Os jogos da minha vida (V)
Pedro Azevedo
14.12.1986 Sporting - Benfica 7-1
A nossa equipa: Vítor Damas; Gabriel, Venâncio, Virgílio e Fernando Mendes (Duílio, aos 79 min.); Oceano, Litos (Silvinho, aos 79 min.), Zinho e Mário Jorge; Raph Meade e Manuel Fernandes.
O Sporting vs Benfica de 86 é o único jogo desta série que não presenciei ao vivo, facto do qual jamais me perdoarei. Por sortilégio, o que perdi "in loco" em emoção ganhei em explicação racional do que se passou em campo. É verdade, enquanto estudava para uma Frequência de Economia calendarizada para o dia seguinte, o jogo proporcionar-me-ia a aplicação prática das teorias do liberalismo, simbolizadas na expressão "laissez faire, laissez passer" com que a defesa encarnada pretendeu ilustrar os conhecimentos teóricos que eu ia adquirindo nos livros e cadernos de apoio.
À cautela, deixara a aparelhagem sintonizada numa estação radiofónica que cobria o derby. Eu, no meu quarto, à secretária, a aparelhagem na Sala de Estar com o som baixinho. Cerca de 20 metros nos separavam, distância fulminantemente superada logo ao quarto de hora quando Mário Jorge inaugurou o marcador. Seguiu-se uma hora relativamente tranquila, sem grande volatilidade nos decibéis que vinham de outra divisão da casa, que me permitiu concentrar na matéria em atraso. Chegou então a catarse de uma meia hora final feita de constantes piscinas naquele corredor que separava a zona dos quartos das áreas comuns. Desse transe e até à rendição final distaram poucos minutos. A emoção acabaria por vencer a razão, o Sporting nocautearia de uma só penada Adam Smith, Locke, Burke, Bentham, Malthus e Marx. O som da aparelhagem já não estava baixinho e o vizinho de baixo, benfiquista convicto, fazia questão de o notar a toque de cabo de vassoura, anunciando sarilhos. Sarilhos, origem do nosso Manél, imparável nessa tarde. O jogo acabara e era hora de celebrar. Sózinho em casa, olhei para o meu Dual, gira-discos com uma base em madeira onde afinfara três pancadinhas de sorte antes do jogo começar. Em cima do tampo em vidro da geringonça havia um LP e um Single. Por uma vez o recém-importado "Love will tear us apart" dos Joy Division de Ian Curtis ficaria para trás, vergado pelo peso de Mr James Brown, o "Padrinho do soul". I feel good!...