane criasse sensação de golo. Infelizmente, a bola estrelou na barra, tal a fervura aplicada no remate.

 

Enfim, ganhámos! E à falta de nota artística (por exemplo, Benfica e Porto têm sido de uma pobreza franciscana), três pontos e sete jovens da Formação lançados (não considero Camacho, que custou 5,6 milhões de euros e saiu da Academia com, creio, 13 anos) merecem uma boa nota técnica. Só espero é que a necessidade de "nota" para pagar tantas contratações cirúrgicas (ouro, prata, bronze, ferro e... barro, muito barro) não leve a que alguns saiam prematuramente, não concretizando o seu potencial desportivo connosco. Em especial o Jovane, o mal-amado de que tanto gosto.

 

Tenor "Tudo ao molho...": Jovane Cabral (2º jogo consecutivo). Menções honrosas para Eduardo Quaresma, Max, Wendel e Matheus Nunes. Pela negativa destacaram-se Camacho, Borja, Plata e Eduardo. Os restantes estiveram num nível mediano.  

 

(*) O sonho de Nabuconodosor continha uma estátua de um homem imóvel (de ouro, prata, bronze, ferro e barro), que seria a interpretação da manutenção do seu império até ao final dos tempos. Mas, devido à fragilidade do barro, bastaria uma pedra para destruir o sonho do rei e 24 anos após a sua morte a Babilónia haveria de ser conquistada pelos persas de Ciro, o Grande. 

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12
Jun20

Primeiras impressões


Pedro Azevedo

Gosto:

  • da comunicação assertiva de Ruben Amorim.
  • do seu discurso ambicioso, de acordo com a grandeza do clube.
  • da confiança que Ruben Amorim transmite aos jovens. 
  • da insistência em Matheus Nunes, não o deixando cair após uma estreia menos conseguida.
  • dos laterais/alas de propensão atacante.
  • do papel dado a Jovane como dinamitador das linhas de defesa adversárias.
  • com dois enganches por detrás, dos espaços que se abrem para Sporar inteligentemente explorar. 
  • de ver Ruben Amorim assumir as coisas menos boas, sem desculpas.

 

Não gosto:

  • da forma como Ruben Amorim tem gerido publicamente o dossier Mathieu, porque creio que nunca esteve em causa o comprometimento do francês com o clube, trata-se tão-somente de uma opção (ou não) de final de carreira de um jogador que ainda poderia ser muito útil para a próxima época não só pelo que joga como também pela experiência acumulada que passaria a jovens como Eduardo Quaresma e Gonçalo Inácio.
  • da "Táctica do Pentágono", sistema de defesa da nação leonina em que 2 trincos se posicionam em cima de 3 centrais ("congestionamento"), proporcionando carambolas em situação de evidente superioridade numérica do tipo da que resultou no segundo golo vimaranense.
  • da ausência de um "8" bem definido, o que elimina os movimentos verticais de aproximação à linha atacante, tornando o nosso jogo mais previsível e de colocação constante das bolas nas costas dos defesas contrários, táctica que dificilmente resultará com equipas posicionadas em bloco baixo e que leva a muitas perdas de bola. 
  • da inexistência de um "10" (Vietto neste sistema é um dos segundos avançados), o que a somar à falta de um "8" faz com que o nosso jogo interior, de construção desde trás, seja substituído por transições constantes. Está a faltar quem pense o jogo e lhe dê temporizações, a fim de que a equipa não se parta tanto em campo.
  • de Mathieu, elemento mais rápido e experiente da defesa, não ser o central de referência pelo meio, expondo-nos demasiadamente a contra-ataques rápidos. 

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