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Castigo Máximo

De forma colocada, de paradinha, ou até mesmo à Panenka ou Cruijff, marcaremos aqui a actualidade leonina. Analiticamente ou com recurso ao humor, dentro ou fora da caixa, seremos SPORTING sempre.

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Castigo Máximo

18
Mar24

Tudo ao molho e fé em Gyokeres

Um Gyokeres 3 vezes ao dia contra a dor


Pedro Azevedo

Ao contrário do Futebol Clube, que é do Porto, e do Sport Lisboa, que é do bairro de Benfica (mas habita num condomínio de Red Passes em Carnide), o Sporting é de Portugal. À partida, um clube que é a bandeira de uma cidade iminentemente bairrista e outro que representa mesmo um bairro (ainda que muitíssimo populoso) - assim a modos como Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia - deveriam entregar-se a tarefas domésticas, deixando as actividades europeias para o clube que leva Portugal no nome. Todavia, o problema é mesmo esse: levando Portugal no nome, o Sporting europeu faz o mesmo que o estado português na Europa, isto é, saca fundos comunitários aos países mais ricos (só por ter entrado), para depois não desenvolver nada, e nos momentos mais delicados joga sempre à defesa. 

De regresso à frente interna, o Esgaio e o Matheus Reis foram substituídos pelo Geny e o Nuno Santos. Além de que o Paulinho jogou com o Gyokeres na frente. Poder-se-ia dizer que pusemos a carne toda no assador,  mas é melhor não (não vá o Arthur Cabral sentir-se atraído pela possibilidade de aqui também haver picanha).  

O jogo tinha acabado de começar, o que já de si é um oxímoro, quando se produziu outra figura de estilo, no caso um paradoxo. E em dose dupla: o Geny, que devia defender, não quis ceder um canto, e o Israel, que podia agarrar a bola ou simplesmente deixá-la correr, socou-a para o único sítio na grande área (metropolitana de Lisboa) onde havia um jogador do Boavista àquela hora. Em consequência, o Makouta inaugurou o marcador da exactíssima mesma forma artística com que domesticamente costumamos encaixar golos. (Os golos que nos marcam e alguns que nos anulam têm imensa arte.)

O golo do Boavista teve o condão de, em vez de desanimar, animar todos os nossos jogadores, especialmente o Morita e o Gyokeres. E se o Morita desenhou logo com génio 3 lances de golo, o Gyokeres foi o protagonista de um "E tudo o vento levou" que teria deixado os boavisteiros à beira de um ataque de nervos, se os seus músculos não estivessem já demasiado retesados de tanto terem sido solicitados em correrias (não há dúvida de que este Gyokeres é um Clark Gable louro ou mesmo um "Clark Gamble", tão boa foi a aposta do Sporting nele). E, se no primeiro golo, o sueco mostrou dotes de finalizador a um só toque, antecipando-se ao defesa, no seu segundo partiu-lhe os rins com acelerações, travagens com servo-freio e derrapagens suaves - para o acompanharem, além de fortes e velozes os nossos adversários precisam de fazer um curso de pilotagem no gelo -,  antes de despachar o tema da baliza com um balázio mortal. Depois, ainda voltou a marcar, de penálti, só para mostrar que o desperdício com o Young Boys foi a excepção que confirma a regra. Não ficaria contudo por aí, levando tudo à frente numa diagonal na direcção da linha de fundo, levantando depois a cabeça antes de executar uma Quaresmada de pé direito directinha para o pé esquerdo goleador do Nuno Santos. No resto do tempo, dedicou-se a amassar os defesas, como uma jibóia que vai enleando as suas presas até as asfixiar. (Pelo meio, o Paulinho marcou um golo acrobático e no fim bisou, de cabeça, que o sueco estica tanto o jogo e cria tal desordem que propicia oportunidades suficientes para o Paulinho cumprir com a sua quota comunitária de produtor de falhanços e ainda conseguir falhar uns falhanços e marcar.)

 

O Shakespeare dizia que lamentar no presente uma dor passada seria como criar uma nova dor e sofrer novamente. Ora, há dores que são passíveis de cura, especialmente havendo um Gyokeres no presente. Ou, melhor dizendo, de presente. Para todos os sócios, adeptos e simpatizantes do nosso Sporting. Por isso, não criamos novas dores, como o comprovam o Casa Pia (8-0, após a nossa derrota na Taça da Liga) e agora o Boavista (6-1), pelo que se eu fosse do Benfica, sabendo que tinha 2 desafios seguidos, dava já como perdido o jogo da Taça de Portugal. Just in case... 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres. Menções honrosas: Morita e Bragança. Que jogo fez o Daniel! Futebol de toque, perfume exótico, espalhando classe por um relvado que foi tela de um cenário revivalista onde coabitam Redondo e o samba de 82, o Bragança encheu as medidas de quem gosta de futebol e sabe que jogar simples e bem é sempre o mais complicado.

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15
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

Extraído o apêndice


Pedro Azevedo

Caro Leitor, a boa notícia que emerge da noite é que estamos quase-quase a concentrar-nos exclusivamente no campeonato nacional. Assim, o apêndice da Liga Europa já foi cortado ontem a fim de evitar uma peritriunfite (inflamação generalizada de vitorias) e as amígdalas da Taça não deverão resistir ao bisturi da Luz, pelo que Ruben Amorim poderá por fim cumprir o seu sonho de só ter de pensar na bicha solitária da Liga. É isso(!), se com o Mourinho aprendemos o que é a periodização táctica, agora com o Amorim percebemos o conceito de priorização tácita. Graças a este brilhante pensamento, o Sporting continuará a posicionar-se num bloco médio baixo no que à tabela periódica (para nós, uma constante) dos clubes europeus mais significativos diz respeito, vendo-se assim obrigado todos os anos a vender os seus melhores jogadores, enquanto os seus rivais com melhor ranking continuarão a ganhar valores milionários pela simples presença no Mundial de clubes. Não se preocupe porém o Leitor, porque para o ano há mais. Isto é, para a época que vem podemos continuar a fingir que ligamos à Europa. Sugiro até que antes dos jogos europeus se troque "O Mundo sabe que..." pelo irónico "Portugal na CEE", dos GNR, e o símbolo do leão por um pedregulho (de Sísifo), só para que não nos esqueçamos que lidamos com a Europa com o mesmo empenho que os nossos governantes tiveram o trabalho de lidar com as nossas agricultura e pescas no passado. 

 

Geralmente, depois de um jogo perdido, quem treine o Sporting vê-se na necessidade de conceder a derrota. Mas ontem não, foi a vitória de Ruben Amorim e da priorização tácita. E dos adeptos que ficam em êxtase quando veem o Sporting libertar-se de competições, o que leva à interrogação se nos querem sequer ver nesses certames. Será que podemos não nos inscrever? É proibido desistir a meio, se a coisa estiver a dar muito trabalho? A quem nos podemos queixar em caso de bullying? A ideia de fundo que estes entusiastas da derrota passam é que o plantel é curto para tanta competição. Nesse caso, um burro pensaria que a solução seria aumentar o plantel. Felizmente, temos inteligências raras em Alvalade que privilegiam planteis curtos para ser mais fácil gerir o balneário. Assim, ficamos com um balneário são... e zero títulos, Como na época passada, o que cumpre mais ou menos com o último lema conhecido do fundador, encontrado aqui há dias na etiqueta de um velho frasco de lixívia numa escavação ali ao pé do Lumiar: "Tão bons como os melhores balneários da Europa". Parabéns então ao Amorim por esta retumbante vitória. Com uma especial dedicatória ao Edwards e ao Paulinho, que tudo fizeram para  que este... êxito se confirmasse. (O St Juste ficou ligado aos 2 golos do adversário.)


É tal o desprezo que damos à Europa que nem se percebe o ênfase em sermos conhecidos internacionalmente como Sporting Clube de Portugal. Eu acho que até disfarçava se nos chamassem Sporting de Lisboa. Ou só Sporting, que podia ser confundido com o de Gijón (Astúrias) ou de Charleroi (Bélgica). Assim, como está, é que não, é impossível escondermo-nos. Sessenta anos após Alexandre Baptista (que recentemente nos deixou) e outros briosos leões terem trazido para Portugal a Taça dos Vencedores das Taças. Ultrapassando a Atalanta pelo meio (desta vez. quatro tentativas não foram suficientes para conseguirmos uma vitória). 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Ele e Hjulmand estão a anos-luz de todos os outros no poder físico e qualidade e constância da decisão. Menção honrosa para Franco Israel. Os restantes largaram a letargia a partir dos 10 minutos finais, o que significa que perderam 80 minutos num ritmo muito baixo para o padrão europeu. 

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12
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

Agricultura desportiva


Pedro Azevedo

Tenho-me batido neste blogue por uma sã cultura desportiva e como a sua existência em Portugal poderia catapultar o nosso futebol para outro patamar, o que nada nem ninguém me preparou foi para o tema da agricultura desportiva. Ainda assim, procurarei em diante estar em conformidade com o que ocorreu ontem no campo das cebolas de Arouca, cidade onde o Sporting plantou as sementes do que se espera ser o título de campeão nacional. Tratando-se de um campo de cebolas, a colheita será lá para Maio, restando perceber se ao descascá-las vamos chorar de tristeza ou de alegria. Eu acredito na aleg(o)ria. E em comê-los (aos rivais) de cebolada. 

Na antecâmara do jogo só dava Arouca. Nas televisões falava-se de um trio, de ataque ou de cozinha (descasca da cebola), temível. De Jason, Mugica e até de Cristo, o que sem dúvida era coisa para meter muito respeito. Ademais, ter Cristo do lado de lá, sem já haver Jesus deste lado para empatar, deixava em aberto a possibilidade de um milagre arouquense de multiplicação dos golos. Enfim, segundo os sábios, a perspectiva para o Sporting não se afigurava nada católica. 


Consultado o Borda d'Agua, constatei ser Março o mês ideal para semear cebolas, o que contrariava a ideia original de que seria mau deslocar-nos agora a Arouca. O Amorim também olhou para o famoso almanaque e forneceu logo as sementes. Ora, se o objectivo com as cebolas é sacar-lhes o bolbo, no futebol a nossa meta é libertar a potência do nosso Volvo. A cavalo da tecnologia sueca, pois claro, ou não tivesse o Gyokeres nascido na pátria dos ABBA. Como o Gyokeres é o sol, com ele as culturas desenvolvem-se viçosas. Vai daí, começámos logo a facturar. 


Com o campo muito pesado, o Quaresma não podia usar a sua óptima progressão com bola e arriscava-se a perdê-la algumas vezes. Inteligente, o Amorim substituiu-o pelo Inácio. Assim começou o segundo tempo, período em que tivemos melhor controlo do jogo. Mas como o controlo é ilusório e o tempo caminhava para o fim, o receio de levarmos com uma batata, plantada ao acaso num campo de cebolas, avolumou-se. Eis então senão quando o Catamo esfregou a lâmpada e soltou o Geny(o). Com o 2-0, pudemos por fim respirar de alívio. Quer dizer, pudemos todos menos os nossos Vikings, que ainda agora estariam a semear se não os tivessem tirado do campo a tempo. Em consequência, o Hjulmand roubou uma bola, o Gyokeres a dividida e o esférico voltou ao dinamarquês para acabar dentro da baliza do Arouca. Mesmo a tempo do anúncio do furacão Chega, que virou tudo à direita (espero que a "desVentura" não prejudique as colheitas). Cá por mim, pedia já um subsídio (afinal, é de agricultura que falamos, não é verdade?). 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres

 

07
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Xerazade que nos acuda


Pedro Azevedo

Em teoria, o Sporting olha para as competições de futebol em que participa como um homem muçulmano para as 4 mulheres com que pode casar. O Islão permite que um homem se case com até 4 mulheres, mediante algumas condições, nada obstando porém a que se case só com uma. Para o Sporting, as "mulheres" também são 4. Chamam-se elas Primeira Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Liga Europa, o que em teoria configura relações potencialmente polígamas e com forte envolvência de ligas ("comme il faut") entre as competições em que participamos. Porém, na prática, Amorim tem uma ideia diferente e aposta as fichas quase todas na monogamia, consequência da priorização que faz da Primeira Liga (ou será Primeira Dama?). O anúncio surgiu na véspera do jogo com a Atalanta e logo me deixou perante uma questão na cabeça: se a Liga Europa não é prioritária, por que é que o descobrimos agora, após 8 jogos anteriores em que desgastámos os jogadores, quando o número de jogos de que presentemente necessitamos para vencer a competição é menor do que os que disputámos até ao momento? Seria como um homem namorar 8 anos uma mulher e depois, à medida que o casal começa a discutir o casamento, ele descobrir que afinal prioriza outra - porque deveria um muçulmano priorizar uma mulher, podendo ter quatro? Não faz sentido, pois não? Se é para "matar" todas as competições menos a Primeira Liga, por que razão nos inscrevemos nesses certames? É como se Amorim fosse o Rei Shariar e Xerazade a única hipótese de salvação da nossa presença na Europa League. Caso contrário, andaremos sempre nesta coisa de casamentos por conveniência, para que depois cada competição vá sendo eliminada em nome da nossa potencial vitória na Primeira Liga. 

Foi com este pensamento que ontem me sentei em frente do televisor para ver o jogo. Embora também me interessasse ver o dia de campanha eleitoral, o Sporting sempre terá a minha prioridade de agenda não-familiar, ainda que para o Sporting nem todas as competições em que entre sejam uma prioridade. O que me induziu novo pensamento e algumas questões a mim próprio: faz sentido o que é uma prioridade para mim, não priorizar competições onde intervém? Ou seja, devo priorizar quem não prioriza o que me é dado ver, o objecto da minha paixão? O que será o jantar? A resposta às 2 primeiras questões foi sim, que a paixão não se discute ou se subordina à reciprocidade. Quanto à terceira pergunta, ela não teve propriamente resposta imediata. Foi só um momento de associação de sinapses (o Paulinho acabara de inaugurar o marcador), em que a propósito do Islão me lembrei de Maomé e da sua aversão ao porco, assim a modos como uma garantia de que o repasto não seria composto por lombinhos, escalopes ou medalhões, podendo ser essa a suprema ironia de uma priorização pessoal minha em colisão com a priorização que metaforicamente criei para o meu clube. Perceberam? Eu também não (ao Amorim). 

Caro Leitor, a primeira parte também não foi prioritária para o Sporting. Como consequência, levámos 1 golo, duas bolas no ferro e o nosso guarda-redes defendeu três bolas muito difíceis. Estava eu a pensar nisso quando me lembrei que esta crónica acabara de entrar no clássico da geopolítica, na medida em que teria de compatibilizar Israel com a metáfora do homem islamita e não permitir que de algum desconchavo entre personagens surgisse uma Faixa de Gaza para onde os Leitores se refugiassem desta crónica. Regresso assim ao Israel para dizer que uma das suas paradas de ontem só tem comparação na defesa de Banks perante Pelé ou no milagre que Damas fez perante a Inglaterra em plena "catedral" de Wembley (Defesa do Século). É que defender uma bola que nos vai a fugir e, para mais, bate no chão pouco antes da linha de golo, é tarefa só ao alcance de alguns predestinados. Pelo que se o Israel deixar de ter hesitações a sair da baliza, como se fosse um condenado e esse caminho o levasse ao Corredor da Morte, então o que mostra entre os postes e a jogar com os pés é mais do que suficiente para vos dizer que temos homem. Se o afirmo com alegria em relação ao Israel, é com pesar que o comunico em relação ao Gyokeres. É que termos homem não nos basta, nomeadamente quando antes nos convencemos de ter um deus. Só que o sueco ontem mostrou um traço de humanidade. Cansou-se. Esgotou-se. E nós não estávamos habituados (ou estávamos simplesmente mal-habituados). 

No segundo tempo voltámos a não conseguir impor o nosso jogo. Os inúmeros passes perdidos não permitiram que atingíssemos o ritmo certo a que estamos acostumados. O cansaço físico e mental de alguns jogadores limitou as linhas de passe, e sem desmarcações muitas bolas se perderam por falta de opções. Melhorámos porém na contabilidade do ferro, empatando 1-1. E até poderíamos ter ganho o jogo, o que não seria de todo justo, caso Geny tivesse levantado a cabeça e visto Gyokeres liberto ao segundo poste. Mas isso teria sido um cenário das mil e uma noites e a Xerazade não mora em Al Valade. 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma - à direita, à esquerda, a dobrar ao centro, a actuação de Quaresma foi uma parábola das melhores virtudes de cada partido que compõe o nosso espectro político quando se aproxima o tempo de reflexão após renhida campanha eleitoral. 

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05
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

Um Domingo qualquer


Pedro Azevedo

Se há clube a quem o José Mota vende cara a derrota é o Sporting. Confesso que demorei anos a perceber a razão porque sistematicamente nos fazia a vida negra em Paços - o Rafael, que connosco pintava sempre a manta e curiosamente só teve sucesso por lá, ainda hoje me provoca suores frios -, mas um dia prestei atenção ao boné com que se apresentava em conferências de imprensa e fez-se-me luz, estava lá escarrapachada a resposta: a JCA Electrodomésticos deu-lhe de patrocínio uma varinha mágica. Só pode... No Leixões, substituiu o boné pela pinta de Beto (nosso antigo guarda-redes) e assim, fingindo-se um de nós, veio ganhar-nos a Alvalade. Em Setúbal já não foi Beto, mas sim Diego (o pai do Callai), o guardião. Resultado: perdemos de novo. E no Aves brindou-nos com uma versão sua de um romance do Camilo: o (J)amor de Perdição. Em troca, guardou a Taça para si. 

 

Com antecedentes assim, a que se podem somar as muitas dificuldades sentidas pela nossa equipa na primeira volta em Faro, é natural que eu tivesse pensado entrar para o jogo de ontem com um pé atrás. Quarenta e cinco minutos depois, enquanto ainda esperava pelo reboque que me levaria a viatura para a oficina, concluí que afinal entraria mesmo com os dois pés atrás(ados). Menos mal, o Flashscore dizia que estávamos a ganhar por 2-1... Sorri e fui à boleia ver o resto do jogo. A vantagem de certas contrariedades na nossa vida é que nos permitem relativizar as coisas. Por isso não sofri demasiado quando o Farense empatou ou o Paulinho entrou, embora este último seja a razão pela qual eu tenho uma fixação por mesas pé de galo, através das quais contacto com antepassados Sportinguistas que me falam do Peyroteo, do Vasques, do Martins, do Figueiredo ou do Yazalde. Ou contactava, porque agora o Gyokeres tira-me a ansiedade. [Sendo de Barcelos, aposto que o Paulinho sabe o que é um(a) pé (esquerdo) de galo.]

 

Na minha teoria da relatividade da bola, não era preciso ser um Einstein para perceber que a massa do Esgaio se deslocava a uma velocidade que estava nos antípodas do quadrado da luz, o que como é óbvio transmitia uma energia muito abaixo do esperado, que não atraía o resto da equipa nem os nossos adeptos. Eis senão quando ele recebeu um passe do Edwards, avançou e deu de bandeja para o Pote, no que foi o golo da vitória. Dando razão a Auguste Comte quando dizia: "Na vida tudo é relativo, e esse é o único valor absoluto". E assim, aquele que muitas vezes ficou aquém, ontem foi além. Transcendeu-se. 


Se o jogo com o Farense já me tinha deixado intranquilo, o final de Domingo confirmou o mau momento de forma do nosso Sporting. O canário na mina do carvão que nos deu esse sinal foi o Benfica, que, apenas 3 dias após ter perdido connosco pela margem mínima, levou uma lição de mão-cheia no Dragão. Nada disto ocorreu por acaso, não se deixam acasos ao acaso numa instituição que move tantos apoios nos corredores do poder e suscita o interesse de tantos filantropos. Não, o intuito do Benfica foi desmoralizar-nos, dar-nos a entender que somos uns fracotes. Minando-nos por dentro, fazendo-nos dúvidar do nosso potencial. Para depois largarem a pele de cordeiro e mostrarem as garras de águia. Então o lateral esquerdo será lateral esquerdo e não central, o ponta de lança será ponta de lança e não ala e o Herr Schmidt será um treinador e não um tipo de investidor que deixa 40 milhões parados no banco. É claro que o "mastermind" disto tudo é o "regista" Rui Costa, um homem do Renascimento, ou não tivesse ele passado longos anos em Florença e outros tantos com o Vieira, este último um período de que não se lembra quase nada (o que já em si é como nascer de novo para a vida). Agora finalmente sem o homem dos pneus, não obstante não deixar de querer um Good Year. (Não lhe chamem pneumático, que o homem deixa logo de ser fleumático.) 

 

E é neste tom carregado, caro Leitor, que me preparo para terminar esta crónica. Porque esta coisa de ir à frente faz sempre um Sportinguista desconfiar. Sim, um Sportinguista tem medo de ser feliz, assumamos. E depois apanha-se com um ponto, que podem ser quatro, à frente, vê o Adán com a capoeira fechada e começa a achar que isto não pode ser real. Belisca-se, debate-se com a realidade nua e crua. Pelo que para reduzir a ansiedade eu pedia já para antecipar a ida ao Dragão para a próxima jornada. Para irmos jogar para o zero a zero, com humildade. Ou então para perdermos por menos de 5. Só assim conseguiremos desenvencilhar-nos da armadilha em que o Benfica nos meteu e fazê-los provar do seu próprio veneno. Uma e outra e uma outra vez. Até que o ninho da águia abane e de lá caia um ovo em quem se possa totalmente confiar como parceiro deste peculiar negócio chamado futebol português. Sporting!!!

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Tenor "Tudo ao molho...": Pote

01
Mar24

Tudo ao molho e fé em Deus

Morita e o Momento da Verdade


Pedro Azevedo

As crónicas dos jogos sucedem-se de sequela em sequela a uma velocidade furiosa, mas sem Michelle Rodriguez a quem recorrer em caso de conspícua falta de inspiração. A ansiedade do autor aumenta, temendo que um dia destes uma delas bata na trave como o Paul Walker e/ou desapareça no firmamento ao som do I'll Be Missing You, do Puff Daddy, Diddy ou Sean Combs (o homem muda de nome mais depressa do que o diabo da agulha esfrega o olho ao vinil). Tenho pesadelos e procuro o conforto do sindicato, mas descubro que este ainda não foi constituído por divergência de conceitos entre bloguers, blogueiros e bloguistas, o que põe em causa os direitos de autor de posts de receitas de tarte merengada, de desconto no pêssego em calda ou simplemente de contrariedades e ansiedades verificadas ao nível do pipi, entre outros eméritos candidatos a Pullitzer residentes nesta comunidade cujo potencial desaparecimento é temido como uma das terríveis ameaças que se perspectivam para o futuro da humanidade. Resignado, abrevio o tempo com um penteado à Vin Diesel e acelero teclado fora. Três são as rotações que a Terra promete sobre si própria até ao próximo jogo (Farense) e eu também preciso de dar umas quantas voltas à minha cachimónia para que entretanto me saia um texto minimamente em forma de assim-assim. 

 

Um jogo com o Benfica tem a vantagem de automaticamente resolver o problema da falta de assunto. Desde logo pelos casos e casinhos que o envolvem e quase sempre o prolongam bem para lá dos simples 90 minutos. Analisemos então um desses casos pela pena do humorista Duarte Gomes: o lance descreve-se brevemente por ter havido uma carga fora de tempo, simultanemente nas costas e numa perna, do João Neves sobre o Pote, que Fábio Veríssimo não sancionou. Tendo a falta ocorrido dentro da área do Benfica, logo deveria ter sido marcado um penálti. Mas o Duarte tem uma opinião  diferente: "Pedro Gonçalves, com a bola à sua mercê, direcionou a sua perna direita para o lado, para a trajetória de corrida de João Neves. O contacto - absolutamente evidente (NA: é Neves que toca em Pote e não o seu contrário) - não resultou de ação faltosa do médio encarnado, mas daquela opção do avançado do Sporting". Ou seja, para o inefável Duarte Gomes há uma lei que deve inibir um interveniente do jogo de se cruzar com outro numa esquina da área deste, especialmente se este último estiver a deslocar-se a grande velocidade. Já sobre a velocidade empregue ter sido impruente ou negligente, termos esses, sim, que constam das leis, nem uma palavra, ainda que o abalroamento tenha sido uma realidade. Acontece que 1 minuto depois o Pote marcou mesmo de verdade. E olhou para o Veríssimo como quem diz: "Karma is a bitch!". Estás a ver, Duarte? [O Duarte Gomes sabe bem do que fala, ele que um dia cismou interpor-se na trajectória da bola entre Ricardo Peres, adjunto de Paulo Bento no Sporting, e Rui Patrício, durante o aquecimento antes de um jogo, para depois imediatamente direccionar o seu corpo na direcção de Peres, promovendo o contacto (peitaça), terminando a sua acção a advertir o treinador de guarda-redes com um cartão amarelo perante a indignação geral de quem assistia a tão elucidativa lição de arbitragem.]

 

O Sporting ganhou o jogo no meio campo, produto da acção conjugada do requintado "Tsubasa" Morita e do sobrequalificado operário Hjulmand, que, quais Garrinchas de ocasião, meteram a dupla de Joões do Benfica no bolso. Pelo que a razão para a eliminatória ainda estar em aberto deve-se à má definição de Pote, Edwards e Geny, que desperdiçaram ingloriamente imensas jogadas promissoras. E se não fosse Gyokeres, que deixou Otamendi no passeio a anotar a matrícula do camião que o atropelou, poderíamos estar a lamentar um resultado muito aquém da exibição produzida. Porque a qualidade individual de Di Maria chegou a ameaçar sobrepor-se ao superior colectivo Sportinguista, mostrando à saciedade as vantagens de ter um fora de série. 


Evidenciando a vã ilusão do que é o controlo do jogo, em duas jogadas praticamente consecutivas o Benfica empatou. Fazendo pouco ou nada para tal, ou simplesmente, tendo Di Maria para tal. Mas se Diomande ficou a dormir no primeiro, o VAR estava bem acordado e viu a interferência do jogador benfiquista em fora de jogo que tapou a visão do nosso guarda-redes, Israel, que no fim comemorou com a Faixa de Ga(n)za situada na Superior, mostrando que o Sporting é de facto um clube diferente e cheio de sortilégios que nos aquecem e enriquecem a alma. 


Tempo ainda para Nuno Santos voltar a surpreender-nos com um Puskas, mas uma vez mais o galardão ficará adiado. Depois de uma letra, trivela e lob, agora foi um pontapé à Karaté Kid, mas o Momento da Verdade (também tinha um Morita) ficou adiado possivelmente para a segunda mão (ou demão, que a vitória de ontem foi o primário). 

Tenor "Tudo ao molho...": Hidemasa Morita 

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26
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

E dois pontos o vento levou...


Pedro Azevedo

Para um clube de fidalgos, visitar a vila de um conde enquadrar-se-ia perfeitamente dentro da normalidade do protocolo habitual nessas circunstâncias. Mas o conde de que falamos não deveria frequentar muito as cortes, nem servir-se do cofre real, e o resultado foi que a sua gente teve de fazer pela vida e para sobreviver educou-se mais no conteúdo do que na forma, no pragmatismo ou realismo, o que no futebol se traduz correntemente em meia bola e força, bola para o mato que é jogo de campeonato: não é fácil jogar em Vila do Conde. Exige conhecimento amplo sobre ventos e por vezes marés, navegabilidades, a Arte da Guerra e quais as melhores caneleiras. Nem todas as equipas sabem bolinar por entre os ventos, nem todos os jogadores compreendem as trajectórias de um bom biqueiro na bola ou no lombo, só a frieza de leitura do jogo de um treinador faz perceber qual a pontão que sustenta a estrutura do adversário que é preciso abordar, se tiver a sorte de ter armas para isso ou dinheiro para gastar em Janeiro.  

 

Com o Geny à deriva e o Diomande a não responder à chamada de socorro ao náufrago, cenas da vida marítima, cedo o Umaro Embaló(u) a tempestade. Fazendo jus à lenda, logo o Narciso meteu água (lance precedido de falta sobre Pote) ao validar o golo, dando razão a quem acha que ele não é flor que se cheire (sabe-se que depois do Narciso se ter afogado, Afrodite transfomou-o numa flor). Na baliza, o Jhonatan mostrava-se na hora H, agá que para ele é antecipado desde que os seus pais registaram (mal) o seu nome. Devido a essa emergência, cedo começou a defender, negando o golo ao Gyokeres (duas vezes) e ao Trincão. Mas o Morita soltou-se e quando o Morita solta o seu perfume, os adversários ficam de olhos em bico e aparece o melhor Sporting. Na ressaca, o Hjulmand marcou um bonito golo. Quem também soltou, mas a bola, foi o Adán. Por sorte ou azelhice de um jogador do Rio Ave, não deu golo. Sorte, desta vez do Rio Ave, e azelhice (do árbitro) que se repetiram mais tarde, quando o Nóbrega, com os pitões em riste, aplicou um golpe de ninja em cima do Trincão e escapou sem a grande penalidade. Bola cá, bola lá, mais uma desatenção do nosso lado direito e bola no poste. Até que o Amine teve um atraso (mental) que correu mal e o Gyokeres explodiu com as redes do Rio Ave - foi o 30º golo do sueco e o 100º do Sporting na temporada. Estávamos finalmente em vantagem, ainda por cima com o intervalo a chegar. Só que o Nuno Santos ensarilhou os seus pés entre as pernas de um Costinha de frente para ele, oxímoro que melhor explica o absurdo do sarilho de um penálti e nova igualdade no marcador. 

 

Como o Diomande estava a meter água à direita, para o segundo tempo o Rúben decidiu que ele passaria a meter água pela esquerda a fim de equilibrar as contas (entrou Quaresma para central pela direita). Com isso saiu o Inácio, e com ele os passes rasos entre-linhas que são tão penalizadores para quem nos quer pressionar em cima. Pressão que o Rio Ave idealizou e realizou, desde o reatamento, impedindo que o Sporting partisse confortável para a frente. Desconforto que aumentou quando Quaresma se deixou sobrevoar e Adán hesitou como sempre em sair da baliza e acabou por colidir calamitosamente com o isolado avançado rioavista (Aziz). Do penálti consequente resultou a segunda vantagem do Rio Ave no marcador. Lá apareceu de novo o Morita, de surpresa. E o Coates, ainda sem a lança, empatou, mostrando que um simples central também pode marcar golos. Depois, o Amorim lá o investiu de Central de Lança, um provável resquício futeboleiro (quando não um tique) de um pós-25 de Abril em que os capitães eram graduados em generais. Até ao fim, o Gyokeres continuou a levar pancada. Curiosamente, à medida que o jogo se encerrava, o árbitro foi-se mostrando mais compreensivo com as perdas de tempo dos rioavistas, beneficiando-os com cartões amarelos e até um encarnado, tudo o que no fundo fizesse o relógio avançar e a falta de senso não compensar. Nesse transe, chegou a enviar para casa o Renato, que Pantalon (calças) não é farda que se apresente ao trabalho de um jogador de futebol. [Sim, o Pantalon não pode ter sido expulso à beira do fim por mais uma de muitas outras pauladas que o Gyokeres apanhou e passaram sem admoestação, quando não sem falta, durante todo o jogo.]

 

Pela primeira vez, senti a equipa pressionada. Como se, após o Carnaval, lhe tivesse caído a máscara da tranquilidade. Também não ajudou à festa que em tempo de Quaresma este tivesse ficado de fora, mas pode ter sido devido a uma qualquer penitência mais própria da quadra que vivemos a que Rúben se tenha sujeitado. O que é certo é que se queremos amêndoas docinhas na Páscoa, melhor será recuperarmos o foco. Porque alguma coisa teremos de recuperar, já que mais um interior ou ponta de lança serão irrecuperáveis até ao final da época. Até lá, seguimos crónica a crónica (que com a pressão também têm os seus dias).

 

Tenor "Tudo ao molho...": Gyokeres. Hjulmand (se fosse só pela primeira parte, em que marcou 1 golo e recuperou ou antecipou inúmeras bolas, teria sido o melhor), Morita (esteve em 2 golos e no que poderia ter sido outro) e Coates bem. Pote, Edwards e Diomande: zero. Os outros: neutro.

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23
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

As pequenas coisas


Pedro Azevedo

Daqui a alguns anos, quando olharmos para o ranking UEFA, não nos vamos lembrar deste empate contra o Young Boys. E, contudo, é à conta de deslizes assim - o Leitor recordar-se-á do Skenderbeu e dos jogos com o LASK... -, e da atitude de alguma indiferença que foi havendo perante a sua acumulação ao longo dos anos, que o Sporting tem poucos pontos na Europa e não participará no próximo Campeonato do Mundo de clubes (2025). Porque, se o diabo está nos detalhes, as pequenas coisas acabam por no fim fazer toda a diferença. Como foi ontem o caso do desacerto na finalização, que nos custou uma vitória mais do que certa. E por goleada. Amorim sentiu-o, muito, quando se apresentou na flash-interview a deitar fumo por dentro, sem necessidade de recorrer a truques circenses. Fez bem em dar esse sinal, porque o Sporting conseguiu o mais difícil, que foi manter um ritmo alto durante todo o tempo, e tinha de ter ganho o jogo. 

 

Entre tantos falhanços à frente da baliza, difícil será destacar qual foi o mais bizarro ou caricato,  desde o pé direito de Edwards que travou o remate de pé esquerdo de... Edwards que se encaminhava para a baliza deserta até ao pontapé desferido por Bragança na pequena área que acertou no único pedaço de baliza coberto pelo guarda-redes suiço, para já não falar do traço de humanidade revelado pelo deus Gyokeres no momento em que falhou uma grande penalidade ou de uma outra perdida clamorosa do Daniel. 

 

Ainda assim houve um golo, um grande golo, marcado por Gyokeres num movimento soberbo em que rodou sobre 2 adversários e rematou de forma indefensável, por alto. No resto do tempo, a boa dinâmica leonina foi alargando os buracos no queijo suiço por onde surgiram as tais grandes oportunidades. Mas na hora de comermos o queijo, a gula demasiada levou a que a sofreguidão se impusesse ao discernimento e acabámos por cear mal e ir dormir com fome, que comer de penálti também não ajuda à correcta ingestão dos alimentos. (Continuamos sob o signo da temporada de 73/74: depois de uns 8-0 ao Casa Pia que evocaram igual resultado contra o Oriental, este jogo fez-me recordar a aziaga recepção ao Magdeburgo.)

 

Seguem-se os Oitavos e de novo a Atalanta. Um reencontro, pois então. E a possibilidade de corrigir velhas falhas para não incorrer em novos erros (Confúcio). Para que no fim a dor de partir não emerja sobre a alegria de um reencontro bem sucedido. A fazer lembrar a igualmente (à de 73/74) épica época de 63/64 (sempre a acabar em 4), em que dois jogos não bastaram para pôr fora do caminho a briosa equipa de Bérgamo no nosso rumo até Antuérpia (finalíssima), cidade onde levantámos por fim o caneco. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

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20
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

Arrasador !!!


Pedro Azevedo

Ontem à noite, vi o jogo na SportTV. O Sporting foi arrasador, como se os Leões tivessem montado uma rede assente entre as laterais do rectângulo de jogo e aquela equipa das camisolas esquisitas fosse constituída por um conjunto de mesatenistas que viam a bola permanentemente embater nela e ser devolvida. Nesse transe, cedo o Frimping-pong atirou a bola contra o Morita, para ela depois ricochetear para dentro da sua própria baliza. Enquanto o VAR analisava o lance, o Rui Orlando pareceu querer limitar os danos, ignorando durante todo o tempo que a bola havia batido primeiramente na mão do neerlandês e depois afanosamente apontando à tese do auto-golo, como se de um auto-golo fosse de esperar menos golo do que um golo marcado de outro modo, no que constituiu um raro momento de niilismo televisivo, que o pobre do Carlos Brito ainda procurou refrear, caracterizado por uma visão céptica e pessimista em relação à realidade como (quase) todos a vimos. [Pensando bem, se o estilhaço de uma explosão cósmica levou 100 milhões de anos até atingir a Terra (Yucatán) e extinguir os dinossauros, por que não pode o Rui Orlando demorar 90 minutos a perceber o que é um ricochete? Pode, claro.] 

 

O jogo também me marcou pela novidade de o ter visto na companhia de um amigo benfiquista. Tratou-se de uma experiência única e enriquecedora, na medida em que me trouxe outro ponto de vista sobre o jogo. Passo a explicar: enquanto eu procurava a acção no campo, o meu amigo entretinha-se com uma espécie de "Onde está o Wally?", tentando identificar o Boaventura no túnel, numa esquina, junto ao balneário, enfim um pouco por todo o lado, manifestando-se por fim muito surpreendido e triste pelo facto de não ter conseguido ver um filantropo assim em Moreira de Cónegos. Em contraste, estava eu centrado no meu ponto de vista quando o Geny foi por ali fora e soltou para o Trincão no tempo certo. Este deixou correr a bola até à linha e depois fê-la filantropicamente bolinar na direcção do Pote. Seguiu-se o habitual passe à baliza e estava feito o dois a zero. [Brincadeirinha minha, que o meu amigo é um tipo às direitas.]

 

Se Amorim é grande adepto de Guardiola, as semelhanças do futebol do Sporting com as ideias de Klopp não deixam de ser reais. No Gegenpressing (Gyokeres, Morita, Hjulmand e Nuno Santos foram extraordinários), na transição rápida, na energia contagiante com que os jogadores estão em campo, como se a equipa fosse uma banda de heavy-metal itenerante. Todavia, por contraste, já se sabe que dos metaleiros se podem esperar as mais belas baladas, pelo que nos são dadas a ver nuances da mais pura filigrana. Como as que apresenta o Kaiser Quaresma, um defesa com pés de bailarino clássico, destreza de ilusionista e espírito de aventureiro, novamente em destaque em Moreira de Cónegos. Para não falar em Pote e na sua delicada execução do já famoso passe à baliza, Art-Deco do melhor que já se viu por cá. Pensei nisto tudo enquanto decorria o intervalo... No segundo tempo, o Sporting manteve a pressão sobre o Moreirense. Embora menos concludente no que fazer com ela, a equipa soube não conceder espaços aos minhotos. De tal forma que a única oportunidade de golo do Moreirense ocorreu já nos descontos, um ar de graça final depois de um jogo inteiro de privações. Como o último suspiro de um moribundo. [Seguimos jogo a jogo, se a Polícia deixar.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pote

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16
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

Sintético a dobrar


Pedro Azevedo

Caro Leitor, isto de ser analítico a comentar o sintético já de si é uma contradição nos termos. Acresce que sintético não foi só o relvado, artificial. Não, sintético foi também o Rúben Amorim na dosagem de esforço dos mais utilizados, gerindo a condição física dos jogadores e simultaneamente a disposição anímica do balneário. Doravante, socorramo-nos então do dobro do sintético para nos aproximarmos de algo que se assemelhe a uma análise, substituindo a relva e o Amorim por Kant e Hegel em busca de uma síntese filosófica que explique o que se passou ontem em Berna.

 

A síntese filosófica é um processo que deriva do simples para o composto, do elemento para o todo, das causas para as consequências, com o objectivo último de defender uma ideia através da argumentação. Como tal, comecemos pelo mais simples, o elemento, o jogador: Coates e Paulinho foram poupados a um piso demolidor para as articulações e ficaram em Lisboa. Trincão, que pegou de estaca e muito tem jogado (e jogado muito, também) desde que o novo ano brotou, e Morita, em acção recente na Taça de Ásia, não iniciaram o jogo por gestão da sua condição física. Se estas foram as causas, tudo isto conjugado deu a oportunidade a Edwards, Bragança, Matheus Reis e, mais tarde, aos estreantes Nel e Koba de jogarem, solidificando a união do balneário, pelo que a única consequência negativa para o todo (a equipa) foi um desempenho menos bom do nosso meio-campo. Tratou-se de um risco, creio que calculado, que o nosso treinador assumiu correr, mas a verdade é que a dupla Bragança-Hjulmand não funcionou, não conseguindo controlar os tempos de jogo e dando demasiado espaço (por vezes, avenidas) aos nossos adversários no miolo do terreno. Então, o que nos valeu? Bom, desde logo a excelente acção dos nossos 3 centrais, em especial de Eduardo Quaresma e de Gonçalo Inácio, que numas vezes deram o corpo ao manifesto e noutras fizeram valer a antecipação para evitarem males maiores. E depois a acção de Edwards e de Gyokeres na frente (Pote esteve muito activo, mas desinspirado na definição), que puserem sempre em sentido as pretensões helvéticas de avançar mais as suas linhas, com o "plus" do sueco ter arrancado desde cedo um cartão amarelo ao seu marcador directo (quando mais tarde ficámos a jogar contra 10, senti-me um voyeur a espreitar o que é jogar como o Benfica), ele que foi carregado à margem das leis tantas vezes quantas as que ousou transformar a defesa do Young Boys num queijo suíço. [Emmental (que até é de Berna), meu caro Watson.] 

 

No fim, gerindo até ao limite (os nossos dois melhores jogadores, Gyokeres e Pote, foram descansar com um quarto de hora mais descontos por cumprir), Amorim venceu a triplicar: o jogo, a condição física dos jogadores e o balneário. Especulou e foi feliz, que o controlo esteve à beira de se descontrolar em momentos como o do "frango" de Adán ou dos golos anulados ao Young Boys e o golo inaugural do jogo foi na realidade um auto-golo. Não que o Sporting não fosse muito superior aos suiços, mas porque Amorim quis ganhar em Berna a pensar em Moreira de Cónegos. Legítimo, evidentemente, mas não necessariamente sinónimo de uma menor ambição europeia, espera-se. Pelo menos a fazer fé no lema do nosso fundador: "TÃO GRANDES COMO OS MAIORES DA EUROPA". 

 

Um dia, num treino do Varzim, o Joaquim Meirim, que tinha tanto de filósofo como de psicólogo e louco, disse a um guarda-redes espanhol que lá treinava, Jose Luis de seu nome, que era o melhor da Europa. Quando este então o inquiriu sobre a razão por que não jogava, Meirim respondeu-lhe que o Benje era o melhor do Mundo. O Sporting pode até ganhar a Liga Europa, mas a condição de melhor equipa da Europa paradoxalmente não lhe garante o título máximo doméstico. Por isso há que fazer pela vida, externa e internamente. E ser objectivo, que é como quem diz, sintético. Serve como análise? (Deu para "dobrar" os suiços.)

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma. Edwards, Inácio e Gyokeres estiveram em bom plano. 

P.S. (Sobre o excesso de futebol nas televisões.) À hora a que termino esta crónica está a começar mais um jogo no 11, canal sempre na vanguarda da promoção do futebol exótico. Parece que é em casa (casota?) do São Bernardo. Não ouvi o adversário, mas suspeito que seja o Pastor Alemão. Ou então o Serra da Estrela, o que daria um belo clássico de montanha.

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12
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

Muita largura de banda e mobilidade 5G


Pedro Azevedo

O Braga é uma equipa que futebolisticamente foi montada da frente para trás, o que na construção, sector caro para o seu presidente (e possivelmente caríssimo para os credores da Britalar), significa edificar uma casa pelo telhado, sem fundações. Improvisando, Artur Jorge procurou limitar o prejuízo ao colocar 2 ou 3 pilares como escora a fim de evitar que o furacão Gyokeres soprasse e o tecto ao cair lhe reabrisse a moleirinha já fechada em bebé. Ora, já diz o povo na sua infinita sabedoria, quando a manta é curta, tapa-se a cabeça e descobrem-se os pés. E o Braga, ao proteger-se da acção superior de Gyokeres, ficou exposto à intensa ventania produzida pela restante equipa do Sporting que lhe escancarou o hall de entrada. Na verdade, foi um suicídio, como nos livros do Ásterix quando o chefe dos piratas afunda o navio só para não sofrer com a abordagem do Óbelix. É que o Gyokeres parece ter caído no caldeirão da poção mágica em pequenino, tal a sua potência, e o medo que inspira nos adversários ficou bem expresso na forma como mobilizou a atenção do treinador dos bracarenses, dando razão a John Locke quando disse que "as acções dos homens são as melhores intérpretes dos seus pensamentos". Pelo que, sagaz e consciente, o Artur Jorge, na preparação do jogo, perante a inevitabilidade da derrota, escolheu a forma como quis perder. Deixando assim o aviso à navegação, restando tentar entender de que forma quererão os treinadores nossos adversários perder no futuro: se fazendo brilhar o colectivo do Sporting ou se promovendo mais uma epopeia do nosso deus sueco. A mim, dá-me igual.

 

Com o Artur Jorge em modo de "onde vai o Gyokeres, vão todos" - ainda assim o todo não chegou para impedir que o sueco marcasse o 27º golo da época -, não houve grandes obstáculos às transmissões de bola entre os restantes jogadores. Porém, a vitória leonina só começou a consolidar-se através de uma pressão fortíssima sobre o portador da bola, estratégia que viria a resultar no primeiro golo, marcado pelo Trincão. Depois, o Quaresma imitou o Beckenbauer ou o Baresi e foi campo adentro, começando por fintar dois bracarenses com a maestria de um extremo. continuando a tebelar com o Trincão como se de um médio se tratasse e terminando a cheirar uma bola perdida com o instinto de um matador - um hat-trick de predicados num único golo! Para o segundo tempo o Amorim decidiu esperar pelo Braga. Longa se tornou a espera: o resultado foi que durante longos minutos viu-se Braga por um canudo, que o medo dos minhotos de destapar as costas se sobrepôs à ambição de ser feliz. Como eles não vinham com tudo, houve algum adormecimento dos nossos. Até que numa bola parada o Adán mostrou que não era um holograma a fazer figura de corpo presente. E depois o Álvaro Djaló desperdiçou a única grande oportunidade dos bracarenses no jogo. Tal teve o condão de despertar os leões da letargia, voltando ao ataque. Logo, o Quaresma descobriu o Trincão na ala direita. Este flectiu para dentro e levantou por cima da defesa. O Gyokeres agradeceu a liberdade condicional ou saída precária e atirou à meia-volta sobre o Matheus. De seguida, o Pote serviu o Bragança para o quarto. E ainda houve tempo para um bonito golo de trivela do "Puskas" Santos que passou o risco de baliza do Braga antes que o seu guarda-redes se mexesse. 

 

Com muita largura de banda dada por Nuno Santos e o Geny(o) Catamo, o Sporting conseguiu uma mobilidade 5G (cinco golos) que facilitou as comunicações de Trincão, Quaresma, Gyokeres, Bragança e Nuno Santos com a baliza do Braga. Entretanto, no outro jogo que fez parte da cimeira de Domingo entre Lisboa e o Minho, o Benfica empatou em Guimarães. Ainda que contra 10, como é impositivo nos jogos que envolvem a equipa da águia. [Tal como as Top Models dos anos 80, que não saíam da cama se o cachet não atingisse um determinado faraónico valor, enquanto a todas as outros equipas do campeonato se aplicam as regras do jogo, aos benfiquistas são concedidas "rules of engagement" sem as quais nem pensem que eles ousam meter os pés num relvado. É o Benfica, o glorioso, o PIB e coiso, pá!] 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma. Trincão seria a minha alternativa. 

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08
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Estádio Policial e os Calcanhares de Aquiles


Pedro Azevedo

O jogo de futebol era muito simples na minha meninice: num rectângulo, nem sempre relvado, dispunham-se duas equipas de 11 jogadores, 1 trio de árbitros, duas balizas e uma bola. À medida que fui crescendo, adicionou-se complexidade: o nº de jogadores, de balizas e de bolas curiosamente permaneceu o mesmo, contudo a equipa de arbitragem foi aumentando, primeiro com o 4º árbitro, depois com VAR, AVAR, técnicos especializados, cabos hertzianos, equipamentos vídeo e uma roulotte anormalmente não nómada porque sita na Cidade do Futebol. Até que na semana passada me dei conta de que, em Portugal, o XV da Polícia também ia a jogo. Ou, mais precisamente, que quando o XV não quiser, não haverá jogo. Conclusão: o futebol português vive num excesso de "Estádio Policial". [Um dia o ladrão, sindicalizado, entrará em greve por falta de condições de trabalho e todos acharão bem que lute pelos seus direitos e lhe sejam facultadas melhores condições. Até que, com tanto respeito pelos direitos de todos, no fundo nada nem ninguém no país será respeitado, sendo esse o calcanhar de Aquiles de um mal (perda de autoridade do Estado) sem direito a protesto.]

 

 

Aquiles era filho de Peleu, o rei dos mermidões (Tessália). Um dia, sua mãe, Tétis, banhou-o no rio Estige a fim de torná-lo imortal. Só que ao segurá-lo pelo calcanhar, este ficou vulnerável. Em consequência, morreu na Guerra de Tróia após uma flecha disparada por Páris lhe ter acertado no calcanhar. Gyokeres tem a mesma pinta de guerreiro mítico, tanto que muitas vezes é comparado a Thor, o filho do deus nórdico Odin. A sua vulnerabilidade era o jogo de cabeça, dizia-se, mas ontem marcou 2 golos com a testa que mostram que o sueco está gradualmente a transformar essa fraqueza numa força. Pelo que tendo nós o nossa Tróia, que curiosamente se situa na mesma península (de Setúbal) que Alcochete e o Seixal, para o futuro cresceu a esperança de que esse calcanhar de Aquiles não se venha a tornar mortal às nossas aspirações ao triunfo nesta "Guerra  Peninsular" que se perspectiva até ao final da temporada. 

 

 

O Sporting ganhou ao União de Leiria por três bolas a zero. Desses três golos, o Gyokeres marcou 2 e assistiu em outro. Mas não ficou satisfeito. Pelo menos a avaliar pelos seu protestos para com o árbitro na sequência deste só ter dado 1 minuto de desconto e assim violado o seu direito de correr mais e de tentar obter um hat-trick. Com trabalhadores destes, arriscamo-nos a ganhar sempre o próximo jogo. Ou o outro a seguir, se a Polícia não deixar fazer o primeiro. (Vamos jogo-a-jogo que a Polícia deixar fazer.)

 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres. (Pote muito bem, Hjulmand idem e Quaresma também. Nuno Santos esteve em 2 golos e Morita regressou ao seu nível.)

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04
Fev24

Tudo ao molho e fé em Deus

O jogo de uma crónica adiada


Pedro Azevedo

O período de aquecimento antes dos jogos serve o propósito de as equipas desentorpecerem os músculos. As equipas da PSP e da GNR falharam o aquecimento. Em consequência, o cassetete ("casse-tête") não trabalhou os abdominais. Sem ameaça de cassetete das autoridades a dobrar por perto, os adeptos mais radicais fizeram o seu próprio aquecimento. Nesse transe, a pedra substituiu a bola perante o delírio de uns ultras que nestas ocasiões ficam sempre de cabeça a andar à nora. Partiram-se cabeças, havendo até traumatismos cranianos a registar para desenjoar do insustentável traumatismo ucraniano causado pela ofensiva imperial russa. A polícia não entrou em campo, não luziu o seu crachá, contribuindo assim para o estado de sítio em Famalicão. Reforços provenientes do Porto foram aguardados como quem espera por Godot. Clínicos gerais e psiquiatras desdobraram-se a passar baixas médicas a agentes das forças de segurança que deveriam ter estado em Famalicão, sem que tal movesse qualquer comunicado ou inquérito por parte da Ordem dos Médicos. O MAI imitou os Trabalhadores do Comércio: "Chamem a Polícia, que eu não pago". No fim, o Sporting não jogou. Depois da greve dos árbitros no final dos anos 90, do amuo de televisão e rádios nos 80s, agora o boicote informal da polícia... (Se um dia a Associação de Adeptos do Futebol decidir por um protesto, já sabemos com quem tomarão uma posição. O mesmo será válido para stewards, apanha-bolas, etc, não sendo de descurar a possibilidade de a própria cal que limita o campo se encantar e tomar uma posição contrária aos interesses do Sporting.)

 

Entretanto, à hora marcada, enquanto colegas seus mantiveram a baixa para Famalicão, agentes de segurança estiveram em alta no Dragão para a recepção do Porto ao Rio Ave, que o respeitinho é muito bonito e até uma associação sindical que insiste em negligenciar a imagem de perda de autoridade por parte dos seus profissionais sabe que não pode ultrapassar certos limites. Ironicamente, a autoridade mostrada em campo pelos pupilos de Sérgio Conceição foi do mesmo nível da das forças da autoridade, e os vilacondenses roubaram 2 pontos aos portistas sem que ninguém os levasse presos. E assim terminou um jogo (táctico, de pressão, influência e poder) cuja crónica ficará adiada para um outro tempo, no mínimo até após o Benfica passar para primeiro à condição. (O título de "Crónica de um jogo adiado" perpassou-me as sinapses, mas não reflectiria tão bem a realidade ontem vivenciada.)

 

O estado a que isto chegou... Ou melhor, o Estado a que isto chegou...

 

Tenor "Tudo ao molho...": A Polícia Judiciária 

 

P.S. O Benfica conseguiu finalmente ser líder. O PIB irá subir (mesmo em contra-ciclo) e já se poderá pagar melhor à Polícia. Tudo na santa paz do Senhor, portanto...

 

P.S.2 Já se sabia que o futebol português eram 11 contra 10 e no final ganhava o Benfica. O que não se sabia é que era também 20 contra 19 (jornadas) e no fim o líder é o... Benfica. 

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30
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

Levantados do chão (com molas)


Pedro Azevedo

Quem me lê há algum tempo sabe que a minha primeira recordação do Sporting é de um jogo no José Alvalade contra o Oriental que ganhámos por 8-0 (5-0 ao intervalo), em que o Yazalde (meu primeiro ídolo) marcou 5 golos a um guarda-redes da equipa de Marvila chamado Azevedo (sim, por coincidências da vida, houve um homónimo a encaixar oito bolas associado à minha primeira memória futebolística e do Sporting). Esse jogo vivi-o pela telefonia, que ainda não tinha idade para ir ao futebol, pelo que o que começou numa onda média (da rádio) só se transformou verdadeiramente num tsunami (de emoções) quando entrei no nosso estádio pela primeira vez (5-1 ao Porto, época de 75/76). Pois bem, quis o sortilégio que ontem, data do meu aniversário, o Sporting me brindasse com um presente de dimensão em tudo igual à do supracitado jogo de 73/74, evocando-me, 50 anos depois, a memória dessa onda (verde) em crescendo. Uma obra também do Gyokerismo, a doutrina que o sueco trouxe para Portugal e que a todos no Sporting parece estar a tomar de encantamento. 

 

Se existe o paradigma de um novo normal em Alvalade que se pode associar a Gyokeres, outras coisas há que são cíclicas. Como o central de lança Coates, o nosso capitão, que ontem reapareceu para desbloquear o marcador e tornar fácil aquilo que de outro modo poderia ter-se complicado. Aberta a rolha do champagne, no refluxo o Pote recebeu um passe de ruptura (magnífico) do Inácio, isolou-se na meia esquerda e serviu em bandeja de prata o Gyokeres para o segundo. Depois, o Hjulmand desmarcou o Pote e este deu uma raquetada na bola que passou o guarda-redes. Seguiu-se um momento de Gyokeres que fez lembrar uma jogada do Eusébio contra a Coreia do Norte, tal a demonstração de técnica, força e velocidade. Como no Mundial de 66, a coisa acabou em penálti, que convertido (pois claro!) pelo próprio daria o quarto da noite. Destaque para o túnel prévio escavado por Nuno Santos que fez desabar por completo as pretensões dos Gansos. E antes do intervalo ainda houve mais um golo, com o Trincão a mostrar que estes são como o ketchup e a chutar com o pé mais à mão (o direito), depois do Edwards ter fintado dois dentro de uma cabine telefónica antes de chocar com a porta de saída. 

 

Com cinco golos de vantagem, terá havido quem pensasse que no segundo tempo o Sporting tiraria o pé do acelerador. Mas não, a equipa queria vingar a derrota na Taça da Liga e emitir um "statement" destinado à concorrência, pelo que não abrandou. (Não sei se o Amorim será milagreiro, mas não se via uma recuperação assim desde que Jesus ordenou a Lázaro que se levantasse e andasse.)

 

Levantado do chão, com molas, o Sporting continuou a procurar a baliza do Casa Pia. Nesse sentido, o Geny entrou para alargar a margem. Sábio, o Rúben lançou também o Paulinho. Mas aí o motivo foi a contenção dos danos infligidos aos casapianos, que o Coates e o Trincão estavam imparáveis e era preciso evitar a todo o custo que o Sporting atingisse o duplo digito e com isso ficasse na lua e pudesse não voltar a assentar os pés em terra firme. A missão era difícil, desde logo porque o Gyokeres fumegava que nem um touro enraivecido e não parava de correr. A solução foi começar a lançar o Paulinho em profundidade ou solicitar a sua comparência ao primeiro poste para encostar, tudo coisas que no fundo não favorecem o seu associativismo. Pelo que a custo lá ficámos nos 8, o número da sorte para os chineses, o infinito ali de lado, que de infinitas possibilidades se fazem os sonhos em que tudo é possível. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

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24
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

Eficiência vs Eficácia


Pedro Azevedo

Para quem se preocupa com o rendimento, o jogo de ontem do Sporting mostrou a diferença entre a eficiência e a eficácia. Quer dizer, o Sporting foi eficiente, na medida em que com os recursos disponíveis - havia jogadores importantes na dinâmica da equipa ausentes pela participação nas taças da Ásia e de África - conseguiu dominar o jogo e ter as melhores oportunidades. Mas não concretizou essas oportunidades, e nessa medida não foi eficaz. Depois, há quem analise o jogo do ponto de vista etéreo. Por exemplo, para as "viúvas" do Paulinho, a sua exclusão do onze inicial teve como consequência a derrota, ainda que tenha tido 23 minutos (mais 4 de descontos) para fazer a diferença e nem sequer se tenha dado por ele. São os mesmos que agora desenvolvem a teoria de que o Gyokeres beneficia muito da presença do Paulinho, quando o sueco tem tantos golos marcados (11) com o português em campo como fora dele (já a influência positiva de Gyokeres no rendimento de Paulinho é visível pelos 9 golos que o português marcou com o sueco em campo, contra apenas 4, dois deles com o Dumiense, sem ele presente). E, finalmente, há ainda os amantes do esoterismo, os supersticiosos: para eles, o Sporting foi também vítima da evolução do jogo, ou melhor, da evolução das infraestruturas adjacentes ao jogo: no futebol de antigamente, três pancadinhas na madeira teriam dado sorte; na era do pós-revolução industrial e dos postes metálicos, malhar três vezes no ferro produziu um manifesto azar. São os mesmíssimos que acham que os eventos do Esgaio não dar andamento pela faixa direita e lhe ter parado o cérebro no golo do Braga estão relacionados com uma tremenda falta de sorte ou com uma intervenção nefasta do bruxo Nhaga. 

 

A ideia da sorte ou azar num qualquer tipo de jogo não é totalmente descabida. Diria até que a sorte e o azar fazem parte do jogo. Todavia, aquilo a que chamamos de sorte acontece mais quando a oportunidade certa encontra a preparação correcta, e ontem mesmo os espíritos preparados não conseguiram concretizar as oportunidades que tiveram (bolas a rasar os postes, de Pote, Gyokeres e Quaresma). Pelo que as melhores oportunidades (as bolas nos postes) surgiram mais de boa preparação (remates colocados, de longe) do que de situações reais em que um jogador aparece isolado em frente ao guarda-redes. Ou seja, nessas circunstâncias, foi mais a boa preparação do jogador que criou a oportunidade e não a oportunidade criada pela dinâmica da equipa que esperou a preparação certa. E quando a dinâmica da equipa criou a oportunidade, a bola saiu ao lado. Depois, após sofrido o golo, a equipa perdeu o tino, por quebra anímica ou substituições que não produziram efeito, mostrando-se impreparada para a situação e não vendo na ameaça a oportunidade de fazer algo épico como dar a volta ao jogo. 

 

De lado ficaram também as aspirações do Sporting de vencer a Taça da Liga, falhando assim o primeiro objectivo da época. Sendo esta claramente a competição menos importante daquelas em que estamos inseridos, tal não será muito grave. Gravíssimo seria a equipa desmoralizar e os adeptos desmobilizarem, porque há ainda coisas muito importantes para ganhar esta temporada. Como o Campeonato, a Taça de Portugal e mesmo a Liga Europa, esta última uma prova que o Sporting precisa de encarar com uma ambição condizente com o lema do seu fundador. Num certo sentido, esta derrota até se poderá traduzir em algo positivo, capaz de se vir a reflectir em muitas vitórias futuras. É, todavia, imperial que se aprenda com os erros e se corrija o que está mal. Porque não podemos ter uma ala direita coxa, que não dê andamento atacante e comprometa defensivamente. Pelo que ou se vai ao mercado, ou se adapta St Juste, Quaresma ou mesmo o Afonso ali, como está é que não se pode manter (o Geny deveria ser mais uma solução como interior, ou extremo num 4-2-3-1 com, por exemplo, Quaresma a fazer de lateral). Se tal acontecer, então poder-se-á esperar sermos ainda mais eficientes, melhorando ainda mais as tarefas desempenhadas pelos recursos disponíveis ao disponibilizar melhores recursos para o processo. E sendo ainda mais eficientes, estaremos mais perto de ganhar. Porque mais oportunidades surgirão. E os golos também, por mais ou menos eficácia que haja. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Eduardo Quaresma (Nuno Santos, que fez um jogo de raça, à leão, seria a minha 2ª opção). O nosso central esteve simplesmente magnífico, mostrando a sua refinada técnica (ser bom na roleta num jogo de sorte ou azar é sempre uma mais-valia) e impressionante velocidade. 

nuno santos braga.jpg

19
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

O Fantasma da Oprah


Pedro Azevedo

Caro Leitor, a noite passada tive uma branca (e verde), um momento digno dos contos do imprevisto, uma visão paranormal e hitchcockiana imprimida no meu cérebro ao jeito de um quadro de Dali (havia também pelo menos um rinoceronte que levava tudo à frente) que me transportou para uma janela nas minhas sinapses que eu julgava estar calafetada e subitamente se abriu. Pelo que não sei se sonhei, se estava acordado, ou até se sonhei acordado, mas juro que vi o Bryan Ruiz em Vizela. Sim, só podia ser ele, pois na minha memória recordo ainda aquele remate de baliza aberta em que a bola não entrou, reminiscência de um outro mais antigo atribuído a ele que ainda hoje me causa pesadelos. Agora, se era o Ruiz em carne e osso não sei, a mim pareceu-me mais o fantasma do Bryan. Mas também há que dizer que há fragmentos da primeira parte para mim confusos, tanto que por causa do Esgaio estivemos a Soro e só mesmo nas urgências se começou a resolver o problema. De forma que quando voltei a olhar para o ecrã já não vi mais o Ruiz, era o Gyokeres que eu conheço que estava a marcar um grande golo e a festejar de máscara. Um golo em forma de swing, que abriu novas perspectivas, tal como uma boa tacada de abertura de um buraco por parte de um golfista. [A alusão ao golfe aqui não é dispicienda, porque o que Gyokeres rodou o seu corpo nesse lance teria sido de fazer inveja ao Tiger Woods que conhecemos antes das múltiplas operações às hérnias discais e à ciática, handicap que dizem as más linguas ter sido provocado por múltiplos embates com mulheres de grau de dificuldade (sinuosidade) superior ao par do campo.]

 

Estava eu ainda a recompor-me daqueles achaques do primeiro tempo que alimentariam um bom programa da Oprah (Winfrey) quando o Gyokeres assustou o guarda-redes do Vizela. Diz-se do medo que este é paralisante, e o pobre do Buntic provou-o ao ficar quedo perante a iminência da aproximação do colosso sueco. O resultado foi que a bola entrou directa, impelida por um renascido Trincão. O mesmo que pouco depois serviu Paulinho na perfeição para o terceiro. (Pausa para checar a pulsação, para ver se era mesmo verdade aquilo que os meus olhos diziam e a razão não queria acreditar.) Após este último golo veio uma quebra de adrenalina. O Amorim também descomprimiu e tirou o Hjulmand do relvado antes que este fosse expulso. Não que este receio encontrasse lógica na acção do jogador, mas devido à habilidosa dualidade de criterios do árbitro. Um árbitro que no entanto se mostrou particularmente judicioso no que respeita a Gyokeres, sempre preocupado em testar os seus sinais vitais após cada novo embate com Anderson, um defesa abençoado pelos deuses do apito ao ponto de ter permanecido em campo os 90 minutos. Até que o Essende lá fez umas das suas diagonais, o Quaresma (mais um grande jogo!!!) desta vez não estava por perto para fazer de SOS e o Coates ficou a pedir uma falta de pernas e a ver a bola entrar na nossa baliza. Logo se reavivaram os fantasmas do passado, as perdidas do Ruiz e a derrota no União da Madeira, um bate-boca com o consócio ao lado sobre o vício do desperdício e os porquês da saída do dinamarquês e assim. Foi curto porém esse revivalismo, porque o nosso capitão foi à área contrária mostrar que o que não lhe falta é cabeça e voltou a alargar a nossa vantagem. E depois o Gyokeres mandou mais uma pedrada e igualou o seu melhor registo goleador no Coventry, quando ainda vamos a meio da temporada. 

 

Cinco golos marcados, 3 anulados (2 a Gyokeres e 1 a Paulinho) e inúmeros falhados depois (mais uns tantos penaltis a favor por assinalar) - além do supramencionado, aquele em que o Pote se isola, hesita em chutar e falha o passe para o Gyokeres é também digno daqueles apanhados de fim de ano - , o Sporting segue líder do campeonato. Com o Gyokeres individualmente em grande evidência mas também muito importante pelo efeito de contágio que anima a própria equipa. É que com o Gyokeres em campo os adversários concentram-se nele e abrem espaços para os demais. Além de que com a sua atitude e comprometimento aumentou o nível de exigência para todos os outros, colocando a fasquia muito alta e projectando assim o Sporting para outros vôos. Porque com o Gyokeres veio também o Gyokerismo, uma nova doutrina que seria importante para o futuro que fizesse escola em Alcochete. Isso, sim, seria holístico. [E mais produtivo do que os habituais desabafos desiludidos de sofá (da Oprah) à conta de fantasmas do passado.]

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

gyokeres vizela 2.jpg

14
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

A Revolta dos Patinhos Feios


Pedro Azevedo

Contra uma chuva persistente, que misturada com o calcário (carbonato de cálcio) que envolveu o jogo - a cal que limitava as linhas, misturada com o dióxido de carbono libertado na respiração dos jogadores - precipitava estalactites nos narizes dos jogadores, o frio siberiano e um terreno em condições quase ideais para a prática do cultivo de bivalves, o Sporting saiu de Chaves com os 3 pontos. Como é habitual nestes jogos com equipas ditas pequenas e estava em plena conformidade com o nome da cidade representada pelo clube em questão, o nosso adversário começou por se encerrar a 7 Chaves, recorrendo para tal a fechaduras, trancas, trincos e cadeados a fim de bloquear o acesso ao seu cofre-forte, não dispensando ainda interpor o autocarro (Steven) Vitória, que logo de início apanhou com duas boladas consecutivas à laia de tentativa de arrombamento. Só que o Sporting, a despeito do glorioso porco bísaro da região, desde cedo mostrou que não estava em Chaves para serrar presunto e insistiu em atacar. Até que logrou obter um primeiro golo, numa jogada típica de Harpastum, misto de pé e mão, um jogo precursor do futebol que chegou a Chaves ("Aquae Flaviae") e aí pelos vistos criou raizes por via dos romanos no tempo do imperador Vespasiano (Séc. I), césar que sucedeu a Nero e que com o jogo e a ideia de construção do Coliseu em Roma pretendeu entreter as suas tropas e o povo após um período marcado pela loucura e por um impasse de poder e guerras de sucessão. O marcador do golo foi o Paulinho, um homem apropriadamente habituado a atravessar o Rubicão (de criticas) e outros cursos em que costuma meter água.

 

Na TV insistiam que se tratava de um jogo de futebol, ainda que provavelmente só se chegasse a essa conclusão por negação de todas outras hipóteses relacionadas com diferentes desportos: não era curling, porque o objecto do jogo não deslizava; não era andebol porque a "basculação" se tornava impossível, o que muito terá desgostado o comentador Freitas Lobo (que basculou em floreado para outras bandas); não era basquetebol porque não havia cesto, embora naquele lodaçal as possibilidades de afundanço fossem imensas; não era hóquei, por muito que houvesse quem patinasse; não era rugby, futebol americano ou luta livre, ainda que contra Gyokeres pareça valer tudo menos tirar olhos. Pelo que o jogo foi uma coisa em forma de assim, como diria o O'Neill e constatou o João Correia quando atrasou a bola ao seu guarda-redes e a viu ficar presa na relva e à mercê de um isolado Pote. Mais uma vez, como aliás aconteceria amiúde durante a partida, Hugo Souza lá estava para atrasar o inevitável...

 

O segundo tempo começou logo com mais 2 golos: o relvado todo molhado ficou apropriado para a navegabilidade de outros 2 patinhos feios desta temporada, o Trincão (lindo golo) e o Pote, agora branquinhos (equipamento) que nem cisnes. Pelo que o resto do jogo se pode resumir a uma cruzada de Gyokeres na busca do golo, ora travada pelo guarda-redes, ora detida pelo estado do relvado, esforço infrutífero que resultou num ensinamento do tipo do Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira, em que foi censurado o vício (de golo) do colonizador em face dos direitos dos desprotegidos autóctones. Solidário, o Luís Godinho logo lhe deu um amarelo para o acalmar, ainda que não se vislumbrasse razão válida para tal que não fosse um(a) Baia que se formou nesse mar rodeado por relva e terra que se opunha a um cabo (no caso, da escola de praças do Regimento de Infantaria 19, sito ali ao pé).  

 

E assim terminou um jogo em que as chaves que desbloquearam o cofre flaviense não vieram do Areeiro mas sim de Braga. Abrindo assim antecipadamente uma vantagem sobre os nossos adversários directos que se hoje não for atenuada só pode ser vista mesmo por um "canudo" (telescópio), prática a que, por exemplo, os bracarenses já estão habituados a partir do Bom Jesus. 

 

Tenor "Tudo ao molho...": Pedro Gonçalves

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10
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

Jogar à sueca


Pedro Azevedo

Um jogo de Taça entre um grande e um pequeno dá sempre uma oportunidade a este último de jogar a cartada do tomba-gigantes. Nessa conformidade, o Tondela não quis ser uma carta fora do baralho e foi a jogo. Só que no "pano" verde de Alvalade agora joga-se à sueca e o Sporting tem sempre o Ás de trunfo. Acrescentar o Ás a outros trunfos importantes que o clube sempre teve, ajuda muito a que as vazas não terminam em "palha". E não terminando em "palha", vão-se somando pontos importantes para se ganharem campeonatos e outras competições. É preciso porém não olvidar que esse Às não deixa de ser um "Joker(es)", pelo que se o nosso adversário quiser especular com o jogo (Póquer) ou jogar as cartas todas que tem na mão (Canasta e Gin Rummy), as probabilidades continuarão a tombar para o nosso lado, havendo um "Joker(es)" que se pode fazer de qualquer outra carta para desempatar.  

 

Aquilo que mais impressiona no Gyokeres (chamemos-lhe assim), é mesmo a forma como substitui qualquer carta do baralho: que ele era um Ás na finalização, poucos teriam dúvidas, mas também é um rei, para os adeptos do Sporting, como foi rainha para os ingleses do Coventry. E um valete, ao serviço de Amorim. Ou uma manilha, quando acelera pela ala direita como um "7". E pinta com cada "sena"... Umas vezes vestindo traje de gala (terno), outras esfarrapando-se todo como se fosse a carta menos valiosa do baralho (duque). No fim, o adversário invariavelmente quina, pelo que sobre ele alguém ainda há-de escrever uma bela quadra. (Se quiserem que ele seja "8" ou "10", também se arranja, além de "9" como bem sabemos.)

 

Todavia, subsistiam ainda algumas dúvidas sobre o Gyokeres. É que por muito que se tenha algumas das melhores cartas do baralho, ainda assim os jogos ganham-se por vezes com a cabeça. Creio porém que desde ontem algumas dessas dúvidas se começaram a dissipar. "Ó Diacho!", dirão os seus adversários, pasmando-se ao vê-lo tanto correr, sem se esgotar ou lesionar. Pelo que se deverão sentir como os funcionários daquela Estação de Serviço retratada no célebre anúncio do Citroen Dyane: "E eu a vê-lo passar. Gasolina não precisa, oficina nem pensar!...". 

 

Não se esgotam porém em Gyokeres as boas notícias: ontem, o Pote voltou a atinar com o golo. Agora imaginem a cena: o Schmidt e o Conceição estavam à cata de Janeiro, a rasgarem os olhos à espreita da Taça da Ásia e com vontade de dançarem o CAN-can, e agora já não chegava aparecerem de repente todos viçosos o Bragança e o Quaresma, ainda o Pote desata a marcar e o Gyokeres até o faz de cabeça. Ganda melão, pá!!!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

gyokeres tondela.jpeg

09
Jan24

Tudo ao molho e fé em Deus

Gyokeres oxidou o Limão Mecânico


Pedro Azevedo

Se no cinema estamos habituados ao conceito de filmes de autor, realizados por visionários como Hitchcock, Tarantino, Scorsese, Almodóvar, Kurosawa, Godard ou Fellini que se destacam pela sua singularidade e inovação, no jogo da bola também existe o chamado futebol de autor, desenvolvido ao longo dos anos por revolucionários do jogo como Herbert Chapman, Helenio Herrera, Gusztáv Szebes, Rinus Michels, Johann Cruijff, Arrigo Sacchi ou Josep Guardiola. No futebol, o rótulo é atribuído a partir do momento em que se nota uma personalidade própria e muitas vezes disruptiva no trabalho do treinador. Porém, não só de equipas grandes se faz a história do futebol de autor, há também casos de sucesso que envolvem pequenos clubes que se tornam rapidamente de culto. Como a Atalanta, de Gasperini, ou o Brighton, de De Zerbi. Ou, em Portugal, o Estoril, de Vasco Seabra, com a conceptualização de um carrossel que se desenvolve a partir de um sistema base de 3-4-3. Dada a cor das camisolas, a escassez de recursos financeiros e a óbvia influência holandesa no seu jogo, para efeito desta crónica vou denominar o modelo canarinho como "O Limão Mecânico": Seabra baseou-se no princípio de que se a vida nos dá limões, então fazemos uma boa limonada. Assim, conseguiu reunir e potenciar um conjunto de muito razoáveis jogadores, adaptáveis ao seu sistema e modelo, que bem espremidos vêm batendo o pé aos Grandes, garantindo pontos e a admiração da comunidade futebolística em geral. O problema é que ontem o Estoril deparou-se com Gyokeres, o homem que veio do gelo. Com o contacto, o limão secou e a sua mecânica enferrujou, ou seja, Gyokeres oxidou o Limão Mecânico.  

 

Com o Belchior, o Baltasar e o Gaspar presos no trânsito caótico de uma sexta-feira ao fim da tarde na 2ª Circular, o Viktor desdobrou-se em vestir a pele de todos eles e de enfiada começou a distribuir presentes pela equipa, naquilo que foi o último ensaio geral para as festividades de um Dia de Reis comemorado à espanhola (ou não houvesse um dedo de Guardiola na forma como o Sporting joga e não deixa jogar o adversário). Como figurantes, os jogadores do Estoril, com defesas a atacar como avançados e avançados a organizar o jogo desde trás como se fossem defesas. Na antecâmara, a imprensa desportiva havia elogiado sobremaneira a melodia saída da imaginação do maestro e compositor Vasco Seabra, uma espécie de caixinha de música em forma de carrossel de Natal. Mais uma equipa de autor, mais um tremendo desafio para o Sporting de Ruben Amorim, dizia-se. No jogo, porém, a equipa da Linha não entoaria mais do que o som do silêncio ("Sound of Silence")... Para começar, o Gyokeres apareceu na esquerda, Pela frente, o Rodrigo Gomes, bom jogador e a última coqueluche do futebol nacional. Não demorou mais do que uns poucos segundos para que o Gyokeres desarticulasse o pobre do Rodrigo até entregar de presente ao Edwards. Não contente, o sueco passou para a direita. Recebe do Geny. Pela frente o Pedro Álvaro, já exaurido pelo sprint prévio. Faz que vai para dentro, mete por fora, o Pedro como se estivesse numa sauna, fora do caminho, e novo presente açucarado para o Edwards: 2-0 no marcador, os estorilistas foram apressadamente para o balneário à procura de um ortopedista que lhes voltasse a atarrachar as partes do corpo que se soltaram no relvado de Alvalade. Reinício do jogo e grande jogada de um apanha-bolas do Sporting: o miúdo repõe a bola rápida e sincronizadamente para o Gyokeres, que, acto contínuo, a lança à mão para o Nuno Santos. O remate ainda é deflectido, mas só para nas redes do Estoril. Mais um presente. De seguida, o Pote recupera a bola e avança. Tem dois adversários pela frente, mas o Gyokeres arrasta ambos numa diagonal e o Pote fica isolado e faz um daqueles célebres passes à baliza cujo resultado é o golo. Novo presente, ainda que indirecto. Depois, o sueco antecipa-se e serve Trincão. Novo golo, o suspeito do costume na assistência. Muita Parra e pouca uva depois, o pobre do Raul vê o Gyokeres passar como cão por vinha vindimada. O presente era, de novo, para o Edwards, mas um canarinho antecipa-se e o Geny na ressaca atira por cima. 

 

O resultado está mais ou menos feito. O Quaresma, grande exibição, salva o golo de honra do Estoril, substituindo-se ao Adán. Edwards e Geny isolam à vez o Gyokeres, mas o sueco está em noite de entregar presentes e não de desembrulhar os presentes dos outros como é seu timbre. Edwards ainda atira ao ferro, mais tarde Pote replicá-lo-á. Pelo meio, o Estoril marca: uma bola parada, que geralmente é defendida à zona. Mas o Sporting defende-a com zona, o que é uma outra coisa, infecção viral que afecta pele e corpo e contagia toda a equipa. Desta vez o portador é Paulinho, que assiste magistralmente um jogador do Estoril para golo - mais um triunfo do futebol associativo.

 

O jogo termina. Mais um teste vencido pelo Sporting de Ruben Amorim. Mais uma equipa com direitos de autor protegidos que não passou a sua musiquinha. Toda a gente conhece como o Sporting joga, poucos sabem como desmontar a forma como o Sporting joga. Da mesma forma que conhecimento é ter a noção de que o tomate é um fruto e  sabedoria é não misturá-lo numa salada de frutas. Compreender o Sporting é fácil. No papel tudo é lógico, tudo faz sentido: encaixam-se os nossos corredores num fecho-éclair, cava-se um dique para impedir a passagem da bola entre os centrais e os médios... Mas depois a bola entra directa no Gyokeres e este mostra ter a intuição que derruba qualquer lógica. Enquanto os outros pensam, ele acredita. E nós, também!!!

 

Feliz Dia de Reis!!!

 

P.S. Já toda a gente sabe que o Edwards é um bocadinho como o Sitting Bull: dentro do campo é um guerreiro a atacar, mas fora dele é sossegado, não fala, apenas murmura, pelo que é mais ou menos indiferente a língua em que lhe façam as perguntas. Sugestionado por isso, o jornalista da SportTV inventou um novo dialecto. Não havia necessidade, mas acabou por ser um momento televisivo "importanting"...

 

Tenor "Tudo ao molho...": Viktor Gyokeres

31
Dez23

Tudo ao molho e fé em Deus

Da Profundidade e da Altura


Pedro Azevedo

O futebol é um jogo que se disputa sobre, e não sob, um rectângulo. Ora, num rectângulo há comprimento e largura. E existe ainda uma terceira dimensão medida pela altura, porque o futebol joga-se com uma bola e esta circula tanto à flor da relva como pelo ar. Porém, o "futebolês" gosta de complicar e então inventou um novo conceito de "profundidade". Falar de profundidade é bem, parece até ser erudito e mostrar conhecimento do jogo, especialmente quando acompanhado pela basculação, outra patacoada empregue para comparar o levantamento de uma extremidade e concomitante abaixamento de outra com a mudança de sentido de jogo num campo de futebol onde não há relevo (talvez se justificasse nos campos de treino que Portugal usou em Saltillo). Toca então de a "ensinar" naqueles cursos magníficos de que aquele senhor com nome de gigantone ou cabeçudo das festas e romarias de Portugal tanto se orgulha (o nosso Rúben era o máximo quando não tinha nivel ou só o nível 2). De tal forma que já ninguém se interroga, o que é a reacção típica do povo a qualquer bacorada quando esta é dita com a maior eloquência. Tudo bem, antes tivemos por cá grandes craques do futebol ultramarino, venha então o futebol submarino, que estes "futeboleses" a inventar são dignos do Nemo, do Náutilus e das 20.000 Léguas do Júlio Verne. 

 

Se num campo de futebol não existe essa coisa da profundidade, não deixa de ser relevante a questão da altura. Nos manuais de estratégia militar aprende-se que quando a infantaria não progride, a cavalaria não flanqueia e a artilharia não vislumbra o alvo ao nível do solo, então é preciso bombardear com os meios aéreos disponíveis. Se isso é verdade para as forças armadas, também é real num jogo de futebol: em encontros como o de Portimão, em que o adversário se fecha todo cá atrás e não deixa espaço nas costas para lançar o Gyokeres, é fundamental haver avançados com bom jogo de cabeça. O problema é que esse não é o forte do sueco e Paulinho falha tanto em terra como no ar ou até no mar (só para alegrar os "gajos" da profundidade e do futebol associativo). [Alejo Véliz seria esse ponta de lança de que precisamos como plano de contingência, mas foi (aos 18 anos) do Rosário Central para o Tottenham por um valor de investimento perfeitamente acessível para nós.] Para agravar o problema, tivemos inúmeros cantos a favor, mas o Inácio e o Coates, os nossos jogadores com mais eficácia nas alturas, não estiveram no relvado por castigo ou lesão. Assim, restava-nos encontrar o espaço por onde entrar, só que Pote ocupou durante imenso tempo esse espaço (arrastando sistematicamente para aí um adversário) que deveria ter sido deixado livre para quem viesse de trás, não sendo à toa que Morita o tenha descoberto apenas quando Bragança entrou e veio jogar ao seu lado (e não mais adiantado, como Pote anteriormente). Antes, havíamos explorado uma vez o espaço mínimo existente entre o autopullman da Eva estacionado por Paulo Sérgio e a paragem do autocarro, com Gyokeres a antecipar-se ao "pica" e a conseguir finalmente encontrar a porta de saída desse espartilho e cumprir com o seu destino (goleador). Só que de uma faltinha à portuguesa - só por causa das tosses, em Portugal qualquer corrente de ar (excepto as tempestades que investem sobre o Gyokeres) é logo motivo para que um árbitro sopre o apito - resultou o fim do descanso de Adán e o golo portimonense. E, completamente contra a corrente de jogo, até poderiam ter vindo mais dois de enxurrada, um salvo por Quaresma (e não Adán, como Rúben erradamente referiu) e outro pelo nosso guarda-redes. Até que houve a tal jogada de Morita que Paulinho assistiu de calcanhar para o calcanhar de um algarvio e por fim até às redes. {Um golo de Paulinho geralmente envolve mais rituais e inuendos que um baile de debutantes.] Antes de tudo isto porém (ainda na primeira parte), o Neto havia mandado uma sarrafada num antigo jogador nosso (Gonçalo Costa) que o deixou com a mesma cara com que eu fiquei quando soube que ele iria a jogo e o Quaresma ficaria no banco. Dois ou três jogos no banco, desde que concentradíssimo (pode ser até que levite), o nosso jovem talvez ganhe a titularidade...

 

Bom Ano de 2024 a todos!!!

 

Tenor "Tudo ao molho...": Hidemasa Morita 

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