O Xico
Pedro Azevedo
"Ó Xico, Ó Xico
Onde te foste meter?
Ó Xico, Ó Xico
Não me faças mais sofrer" - "Xico", Luísa Sobral
Tenho uma ténue recordação do dia em que nasceu. Vários de nós foram papás nessa época e o Sérgio, na época um jovem (como eu) sempre transbordando de alegria e sentido de humor, trabalhava a poucos metros de mim, na mesma empresa. Seguimos caminhos diferentes e só uns bons anos mais tarde me apercebi de que o Francisco que jogava nas camadas jovens do meu Sporting era filho do outrora meu colega. Obviamente, tal fez-me seguir com redobrado interesse o seu desenvolvimento enquanto futebolista.
O Xico nasceu para o futebol numa época em que os "trequartisti", maestros de condução de todo o jogo, começavam a ser substituídos por instrumentistas versáteis quando não por tocadores de bombo. Olhando por esse prisma, dir-se-ia que falhou o encontro com a história, ao contrário, por exemplo, de Rui Costa, o último "10" puro do futebol português. O Príncipe de Florença ainda viveu um tempo de romantismo no futebol onde aos futebolistas da sua posição era essencialmente pedido que pensassem e construíssem as jogadas atacantes. Também que soubessem marcar o "tempo", acelerando ou abrandando a batuta consoante o que o jogo pedia. Deco já foi um jogador híbrido, de um tempo moderno, tão capaz de destruir como de construir, um dois em um, "8" e "10" ao mesmo tempo. Olhando para Bruno Fernandes já se nota uma diferença significativa. Menos cerebral (embora igualmente inteligente) do que os maestros de outro tempo e por isso não tão dado a temporizações, mas com uma qualidade de remate invulgar que alia a uma óptima técnica individual, adequado timing de passe e uma resistência incomum que lhe permite fazer várias "piscinas" durante um jogo, Bruno é essencialmente um agitador, dinamitador até, um excelente guerrilheiro, sempre pronto a agredir a trincheira onde se refugia o adversário e a defender a sua doe o que doer.
Ora, o Geraldes nunca será um Bruno, ele tem muito mais semelhanças com o tipo de jogador que foi Rui Costa. O Xico é um cerebral, que lê e pensa o jogo e ama o passe, especialmente o último, de ruptura. Vê-lo em campo evoca reminiscências de um tempo que já não volta do primado do cérebro sobre o músculo. Um tempo em que havia tempo para criar, onde os campos ainda não estavam cheios de minas, armadilhas e sapadores militarizados e não havia 5 jogadores dispostos a destruir por cada criativo que ia a jogo. Por isso, o sentimento que mais expressa a sensação que tenho quando vejo o Xico é o de nostalgia. Eu sei que esse tempo de outrora não volta para trás, mas com ele no relvado estabelece-se um "faz de conta" em que por momentos eu sonho que tal será possível. Afinal, não é o futebol uma forma de escape à realidade?