O Sobrenatural de Almeida
Pedro Azevedo
O genial crónista brasileiro Nelson Rodrigues, fanático adepto do Fluminense, associava as derrotas do seu time à existência do sobrenatural. Dando "corpo" a esse sentimento, criou o personagem do Sobrenatural de Almeida, um fantasma, o responsável por todo o sofrimento do povo tricolor. Já depois da sua morte (Nelson Rodrigues faleceu em 1980), o Flu esteve 9 anos sem ganhar nada e a memória colectiva dos seus adeptos não esqueceu o Sobrenatural de Almeida. Até que, finalmente, o Flu venceu o campeonato carioca de 1995, batendo o Flamengo por 3-2 numa final disputada no Maracanã, nome pelo qual se tornou conhecido o Estádio Mário Filho, baptizado assim em memória do jornalista com o mesmo nome e irmão de... Nelson Rodrigues. O engraçado é que o título do "Pó de arroz", alcunha dada ao Fluminense em virtude de ter sido uma das primeiras equipas brasileiras a jogar com atletas negros - em tempos em que um condenável racismo era mais evidente e menos súbtil do que é hoje, os adversários, jocosamente (verdade ou não), garantiam que Carlos Alberto, jogador mulato, se maquilhava no balneário para não contrastar com os demais - , foi conseguido através de um golo de Renato Gaúcho (a 4 minutos do fim) marcado com a barriga. Místicos como poucos e com grande criatividade, logo os adeptos brasileiros do Fluminense atribuiram ao divino umbigo de Renato o desaparecimento do Sobrenatural de Almeida.
Olhando para o Sporting, também dá vontade de erradicar o Sobrenatural de Almeida, aquele que carregou Ricardo dentro da pequena área, marcou com a mão pelo Paços, ou levantou a bola dos pés de Bryan Ruiz. Ainda tive esperança que tudo se resolvesse com a chegada de Teo Gutierrez, "o divino umbigo" do Sporting. A ele vi marcar com a bunda, anca, canela, ombro e até partes íntimas e protuberantes, para além de também com o umbigo, claro está. Mas nem a sua forma pouco convencional de fazer abanar as redes foi capaz de desfazer a assombração do Sobrenatural de Almeida. Pensando bem, o nosso fantasma não sei se será Almeida: ele é bem capaz de ter um ou dois primos a actuar(em) em Portugal, igualmente Sobrenatural pela parte da mãe, mas com outros apelidos por parte dos pais, cobrindo assim o país de Norte a Sul. Com uma ajudinha aqui e ali (macumba) vinda das nossas áfricas, que esta coisa de fazer passar a bola por cima da barra sem guarda-redes na baliza não lembra nem a um fantasma.